Conferências internacionais são convocadas quando se torna evidente que cada país, isoladamente, não consegue resolver um determinado problema. A vantagem de ações multilaterais, em que as nações atuam em conjunto, é que os países que relutam em cumprir os seus compromissos são coagidos a fazê-lo. Delas, em geral, resulta um tratado, uma convenção ou um protocolo que, uma vez ratificado pelo Parlamento dos países participantes, se torna lei nacional. Há muitos exemplos de conferências em que isso ocorreu, como, por exemplo, a Convenção do Clima, adotada no Rio de Janeiro em 1992, durante a Rio-92.
O problema, nesse caso, são as emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento da Terra, que nenhum país pode resolver sozinho. É preciso que todos – ou a maioria deles – cooperem para reduzir essas emissões. O Protocolo de Kyoto, em 1997, reforçou a Convenção do Clima e teve sucesso relativo em reduzir as emissões globais. Ainda assim, ela é considerada uma convenção “leve”, porque não existem nela sanções para os que não cumprem suas determinações.
Algumas vezes os tratados ou as convenções contêm sanções para os países que não cumpram o que consta deles, como, por exemplo, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Países que violam ou são suspeitos de violar os seus dispositivos são objeto de sanções internacionais, como está ocorrendo no momento com o Irã. Esses são os tratados considerados “duros”.
A convocação da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio+20, foi decidida pela Assembleia Geral da ONU e não deveria ter apenas caráter celebratório de aniversário (dos 20 anos da Rio-92), e sim o de avaliar o que aconteceu nas últimas décadas e eventualmente tomar medidas adicionais às adotadas em 1992. Não foi planejada como uma conferência para discutir somente mudanças climáticas, mas também desenvolvimento sustentável em geral, englobando dimensões sociais, econômicas e ambientais, apesar de ser evidente que uma deterioração séria das condições ambientais comprometeria irremediavelmente as demais dimensões.
Sucede que foi demonstrado claramente, por grande número de relatórios científicos preparados nos últimos anos, que se está verificando um agravamento da situação ambiental, em particular no que se refere ao aquecimento global e às mudanças do clima dele decorrentes. Isso ficou também claro no discurso de Maurice Strong, o carismático secretário-geral da Conferência do Rio em 1992, numa reunião realizada no plenário da Rio+20, na presença do ministro das Relações Exteriores, do senador Fernando Collor de Mello – que era o presidente da República em 92 – e dos ministros e embaixadores que prepararam a conferência e a tornaram um grande sucesso.
Maurice Strong transmitiu a visão dos cientistas a respeito da degradação do meio ambiente e a urgência em enfrentar os problemas atuais. Aplaudido de pé pelos delegados, expressou o seu ponto de vista de que essa urgência não estava refletida na agenda nem no comunicado final da conferência. Os próprios diálogos intergovernamentais organizados pelo Itamaraty na Rio+20 vão na mesma direção.
O senador Fernando Collor não deixou de destacar a importância da presença dos chefes de Estado dos grandes países em 1992 – e o esforço que foi feito para que isso se concretizasse -, contrastando com a incapacidade da Rio+20 de definir até os objetivos do desenvolvimento sustentável.
A Rio+20 poderia ter dado um novo impulso às negociações sobre o tema do desenvolvimento sustentável, mas não foi o que aconteceu. Seus resultados desapontaram a todos, tornando até ridícula a atitude de alguns diplomatas brasileiros de apresentá-la como um “sucesso estupendo”.
O comunicado final da conferência não foi mais do que um conjunto de exortações e de reiteração de generalidades que já haviam sido acordadas previamente, em outros tratados ou convenções. Nenhuma decisão substantiva consta dos 289 parágrafos (!) do comunicado final, tendo sido dele removidos todos os que faziam recomendações concretas sobre a erradicação da pobreza ou a redução do uso de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) e o aumento do uso de fontes renováveis de energia.
O único resultado palpável da Rio+20 foi a mobilização da sociedade civil, o que, lamentavelmente, somente ocorreu no Brasil. Na cidade do Rio de Janeiro foram realizadas centenas de eventos paralelos à conferência dos delegados governamentais, envolvendo prefeitos das 40 maiores cidades do mundo, governos de Estados de vários países – como Quebec, do Canadá, e São Paulo, do Brasil -, grandes empresas multinacionais, cientistas, federações de indústrias e inúmeras organizações não governamentais (ONGs). E muitos desses eventos acabaram resultando em resoluções concretas.
Por exemplo, o setor privado demonstrou ter ideias claras de onde investir. Dos cerca de US$ 500 bilhões comprometidos voluntariamente para ações na área do desenvolvimento sustentável, a grande maioria destina-se a investimentos em energias renováveis.
Parece claro, portanto, que o fracasso da Rio+20 como reunião de cúpula de governos foi substituído pelo sucesso de ações descentralizadas, de “baixo para cima”, e não de um acordo multilateral de países.
A mudança do eixo é um indício do cansaço de esperar soluções e propostas de nações que liderem o processo – entre as quais, o Brasil -, como ocorreu em 1992. É isso o que indica a ausência dos presidentes ou chefes de Estado dos principais países do mundo, como Estados Unidos, China, Inglaterra, Alemanha e outros. Só o futuro dirá se esse caminho nos levará ao “futuro que queremos”.
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FONTE ; José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo e ex-ministro do Meio Ambiente na Rio-92.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 18/07/2012
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