A pandemia de coronavírus parou o mundo e vem assustando a todos, mas pode ser pior se pensarmos no que ainda pode estar por vir.
A Covid-19 tem mortalidade relativamente baixa e menor do que outras já existentes. Como sempre, levará os mais frágeis, idosos vulneráveis, pobres ou desnutridos.
Mas talvez seja muito boa para alertar a humanidade de algo que sempre falo: o apocalipse moderno, mais imediato e provável, seria uma pandemia por viroses emergentes ou mutação de vírus preexistentes.
O que torna isso tão óbvio e previsível são as práticas atuais do nosso modelo de desenvolvimento irresponsável e destrutivo do equilíbrio natural, da destruição de florestas e dos habitats naturais com larga biodiversidade e equilíbrio autocontrolado.
Habitats que estão sendo substituídos por monoculturas extensivas e agrotóxicos químicos que destroem tudo: abelhas, insetos biorreguladores, e muito mais, usando sementes modificadas geneticamente e aplicando antibióticos massivamente em criações de frangos, porcos e gado.
Claro que estamos selecionando e gerando mutações também nos agentes patogênicos que acabam se adaptando e vez por outra passando para humanos. Todos os anos são informadas várias viroses emergentes que passam do ambiente para humanos, e são muitas. Mas o grande público não chega nem sequer a ser informado.
Somos, na verdade, um grande laboratório de infectologia, insistindo todos os dias em criar nossas próprias armas biológicas contra nós mesmos. Sou também infectologista e há anos estamos assustados com isso. Em nos nossos encontros não dizemos se, mas quando.
Até quando insistiremos em ser uma humanidade ignorante e irresponsável? O maior sinal da ignorância está justamente na arrogância e na agressividade, ao tentar à força dominar e industrializar de forma destrutiva a natureza, como se isso fosse alta tecnologia e nosso orgulho desenvolvimentista.
Em vez disso, poderíamos observá-la, respeitar e aprender a interagir de forma harmônica e amigável com sua sabedoria e generosidade. Em nosso próprio proveito, como fazem a sabedoria ancestral e a maioria das populações tradicionais. Por esta razão, às vezes, acredito que o futuro será indígena.
Tecnologia já temos, como por exemplo da agrofloresta (agricultura que imita a natureza, misturando várias espécies que se ajudam), controle biológico de pragas, reciclagem de resíduos ).
No entanto, qual é o incentivo de pesquisa e financiamento ou subsídios que essas práticas têm se comparados às da agricultura extensiva e industrializada?
Pelo caminho atual será isso mesmo: pandemias repetidas, desastres naturais e suicídio coletivo. Tragédia anunciada!
Esta pandemia virá e passará como as outras e sua letalidade será relativamente superada, mas serve muito bem para refletirmos sobre tudo isso e o que temos feito ou deixado de fazer.
Já imaginaram quando vir uma mais letal? Do tipo do ebola, que atualmente é transmitido apenas por fluído, mas se sofrer uma pequena mutação poderia passar a se transmitido por via aérea? Com alta virulência num mundo globaliza todos seriam contagiados por todos na velocidade em que as pessoas se encontram, evoluindo para pandemia rapidamente.
A diferença neste caso é que sua letalidade pode chegar a 90%. Isso mesmo: 90%! Ai, sim, o apocalipse. Não estaríamos falando em dezenas de milhares de mortes, mas de bilhões. E o fim da grande maioria de nós. Tragédia mais que anunciada.
Isto já está por acontecer. Está acontecendo agora com o coronavírus, que diante de outros parece até um vírus quase que amigável. Até quando Deus perdoará nossas ofensas aqui na terra como no céu? Para esclarecer: o coronavírus assusta sim.
E o problema já é sério e poderá ser bem mais, pela falta de infraestrutura e capacidade de o sistema de saúde, desde sempre insuficiente. Seja para atender aqueles que agravarem seu estado durante a pandemia atual, seja para atender aqueles que além de outros agravantes, ainda são expostos à pobreza e dependem do sistema público.
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo
(#Envolverde)
Um comentário:
A ganância provoca o horror para nos e para a natureza. Belo texto e reflexivo
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