O relatório mostra que entre 1961 e 2009, as terras cultiváveis do mundo cresceram 12%, porém a produção agrícola expandiu 150%, graças a um aumento significativo na produtividade e no rendimento dos principais cultivos. Como a população mundial cresceu 120% no período, passando de 3,1 bilhões de habitantes em 1961 para 6,8 bilhões em 2009, houve um aumento da oferta de alimentos per capita, em nível global. O número de pessoas em situação de fome no mundo aumentou em termos absolutos (de cerca de 820 milhões em 1990 para 930 milhões em 2010), mas em termos relativos houve uma queda de 15% para 13% da população mundial, no período.
Em parte, este aumento da oferta de alimentos aconteceu em função do uso de novas tecnologias e da aplicação de fertilizantes e defensivos agrícolas produzidos pela industria química e do petróleo. Porém, em muitos lugares “as conquistas têm sido associadas a práticas de gestão que têm degradado a terra e os sistemas de água sobre a qual a produção de alimentos depende” e, hoje em dia, um número crescente desses sistemas encontram-se em “risco de colapso progressivo da sua capacidade produtiva, devido à combinação da pressão demográfica excessiva e o uso não sustentável de práticas agrícolas”, diz o relatório.
A FAO considera que até 2050 a produção agrária (agrícola e pecuária) precisará crescer 70% para atender os 9 bilhões de habitantes do mundo previstos para a metade do século. Mas este objetivo não será fácil de ser alcançado porque muita coisa mudou nos últimos 50 anos.
Em primeiro lugar houve um aumento considerável do preço do petróleo e demais fontes de energia. Com o aumento da demanda e a escassez da oferta de combustíveis fósseis as projeções indicam preços elevados para as próximas décadas. Ao mesmo tempo, os gargalos dos recursos naturais são cada vez mais sentidos, já que a competição por terra e água tem se tornado “pervasiva”, diz o relatório. Isto inclui a concorrência entre os usuários urbanos e industriais, bem como internamente ao setor agrícola: entre gado, culturas básicas, grãos, legumes, hortaliças e produção de biocombustíveis.
Além disto, as mudanças climáticas podem alterar os padrões de temperatura, precipitação e os fluxos dos rios, dos quais os sistemas mundiais de produção de alimentos dependem. Como resultado, o quadro atual é diferente de 50 anos atrás, pois a demanda humana é maior, mas a disponibilidade de terras de qualidade, de nutrientes do solo e de água são menos abundantes.
O relatório SOLAW 2011 trouxe pela primeira vez uma avaliação global do estado dos recursos de terra e água do planeta: 25% estão altamente degradados; 8% estão moderadamente degradados; 36% estão estáveis ou levemente degradados; e 10% estão em melhor estado. As maiores ameaças são a perda de qualidade do solo, seguido de perda de biodiversidade e esgotamento dos recursos hídricos.
Esta situação atinge em maior proporção a população pobre do mundo que se encontra em uma situação caracterizada como “armadilha da pobreza”, pois são as pessoas de baixa renda que têm menos acesso à terra e água, ao mesmo tempo em que estão restritas às pequenas propriedades com solos de má qualidade e alta vulnerabilidade à degradação da terra e às incertezas climáticas. Cerca de 40% dos solos degradados do mundo são encontrados em áreas com altas taxas de pobreza (e também de fecundidade).
A escassez dos fluxos de água está aumentando juntamente com a salinização e poluição das reservas subterrâneas e a degradação das nascentes. Os níveis dos aquíferos estão em declínio e a sucção contínua de água subterrânea não renovável apresenta um risco crescente para a produção de alimentos locais e globais. Muitos rios não chegam ao seu fim e inúmeras nascentes e zonas húmidas estão desaparecendo.
Para ilustrar os problemas hídricos e as trajédias dos rios que não chegam no mar, vale a pena ver o vídeo “The Colorado River: Running Near Empty” do fotógrafo Peter Mcbride, postado no site Yale Environment 360. O vídeo mostra como o sobre-uso das águas do rio Colorado, para agricultura, industria e consumo das cidades, interrompe o seu fluxo antes de chegar ao mar de Cortez, no golfo da Califórnia. Desde 1998, o delta do rio Colorado está seco e o “rio vermelho” não deságua mais no oceano, causando a morte e a extinção de alguns peixes e espécies que viviam no local. Já o vídeo “Death of a River: The Colorado River Delta”, de Alexandra Cousteau, mostra a destruição do Delta do Colorado e os efeitos negativos sobre a biodiversidade e para as populações que vivem na fronteira dos Estados Unidos e México (enquanto a cidade de Las Vegas utiliza as águas do rio Colorado e cresce com a industria dos cassinos).
Vale a pena ver os vídeos e refletir se algo semelhante não poderia acontecer, por exemplo, com o sobre-uso das águas do rio São Francisco. Estudos mostram que houve diminuição de 35% da vazão do “rio da integração nacional”, especialmente por falta de cuidado com as suas nascentes, a morte de diversos afluentes, o desmatamento das matas ciliares, o uso indiscriminado das águas para a produção de energia, para a agricultura, a pecuária, a industria e as cidades. Como ficará a situação do São Francisco com a maior demanda que virá após o fim das obras de transposição? Como a destruição dos nossos rios afetará a segurança alimentar do Brasil e do mundo?
Referências:
FAO. 2011. The state of the world’s land and water resources for food and agriculture (SOLAW) – Managing systems at risk, Rome and Earthscan, London. Disponível em: http://www.fao.org/nr/solaw/the-book/en/
Peter Mcbride. “The Colorado River: Running Near Empty”. Disponível em:
http://e360.yale.edu/feature/video_colorado_river_running_near_empty/2443/
Alexandra Cousteau. “Death of a River: The Colorado River Delta”. Disponível em:
http://www.alexandracousteau.org/field/expedition-films/death-river-colorado-river-delta
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FONTE : José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 28/12/2011
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