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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Voltando a Minamata, artigo de Roberto Naime

Em Minamata houve um confronto amargo entre empregados da fábrica e parentes das vítimas, que somente cessou quando a organização mudou seu ramo de atividade. Todavia, Minamata é um caso extremo: os efeitos da poluição sobre a saúde de seres humanos e animais domésticos se apresentaram de forma clara, à luz do dia, a fonte de poluição era focal, de fácil determinação.O próprio contexto geral teve efeito restrito geograficamente. Não raro nos deparamos hoje com situações diametralmente opostas, quando temos fontes de poluição difusas, efeitos sobre a saúde que só serão sentidos muitos anos após convivência crônica com os poluentes, efeitos sobre fauna e flora silvestre, e alterações em escala não mais regional, mas global.
É geral na história da humanidade o conflito entre uma suposta abordagem mais positivista (ou até hedonista) que valoriza a subsistência vista como sobrevivência física imediata como sendo superior a uma visão mais integrada e sistêmica que aborda a sobrevivência física dentro de um contexto mais coletivista.
Num mundo que oscila com níveis de desemprego geralmente elevados, escassez ou má distribuição de bens e meios de sobrevivência, e onde os sistemas de proteção social não são sempre bem desenvolvidos e não respondem às necessidades sociais das comunidades, esta visão não sofre muitos questionamentos ao ser permanentemente hegemônica.
A doença de Minamata, como veio a ser conhecida, foi o estopim que chamou a atenção do mundo todo para os problemas ambientais. Foi possível ver que não era viável continuar agredindo a natureza sem pagar um alto preço por isto.
Particularmente houve uma consciência que os metais pesados são um grande perigo. O mercúrio, por exemplo, é cumulativo nos tecidos animais, se torna teratogênico no gênero feminino durante a gestação, causa problemas de toxidez e psicomotricidade dentre outros e pode levar a morte.
O simples recondicionamento de baterias, feito por pequenas indústrias de fundo de quintal produzem vapores de chumbo altamente tóxicos que se desprendem do processo. Agora que não se comece a moralização do setor ambiental pelas pequenas indústrias de recondicionamento de baterias, pois existem questões bem mais graves.
O mesmo vale para o pequeno agricultor, muitas vezes penalizado em detrimento do grande latifundiário. Aliás, a própria legislação e regulação ambiental é de tal modo cega em justa em nosso meio que pune todos da mesma forma: o pequeno quebra ao ser autuado, o grande paga a multa e resolve o prejuízo de forma contábil.
É quase como a discussão que tem se colocado sobre o aquecimento global. Estão cada vez mais evidentes para o conjunto das pessoas a influência de fatores reconhecidamente geológicos, como a orientação do eixo magnético da Terra, as explosões solares, o tamponamento das geleiras e outros fatores, que influenciam tanto separadamente como em conjunto.
Mas isto jamais significa que não exista influência antrópica com a poluição industrial descontrolada, as queimadas de vegetação, a falta de preservação de florestas e demais fatores que atuam sinergicamente entre si para produzir efeitos de aquecimento global. Não há como tapar o Sol com a peneira, aliás, de há tempo que contribuímos fortemente para destruir nossa “peneira” de ozônio.
A função da ciência neste caso parece ser determinar qualitativa e quantitativamente a influência de cada variável, seja geológica ou antrópica e procurar determinar a sinergia entre os fatores de um e de outro tipo. Sempre com humildade, não sejamos ingênuos ao ponto de imaginarmos que ao examinarmos hipotéticos 1500 parâmetros em uma amostra retirada do ambiente, não possa haver ali um poluente na 1501ª. Ocorrência da qual não temos nem notícia.
Mais que isso, aos poucos e muito lentamente é que estamos engatinhando no sentido de conhecer as relações entre esses constituintes, que talvez sejam muito mais importantes que sua simples presença ou ausência.
Metais pesados como os que saturavam os efluentes industriais da Baia de Minamata no Japão são um risco constante para a saúde humana, constituindo um perigo ao qual devemos sempre estar atentos.
Não são os únicos problemas ambientais do mundo, mas talvez constituam um dos mais graves, assim como o propalado aquecimento global. Mas com certeza não queremos sofrer como os habitantes de Minamata. Pensemos ainda no dia-a-dia, na massiva contaminação de nossos corpos hídricos por matéria fecal, pesticidas e resíduos sólidos; na contaminação do ar por poluentes variados; na infiltração do solo por poluentes que voltarão à nossa mesa a médio e longo prazo.

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FONTE : Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 06/07/2012

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