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quarta-feira, 4 de julho de 2012
População, Pegada Ecológica e Biocapacidade: como evitar o colapso? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Os minguados resultados da Rio + 20 e a pouca atuação dos governos nacionais no sentido de interromper a insensatez do atual modelo de produção e consumo apenas confirmam que a humanidade pode estar caminhando para o precipício, pois quase nada tem sido feito para evitar o colapso ambiental. Esta é uma conclusão que se tira dos debates realizados na Cúpula dos Povos e que já havia sido evidenciada pelos dados da Footprint Network e do relatório Planeta Vivo, de 2012, da WWF. A tendência histórica mostra que a pegada ecológica da humanidade, seguindo o ritmo de crescimento da população mundial, ultrapassou a biocapacidade da Terra. E o déficit ambiental tem se ampliado desde os anos de 1970.
Em 1961 havia uma população mundial de 3,09 bilhões de habitantes, que tinha uma pegada ecológica per capita de 2,35 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 3,18 gha. A pegada ecológica total era de 7,26 bilhões de hectares globais para uma biocapacidade de 9,82 bilhões de gha. Isto significa que havia no mundo um superávit de 35% de biocapacidade, ou dito em outros termos: em 1961 a humanidade estava usando apenas 65% da capacidade biológica de regeneração da Terra. Esta situação de superávit continuou ao longo da década e, em 1970, com o crescimento da população e da economia, a humanidade estava utilizando 82% dos recursos naturais renováveis.
O empate entre pegada ecológica e biocapacidade aconteceu em meados da década de 1970 e a partir daí a humanidade começou a usar mais de um Planeta para se sustentar. Em 2008, para uma população de 6,74 bilhões de habitantes, a pegada ecológica total era de 18,19 bilhões de hectares globais (2,7 gha per capita) para uma biocapacidade de 12 bilhões de hectares globais (1,78 gha per capita). Portanto, a humanidade estava utilizando 50% a mais do que o Planeta pode repor em termos renováveis.
Como isto é possível?
A humanidade só pode continuar utilizando mais recursos do que a Terra pode oferecer , em termos renováveis, na medida em que permanece sugando a herança deixada durante milhões de anos no subsolo (combustíveis fósseis) e na medida em que vai explorando a uma taxa não sustentável os recursos existentes dos rios, das florestas, do solo e dos oceanos.
Portanto, a humanidade está se comportanto como o sujeito que ganha R$ 10 mil por mês e gasta R$ 15 mil mensais durante décadas. É possível? Sim, enquanto durar a herança familiar, houver patrimônio ou enquanto os bancos derem crédito para o endividamento (tipo cheque especial). Mas algum dia a herança, o patrimônio e o crédito vão acabar. Quando os recursos advindos do passado acabarem, aí surgirá o colapso total ou parcial.
Mas não poderia ser uma profecia escatológica ou uma interpretação incorreta da realidade?
Bem, ninguém pode prever o futuro. Além disto, há sempre um risco ao extrapolar tendências passadas utilizando informações incompletas. Ninguém pode ter certeza absoluta. Desta forma, tomara que os dados estejam errados e que a metodologia da Pegada Ecológica contenha equívocos intrínsecos que inviabilizem o seu uso. Tomara que as previsões pessistas sejam apenas pesadelos apocalípticos – de uma noite mal dormida – que vão desaparecer quando o despertador tocar. Tomara que as tecnologias e a inventividade humana consiga descobrir formas de extrair recursos naturais de fontes cornucopianas. Tomara que Cassandra esteja errada, que Polyanna esteja certa e que todo mundo possa seguir seu caminho sob o sol, contente e feliz.
Mas, infelizmente, os sinais de um possível colapso ambiental são cada vez mais evidentes. Só a cegueira ideológica e o egoísmo antropocêntrico não veem.
Levantamento da FAO mostra que 200 quilômetros quadrados de florestas foram dizimadas por dia no mundo, entre 2000 e 2005, com perda de 7,3 milhões de hectares. Somente o Brasil destruiu 3,1 milhões de hectares de florestas neste período de 5 anos. Entre 2000 e 2010 aproximadamente 13 milhões de hectares de florestas foram convertidos para outros usos ou perdidos. Aliás, o Brasil já destruiu 93% da Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado e a Amazônia está sendo saqueada de suas madeiras de lei e invadida pela pecuária e as plantações de soja.
Segundo o relatório Povos resilientes, Planeta resiliente: “a sobrepesca fez com que 85% de todos os estoques de peixes fossem atualmente classificados como sobre-explorados, esgotados, em recuperação ou totalmente explorados, uma situação substancialmente pior do que há duas décadas. Enquanto isto, os escoamentos agrícolas significam que os níveis de nitrogênio e fósforo nos oceanos triplicaram desde a época pré-industrial, levando a aumentos maciços das zonas mortas costeiras. Os oceanos do mundo também estão se tornando mais ácidos em consequência da absorção de 26% do dióxido de carbono emitido na atmosfera, afetando tanto as cadeias alimentares marinhas quanto a resiliência dos recifes de corais. Se a acidificação dos oceanos continuar, é provável que haja alterações nas cadeias alimentares bem como impactos diretos e indiretos sobre diversas espécies, com consequente risco para a segurança alimentar, afetando as dietas baseadas em alimentos marinhos de bilhões de pessoas em todo o mundo” (p. 30).
Diversos rios e lagos do globo estão sendo destruídos, contaminados ou desviados para diversos usos. O rio Colorado nos Estados Unidos não chega mais ao mar. Os rios da China estão sendo represados e poluídos, gerando um conflito hidropolítico com a Índia, Paquistão, Bangladesh e Vietnã. Nas grandes cidades brasileiras a transformação de rios em canais de esgoto segue a ritmo acelerado, como nos casos do rio Arrubas em Belo Horizonte, do rio Carioca no Rio de Janeiro e do rio Tietê em São Paulo.
A dependência do petróleo, de produtos químicos e o uso de métodos não-orgânicos na agricultura tem gerado agressões ao meio ambiente, provando erosão, infertilidade, desertificação, contaminação dos solos, das águas, dos animais e dos seres humanos. A pecuária não tem causado menos danos, além de acelerar o desmatamento e acelerar a emissão de gás metano.
O apetite humano tem provocado o sofrimento e o desaparecimento de outras espécies de seres vivos e animais sencientes. Segundo a FAO, cerca de 60 bilhões de animais são mortos todos os anos para enriquecer a dieta dos 7,1 bilhões de habitantes do mundo. Cerca de 30 mil espécies são extintas a cada ano. A perda de biodiversidade prossegue de maneira assustadora, mostrando a gravidade dos problemas ambientais. Nem é bom falar de aquecimento global para não provocar a ira dos fundamentalistas de mercado e dos céticos do clima.
Mesmo assim, para quem não acredita que a situação é grave, as projeções indicam que a população humana vai chegar a pelo menos a 8 bilhões de habitantes até 2030, o número de consumidores da classe média deve aumentar em 3 bilhões e o mundo precisará de no mínimo 50% mais alimentos, 45% mais energia e 30% mais água até 2030 – tudo isto enquanto a biocapacidade do Planeta está diminuindo.
O colapso ambiental pode ser evitado? Provavelmente sim. Mas não vai ser fácil mudar o rumo do Titanic humano. Não há soluções simples e o prazo para redirecionar o modelo de produção e consumo está se encurtando. A Rio + 20 não foi um passo atrás, mas também não agendou adequadamente a solução dos principais problemas do mundo. Há muito a ser feito.
De maneira sintética, pode-se dizer que é preciso reduzir a pegada ecológica por meio das seguintes ações: erradicar a pobreza e as desigualdades, diminuindo as taxas de fecundidade do mundo para níveis abaixo da reposição (o Brasil já fez sua parte); reduzir o consumo conspícuo em todas as suas facetas, reciclando e reaproveitando o lixo e os resíduos sólidos; promover uma mudança da matriz energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis (eólica, solar, geotermica, das ondas, do hidrogênio, etc.); criar uma agricultura agroecológica, facilitando uma revolução azul na aquacultura; incentivar a dieta vegetariana; construir cidades sustentáveis, com transporte coletivo e eficiência energética,; promover a sociedade da informação e do conhecimento, trocando o uso indiscriminado de materiais pelo uso de bens imateriais e intangíveis e substituir as concepções egocêntricas em favor de uma perspectiva ecocêntrica, com mais restauração ambiental, menos destruição e com o devido respeito ao Planeta e a todos os seres vivos da Terra.
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FONTE : José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 04/07/2012
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