por Andrés Bermúdez Liévano , do Diálogo Chino –
Acordo estava a ponto de entrar em vigor, mas pandemia do novo coronavírus interrompeu o processo
No último mês, apesar da chegada à América Latina e ao Caribe da crise social e econômica gerada pela epidemia do covid-19, três novos países ratificaram o inédito tratado regional de Escazú, que busca melhorar o acesso à informação pública e a participação cidadã em temas ambientais, e a proteger os defensores do meio ambiente.
Este acordo é particularmente urgente para frear aos ataques contra ativistas e comunidades que defendem o meio ambiente na América Latina, a região mais perigosa do mundo para este tipo de ativismo. O projeto jornalístico Terra de Resistentes documentou 1.356 ataques contra estes defensores entre 2009 e 2018 em Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, México e Peru. Entre as vítimas, 56% pertenciam a minorias étnicas.
Com essas ratificações, o acordo chegou a 8 e está muito próximo das 11 ratificações necessárias para tornar-se realidade. Contudo, as quarentenas, o distanciamento social e outras medidas de urgência tomadas por países latino-americanos para deter o novo coronavírus desaceleraram o ritmo de aprovação.
Embora os trâmites legislativos variem de um país para outro, e alguns também exijam uma revisão constitucional por parte de seus tribunais superiores, o processo estava muito avançado em vários governos quando a pandemia se instalou. No Equador, por exemplo, faltava apenas fazer o depósito do instrumento de ratificação na ONU. Esta é a situação do Acordo de Escazú nos países que o assinaram:
Argentina: à espera de um Congresso suspenso
Na Argentina, o novo Congresso estava pronto para discutir ratificação de Escazú. Os parlamentares tomaram posse em primeiro de março, mas foram interrompidos pela quarentena decretada pelo presidente Alberto Fernández.
O projeto já está na comissão de relações exteriores do Senado, presidida pelo senador governista Jorge Taiana (que foi chanceler do governo da hoje vice-presidente Cristina Fernández Kirchner), e então passará à Câmara dos Deputados. Ao menos 40 organizações enviaram uma carta pública a Taiana lembrando que a Argentina foi uma das principais promotoras do acordo, pressionando o governo por meio de campanhas como “Minha voz e a sua por Escazú”.
“Acreditamos que a Argentina tem uma grande oportunidade de ratificar o acordo, já que suas políticas internas e sua legislação estão alinhadas com o que estabelece Escazú. É um país grande e federalista, que ainda tem muito a fazer na implementação das normativas”, afirma Andrés Nápol, diretor-executivo da Fundação Ambiente y Recursos Naturales (FARN).
Brasil: em análise prévia ao Congresso
O Brasil, que assinou o acordo no governo de Michel Temer, ainda não enviou o texto ao Congresso para ratificação.
Até onde sabem as organizações sociais e ambientais que acompanharam a negociação, Escazú ainda está em processo de tramitação interna prévia ao envio ao poder legislativo por parte do presidente Jair Bolsonaro. Após a assinatura, o texto foi enviado para análise a três ministérios: Meio Ambiente, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e Transparência e Controladoria Geral da União. Ainda não se sabe se esses ministérios aprovaram o acordo ou quais comentários foram enviados à Casa Civil, responsável por apresentá-lo ao Congresso.
Em todo caso, o desafio é dar maior visibilidade a Escazú. “Poucas pessoas conhecem o acordo no Brasil, e nosso esforço ainda é o de promovê-lo mais para que mais pessoas o conheçam e defendam”, explica Joara Marchezini, coordenadora de projetos de acesso à informação da Artigo 19.
Colômbia: chegou tarde e não se sabe quando vai para o Congresso
A Colômbia foi o último país a assinar o acordo de Escazú, depois de pedidos insistentes da sociedade civil nos espaços de diálogo que se seguiram aos protestos massivos no final do ano contra o governo de Iván Duque.
Duque assinou o acordo em 11 de dezembro, invertendo sua visão original de que o acordo não continha medidas novas e expunha o país a julgamento internacional. Agora, o instrumento deverá ser aprovado pelo Legislativo, tanto pelo Senado como pela Câmara dos Representantes, e passar para revisão na Corte Constitucional. Em tese, o governo estava pronto para apresentá-lo em 17 de março, no começo da nova legislatura, que foi interrompida pelas medidas de distanciamento preventivo e quarentena obrigatória até 13 de abril.
Em todo caso, os congressistas não tiveram notícias do acordo. “Tínhamos esta semana uma discussão na bancada da Amazônia, mas não escutamos nada do governo, nem da Chanceleria, do Meio Ambiente ou da Justiça”, afirma Carlos Ardila, representante da câmara da região amazônica de Putumayo. O maior obstáculo é que o governo ainda não tomou medidas para que o Congresso possa legislar virtualmente. Para não ser arquivado, o acordo tem que superar um de quatro debates antes de 20 de junho.
8 países já ratificaram o tratado regional de Escazú
Costa Rica: na metade do trâmite legislativo
No país que foi sede da negociação e que deu nome ao acordo, a ratificação está bastante adiantada, mas foi interrompida pelo coronavírus.
A Assembleia Legislativa aprovou o instrumento de ratificação em um primeiro debate em 13 de fevereiro. Atualmente, o texto está em consulta na Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça, que tem um mês para examinar sua constitucionalidade e devolvê-lo ao legislativo para um segundo e último debate.
Esse mês de revisão constitucional está quase completo, mas a epidemia alterou o funcionamento da Sala Constitucional, que não está realizando sessões, apenas resolvendo assuntos de emergência como recursos de amparo e habeas corpus. Algo similar está acontecendo na Assembleia, que está centrada em temas ligados à emergência sanitária.
“Estamos apenas na segunda semana e não sabemos como estaremos durante o pico do coronavírus, mas esperamos que depois de algumas semanas possamos retomar a normalidade no congresso”, conta a deputada Paola Veja, que preside a comissão de meio ambiente.
Equador: tudo pronto, falta apenas depositar
O Equador seria o nono país a ratificar o acordo de Escazú, se não fosse o coronavírus.
O trâmite começou na Corte Constitucional, que tomou duas decisões ano passado sobre o acordo, primeiro determinando que o texto deveria passar pela Assembleia Nacional, e depois, em abril, aprovando sua constitucionalidade.
Em maio, começou o trâmite pelo Legislativo. O instrumento de ratificação foi aprovado em 4 de fevereiro no plenário da Assembleia Nacional. Em 27 de fevereiro, o presidente Lenin Moreno assinou o decreto executivo ratificando o acordo, o que significa que falta apenas depositá-lo no Escritório de Tratados das Nações Unidas, em Nova York. Para que a Chancelaria equatoriana possa realizar esse trâmite, falta apenas a publicação no Registro Oficial. Com a ONU está operando de maneira remota e não está realizando cerimônias formais de depósitos, isso aconteceria mediante o mecanismo alternativo de correio que a organização habilitou por causa da pandemia
“Falta apenas essa formalidade na ONU para que o Equador entre na lista de países que ratificaram Escazú. Em todo caso, precisamos ser honestos com o fato de que, no momento, a prioridade do governo é a resposta à epidemia”, afirma Daniel Barragán, diretor do Centro Internacional de Pesquisas sobre Meio Ambiente e Território (CIIAT) da Universidade dos Hemisférios.
Guatemala: ainda travado no governo
Embora o governo guatemalteco tenha dado visibilidade ao acordo após sua assinatura, convocando a população desde de agosto de 2018 para oficinas de socialização com o ministro do meio ambiente e altos funcionários da Chancelaria, o trâmite está travado.
Um ano e meio depois, o governo ainda não apresentou o instrumento ao Congresso. Quando Jimmy Morales terminou seu mandato como presidente no fim de 2019, o acordo supostamente seguia em fase de consultas no Ministério do Meio Ambiente e em outras entidades públicas. O novo presidente, Alejandro Giammattei, assumiu em janeiro e ainda não falou do tema. “Há profundos interesses pela disputa entre meio ambiente, povos indígenas e setor privado”, resume uma fonte que trabalha com direitos humanos e que pediu que seu nome não fosse mencionado.
México: também travado no governo
O México ainda não enviou o acordo ao Legislativo para sua ratificação, processo que será desacelerado pela recém-declarada emergência sanitária.
Para que o governo de Andrés Manuel López Obrador possa apresentar o texto ao Senado, é necessário um trâmite que ainda não ocorreu. Também falta uma assinatura que tem sido difícil de conseguir desde junho de 2019. O departamento jurídico da Chancelaria deve enviar um documento chamado “visto bueno liso y llano” (aprovação plena) à Presidência, com os avais de 16 entidades do governo. Contudo, ainda falta a Secretaria de Fazenda.
Em uma reunião pedida pelas organizações que acompanharam o acordo e que escreveram uma carta pública há duas semanas pedindo celeridade no trâmite, funcionários da Fazenda disseram — sem maiores detalhes — que falta uma análise de impacto econômico da ratificação. “É a última assinatura que falta para termos essa aprovação. Está tudo travado por causa deles e todos os atores sabem disso”, conta Tomás Severino, diretor de Cutura Ecológica. “Não nos explicaram de maneira clara por que o acordo está travado”, acrescenta Norma González Benítez, da Anistia Internacional.
No último 3 de março, o próprio Senado exortou publicamente o governo a agilizar o trâmite, embora não esteja claro que a aprovação do texto seja possível antes deste período legislativo — que está funcionando de maneira mais lenta devido à pandemia — em 31 de março. Isso significa que a ratificação poderia demorar até setembro, quando começa um novo período legislativo.
3 – países precisam ratificar para que entre em vigor
Paraguai: travado por religiosos e empresários
A ratificação já estava avançando no Congresso paraguaio, mas — como mostrou o El Surtidor — foi interrompida pela oposição de setores religiosos e conservadores.
A crise começou quando o arcebispo de Asunción, Edmundo Valenzuela, argumentou que o acordo ambiental permitiria legalizar a chamada “ideologia de gênero”, um conceito vago utilizado por setores conservadores para englobar políticas progressistas sobre gênero. “Estamos frente a uma ameaça que vem da ONU (…) praticamente nos obrigando a aceitar todas as resoluções anteriores de aborto, ideologia de gênero, eutanásia”, disse o líder católico, sem oferecer provas.
Essas declarações levaram o presidente Mario Abdo Benítez a retirar o projeto em 2 de dezembro. O chanceler Antonio Rivas anunciou consultas com diversos setores, como o religioso e a União de Grêmios da Produção (UGP), que temia danos à produção de grãos. O jornal ABC Color informou que a Chancelaria estava pronta para levar de novo o texto ao Congresso na primeira semana de março, o que foi interrompido devido à epidemia.
Contudo, os promotores do acordo tentaram explicar seu valor aos setores produtivos. “Escazú não serve apenas para proteger o meio ambiente; também é uma excelente carta de apresentação para abrir novos mercados, já que facilita a rastreabilidade dos produtos exportados pelo Paraguai. Essa rastreabilidade permite tornar mais transparentes os processos produtivos, premiando os que utilizam vias sustentáveis”, explica Ezequiel Santagada, diretor do Instituto de Direito e Economia Ambiental (Idea).
Peru: depois da crise política, pronto para avançar
No Peru, outro país que liderou a negociação, o acordo avançava até que foi paralisado pela crise política do ano passado.
Em agosto, o governo de Martín Vizcarra enviou ao Congresso o expediente recomendando a aprovação do acordo, incluindo relatórios favoráveis da Defensoria do Povo, do Ministério Público, do Poder Judicial e de dez ministérios. Contudo, em meio ao grave conflito político entre o governo e o poder legislativo, o texto não chegou sequer a ser discutido na comissão de relações exteriores, etapa anterior à votação no Congresso.
Essa paralização se acentuou em setembro, quando Vizcarra dissolveu o Congresso. Seu governo, que tinha faculdade para legislar até que começasse um novo legislativo, não priorizou a ratificação. O novo congresso, eleito em janeiro, apenas tomou posse em meados de março e ainda não formou a nova comissão de relações exteriores.
A sociedade civil, por outro lado, tem se mobilizado para criar espaços de discussão. “Como conhecemos os parlamentares eleitos, temos realizado ações com o objetivo posicionar a ratificação do acordo em suas agendas legislativas: criamos petições públicas e apresentamos o texto a congressistas durante um café da manhã”, conta Fátima Contreras, advogada da Sociedade Peruana de Direito Ambiental (SPDA).
República Dominicana: entre eleições e quarentenas
No país caribenho, as discussões desaceleraram em meio ao agitado calendário eleitoral deste ano, com eleições municipais realizadas há uma semana e as duas eleições presidencial e legislativa programadas para maio e junho.
Em fevereiro, um grupo de organizações que apoiam a ratificação de Escazú se reuniu com uma comissão de senadores, incluindo o presidente da comissão ambiental do Senado. “Acho que as chances são altas, depois de ver o interesse dos senadores que participaram da reunião com a sociedade civil”, conta Euren Cuevas, diretor executivo do Instituto de Advogados para a Proteção do Meio ambiente (Insaproma).
Os avanços, em todo caso, foram prejudicados pela quarentena e os toques de queda noturnos para frear a propagação do coronavírus. Uma vez que passe pelo legislativo, o instrumento deve ser revisado pelo Tribunal Constitucional.
Os relutantes não mudam de opinião
Chile: de apoiador a cético
Chile foi a surpresa da região: liderou a negociação ao lado da Costa Rica, sob o governo de Michelle Bachelet, mas seu sucessor Sebastián Piñera se negou a assinar o acordo.
Piñera apresentou diversas razões para isso. “Tudo o que Escazú estabelece está na legislação nacional. Por isso, não acrescenta nada”, afirmou o presidente em setembro último. Alguns dias antes, Piñera havia dito que “há alguns problemas que precisam ser resolvidos” como “problemas de cessão de soberania ou problemas que poderiam levar o Chile a ser processado por cortes internacionais sem justificativa”. Essa postura não parece ter mudado desde então, apesar da pressão de organizações sociais e ambientais. Em janeiro, a ministra do meio ambiente Carolina Schmidt voltou mencionar o “risco de internacionalizar conflitos que são e devem ser internos”.
El Salvador: silêncio total
O atual governo de Nayib Bukele continua relutante a assinar o acordo e nem mesmo fala publicamente sobre o texto. “El Salvador vive em condições de crescente degradação ambiental e de efeitos acelerados das mudanças climáticas. É o segundo país mais desmatado e deteriorado ambientalmente do continente depois do Haiti”, escreveram em novembro último cerca de dez organizações ambientais e sociais, exigindo a assinatura de Escazú.
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