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segunda-feira, 13 de junho de 2016

FREE-RIDERS

“No processo de planejamento urbano deve-se considerar que pedestre vem antes do carro, a calçada antes da rua e o transporte público antes do privado” – (arquiteto Luiz Fernando Janot)

por Associação Nacional de Transportes Públicos
O site da revista Exame traz pesquisa que intenta demonstrar que o carro, apesar de tudo (e de todos) continua sendo a opção mais barata para se locomover em São Paulo quando comparado a seus rivais mais evidentes: táxi, Uber Black, UberX, Uber Pool, Cabify e carro alugado pelo Pegcar.
Tomada apenas pelo ângulo financeiro – o bolso do indivíduo – a pesquisa demonstra que, afora o transporte coletivo, usar seu próprio carro ainda sai mais em conta para o cidadão, independente do tamanho do percurso.
Esse tipo de “economia”, que não leva em conta o efeito danoso causado pelo automóvel nas grandes cidades, ainda faz sucesso entre os defensores do carro, sempre à cata de um argumento que possa racionalmente reforçar sua opção. Como no caso do fumante, que não se rende aos prejuízos largamente demonstrados à sociedade, afora aqueles causados à sua própria saúde, o amante do automóvel ainda raciocina que possui um direito exclusivo de escolha de como se movimentar na cidade, ignorando os danos que tal decisão possa causar direta e indiretamente aos demais.
O jornalista Leão Serva, em sua coluna na Folha de SP, descreve um dos vários danos causados pelo automóvel – o trânsito, a que ele nomina como “a nossa chacina silenciosa de cada dia”. “São 900 mil ocorrências com vítimas por ano“. Leão relata, após comparar nossa situação a de outros países que enfrentaram e venceram esta batalha, que todos obtiveram bons resultados graças a duas ações indissociáveis e complementares: a redução da velocidade dos automóveis e o combate ao consumo de álcool por motoristas (segundo Osias Baptista, fundador da BHTrans).
Um artigo no Valor Econômico agrega mais pimenta a esta triste realidade. Não bastasse o fracasso das ações públicas no combate à chacina do trânsito, fica-se sabendo que estamos há duas décadas atrasados em relação às regras que visam a proteção dos usuários de veículos na Europa. O jornal informa de quem a principal culpa: a pressão das montadoras, que vêm impedindo avanços nesse campo. Alejandro Furas, secretário-geral da organização Latin NCap (que há seis anos testa a segurança dos carros vendidos na América Latina), diz ao Valor que a Anfavea, principal entidade da indústria automobilística, “atua em Brasília para adiar ou flexibilizar de forma desnecessária a implementação de normas, praticando também um lobby que impede a adoção de regulamentos das Nações Unidas que significariam um salto em segurança veicular para o país”.
Como se não bastassem as fraudes em emissões veiculares denunciadas recentemente (escamoteando os graves prejuízos ambientais provocados), nota-se a cada dia a extensão dos prejuízos produzidos pelo universo do automóvel. São danos à sociedade incomparáveis quando relacionados aos pretensos benefícios produzidos ao cidadão que o utiliza.
O usuário intensivo de automóvel no Brasil pode ser classificado como o típico free-rider, expressão utilizada na economia para definir aquele que pega carona no benefício gerado pela oferta de um bem público sem pagar por isso; usufrui de algo financiado pela maioria, justamente os que se espremem em ônibus e vagões de trens e metrô. Os jornais, enquanto isso, assustam-se com os gastos financeiros despendidos em subsídios ao transporte coletivo, enquanto fazem vista grossa aos prejuízos sociais provocados pela cadeia automotiva (sem citar aqui os famigerados e costumeiros benefícios fiscais concedidos ao setor). São números que, se postos numa balança, demonstrariam o tamanho gigantesco da desigualdade de nossa tragédia urbana. Um exemplo de um dos ramos dessa salgada conta está justamente no impacto causado pelo uso intenso do automóvel nas vias no custo final da tarifa do transporte – estudo feito pela ANTP e pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) entre 1997 e 1998, demonstrava que os congestionamentos tinham um impacto de 15,8% nos custos de operação dos ônibus na cidade de São Paulo. Hoje, chega a 25%. Mais carros nas ruas, mais caro o custo do transporte público – um caso típico em que a escolha de alguns penaliza a vida de muitos.
Esta correlação altamente negativa entre os impostos recolhidos e sua redistribuição em bens e serviços à sociedade revela apenas parte desta situação que redunda, entre outras coisas, na chacina do trânsito, esta, como lembra Leão Serva, já devidamente banalizada. Ela redunda também na chacina ambiental – vidas de pessoas e a vida do planeta –, apenas para citar mais um lado importante desse prisma. Na chacina econômica…
Ações públicas analisadas de forma estreita e estanque – como o debate mal posto da redução da velocidade nas vias urbanas somada à ridícula indignação por maiores punições às infrações cometidas por motoristas –, ou pior ainda, analisadas sob o fogo de paixões partidárias, refletem o quão distante estamos de encontrar saídas para nossos dramas urbanos cotidianos.
Os candidatos às próximas eleições municipais têm uma chance histórica: podem dar uma demonstração de maturidade ao promover esse debate com sinceridade e cuidado. Ou podem continuar seguindo pelo caminho da banalização das tragédias cotidianas…
(ANTP/Envolverde)

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