por Fermín Koop, Manuela Andreoni, Andrés Bermúdez Liévano, Alejandra Cuéllar, para o Diálogo Chino –
Do Cone Sul à América Central, vários governos estão recebendo doações da China
Enquanto os países da América Latina lutam para preparar os seus sistemas públicos de saúde para enfrentar a crise mais desafiadora da história recente, muitos também estão pedindo ajuda para a China.
Os governos do Cone Sul à América Central já receberam ou aguardam uma doação da China. Os donativos têm sido bastante variados: de kits de teste a ventiladores. Isso tudo revela uma nova face da diplomacia chinesa – e seu “soft power” – na região: a “diplomacia da máscara”.
A cooperação direta entre instituições médicas e de saúde – tanto do setor governamental, como do regional e local – é contemplada em um plano de ação conjunta assinado em 2018 entre a China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). O CELAC é um bloco regional hemisférico que exclui os EUA e o Canadá.
Os documentos firmados entre o CELAC e a China também consideram o acesso universal à saúde como um elemento importante dos esforços de cooperação que buscam garantir direitos econômicos, sociais e culturais mais amplos.
Embora a região se beneficie das doações da China, bem como da experiência do país em lidar com o vírus, para a China esta é uma oportunidade de conduzir a narrativa sobre o seu papel na pandemia: da origem à solução.
Maurício Santoro, professor de relações internacionais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, disse que a China agora tem a oportunidade de mostrar a diferença abismal que existe entre ela e as poderosas democracias ocidentais, cujos números de mortos não param de crescer.
“É a confirmação de uma tendência que já é aparente há muitos anos: o declínio da Europa e dos Estados Unidos e a ascensão da Ásia e do Pacífico”, disse ele.
Para Enrique Dussel, coordenador da Rede Acadêmica China-América Latina (RED ALC-China), a China ocupa a “melhor posição” possível para apoiar as necessidades dos países da América Latina “em termos de compartilhar experiências e de oferecer recursos humanos e financeiros”.
Os líderes ocidentais enfrentam um momento de críticas intensas devido aos problemas de governança que levaram os países a não se prepararem para a crise. A União Europeia, por exemplo, enfrentou brigas internas que revelaram profundas rachaduras em seus relacionamentos, que já eram conturbados. Enquanto isso, as autoridades da China evidenciaram o papel de liderança do seu país durante a crise.
“A China vai enfrentar a tempestade ao lado dos povos de outros países, vai fortalecer a cooperação e se esforçar para vencer a luta contra o vírus”, afirmou Luo Zhaohui, vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores da China, durante uma coletiva de imprensa em Pequim na semana passada.
Suprimentos médicos – e ataques políticos aos EUA – na Venezuela
A Venezuela foi um dos primeiros países da América Latina a receber suprimentos médicos da China. Uma remessa com 4015 kits de teste para o coronavírus, além de reagentes químicos, purificadores de ar, máscaras e luvas, chegou no dia 19 de março.
A atitude foi considerada uma ação política, uma vez que ocorreu pouco tempo depois que o Fundo Monetário Internacional (FMI) recusou o pedido feito pelo presidente Nicolás Maduro de um empréstimo de 5 bilhões de dólares para reforçar a capacidade do sistema de saúde venezuelano, o qual se encontra em situação de deterioração.
“Queremos agradecer o presidente Xi Jinping, seu governo e seu povo, do fundo do nosso coração bolivariano”, disse a vice-presidente Delcy Rodríguez, prometendo que haverá um “corredor aéreo de ajuda humanitária” sempre aberto com a China para combater a presente crise sanitária. Ela também divulgou que a equipe de resposta do governo estava fazendo reuniões online sobre o covid-19 com especialistas chineses.
“Isso mostra a solidariedade e a amizade que existe entre os países”, disse Maduro, ecoando a sua vice.
Foi enviada uma segunda remessa de donativos no último fim de semana, com 500 mil kits de teste rápido, 70 mil termômetros infravermelhos e um grupo de especialistas médicos.
O governo chinês fez uma rara pausa na sua abordagem diplomática e pragmática para mostrar que o seu gesto de ajuda ia muito além da esfera humanitária. O embaixador Li Baorong reforçou publicamente o “total apoio [da China] ao governo e ao povo venezuelano em meio a tantos esforços para preservar a saúde e as vidas da população, apesar das sanções severas, desumanas e criminosas que o país enfrenta”.
Li estava muito provavelmente se referindo às sanções dos Estados Unidos, que congelaram todos os ativos do governo da Venezuela e ofereceram uma recompensa de 15 milhões de dólares para quem compartilhasse informações que levassem à prisão de Maduro. Suas declarações vieram em um momento de tensão acentuada entre Pequim e Washington, revelada pelo frequente uso do termo “vírus chinês” por parte de Donald Trump para se referir ao novo coronavírus.
Enquanto Bolsonaro critica a China, os governos buscam a sua ajuda
O presidente Jair Bolsonaro e sua família seguiram na direção oposta. Conforme o covid-19 apertava o cerco no Brasil, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, decidiu culpar a China pela pandemia, ao melhor estilo Donald Trump. No Twitter, Eduardo afirmou que se o governo chinês não tivesse ocultado a doença por tanto tempo, ela não teria se espalhado pelo mundo inteiro.
Depois de uma semana de tensões exacerbadas e das advertências severas do embaixador chinês, que afirmou que o incidente “prejudicaria as relações entre a China e o Brasil”, Bolsonaro finalmente conseguiu falar com o presidente Xi Jinping ao telefone e fazer as pazes — apenas para que seu ministro da Educação repetisse ofensas à China uma semana depois.
Nesse meio tempo, os governadores e alguns prefeitos de diversos estados brasileiros passaram por cima do presidente e enviaram cartas ao governo chinês solicitando a sua ajuda.
“Saliento que seria bem acolhida a prestação de assistência de qualquer natureza”, escreveu o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. “Certo de contar com a habitual presteza de V.Exa., neste momento de grande inquietação mundial”.
Enquanto isso, o Novo Banco de Desenvolvimento, instituição financeira sediada em Pequim e gerida pelos países do Brics, está pronto para conceder um empréstimo de 1 bilhão de dólares para o Brasil para que o país possa melhorar a sua infraestrutura de saúde e social diante da epidemia.
Cone Sul recebe doações
Com mais de 900 casos confirmados do novo coronavírus e ordens de isolamento, a Argentina também recebeu ajuda da China na forma de equipamentos e suprimentos médicos. O país também recebeu orientação técnica dos especialistas de saúde da China por meio de videoconferências.
A administração de Alberto Fernández recebeu da China mais de 50 mil testes para diagnosticar o covid-19, 10 mil vestimentas de proteção descartáveis, 2 mil óculos de proteção, 200 mil máscaras faciais, 20 mil luvas descartáveis, 10 respiradores e 550 termômetros digitais, sendo que mais doações ainda estão a caminho.
Na vizinha Uruguai, a ajuda seguiu uma ordem diferente: primeiro o país doou suprimentos para a China e agora está recebendo doações similares. Em fevereiro, a administração de Lacalle Pou enviou dezenas de caixas de máscaras faciais, luvas e álcool em gel para a China, o principal parceiro comercial do país.
No Equador, as doações de Pequim foram enviadas para o governo nacional e para as prefeituras locais e incluíram máscaras cirúrgicas e de isolamento. Enquanto isso, a China decidiu enviar 1 mil ventiladores para o Chile, uma vez que o país conta com apenas 1,7 mil, um número menor do que o do Brasil, México e Argentina.
O Paraguai, por sua vez, não mantém um relacionamento formal com a China por manter relações diplomáticas com Taiwan. Por este motivo, ele é o único país na região que não recebeu doações. A aliança dos partidos de esquerda do país, conhecida como Frente Guasu, chegou a enviar um projeto de lei para o Congresso pedindo para o país estabelecer relações diplomáticas com a China para receber ajuda. O projeto foi rejeitado.
Nova era de filantropia na América Latina?
Mas não é só o governo chinês que ofereceu auxílio. Jack Ma, um dos cidadãos mais abastados da China e fundador da empresa de varejo online Alibaba, também correu para socorrer a América Latina.
Ma anunciou no Twitter uma doação de suprimentos médicos para 24 países latino-americanos que incluía 2 milhões de máscaras, 400 mil kits de teste e 104 ventiladores, além de cobrir todos os gastos de envio. Na lista de favorecidos estão o México, Argentina, Equador, Brasil e Peru, entre outros.
Em muitos aspectos, a China é realmente um dos únicos países com condições de atender a demanda mundial urgente por equipamentos médicos, uma vez que conseguiu construir um setor industrial forte nas últimas décadas. As nações mais ricas, por outro lado, têm transferido as suas operações industriais para terras chinesas em busca de despesas operacionais mais baixas.
“Esses países estão se dando conta de que ter uma base industrial forte é uma questão de segurança nacional”, disse Santoro, professor de relações internacionais. “Isso não é algo que você pode solucionar da noite para o dia. Mas, nesta crise, é nessa velocidade que precisamos das soluções”.
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