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quarta-feira, 4 de julho de 2012

Capital Natural: Como recolocar o País nos trilhos? artigo de Washington Novaes


Mata Atlântica, em São Paulo. Foto de arquivo
Mata Atlântica, em São Paulo. Foto de arquivo
[O Estado de S.Paulo] Diante da afirmação do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon – confirmada em alto e bom som na Rio+20 por vários chefes de Estado e de governo -, de que “o atual sistema econômico no mundo está falido”, que se pretende fazer? E com que acordos, já que as transformações terão ou teriam de ser planetárias e na conferência nem se conseguiu chegar a acordos setoriais sobre águas oceânicas, biodiversidade, metas de desenvolvimento sustentável e combate à pobreza?
Melhor, então, ficar com a nossa própria casa e ver por onde seria possível avançar. Embora, no momento em que se apregoa que o País já tem um modelo de desenvolvimento sustentável, se continuem praticando políticas que incentivam o consumo, até com isenções de impostos em áreas problemáticas, e apesar de o próprio representante do Instituto Ethos ter mencionado essa insustentabilidade, na conferência do Rio de Janeiro (Valor, 15/6).
Pode-se começar pela questão do consumo. Anteontem, este jornal divulgou a estimativa do WWF segundo a qual, se todas as pessoas no mundo tivessem o mesmo padrão de consumo dos paulistanos, seriam necessários 2,5 planetas como a Terra para provê-lo. Se o padrão fosse o da média dos paulistas, menor, ainda assim seriam necessários 2 planetas. A chamada “pegada ecológica” dos paulistanos (hectares necessários para atender ao consumo de uma pessoa) seria de 4,38 hectares e a dos paulistas, de 3,52 hectares – quando a média disponível no mundo é de 1,8 hectare por pessoa. Mas a pegada, aqui, varia por extrato social: 1,8 hectare para quem recebe até dois salários mínimos; e 11,5 hectares, para acima de 25 salários mínimos.
Quando se vai para o Semiárido brasileiro, vê-se que nada menos do que 12 milhões de pessoas (60% do total) afetadas pela seca passam por fortes dificuldades. Não são diferentes de 2,1 bilhões de pessoas que já vivem em terras áridas no mundo – com a agravante de que a desertificação avança 12 milhões de hectares (120 mil quilômetros quadrados) a cada ano no planeta. Já se decidiu que 40% de R$ 1,2 bilhão destinado ao plano estratégico de combate à desertificação que o País começa a construir irá para o Semiárido. Mas será suficiente, se os últimos diagnósticos do clima no País dizem que a região poderá perder, em poucas décadas, pelo menos 20% das chuvas já escassas?
Mostrou-se, no Rio de Janeiro, que 85% dos estoques pesqueiros nos oceanos estão esgotados ou diminuindo rapidamente. Por isso seria necessário pôr fim aos subsídios ao setor pesqueiro, cerca de US$ 50 bilhões por ano, mas os países donos das maiores frotas (Japão, Noruega, Estados Unidos, entre outros) se opõem com vigor. E menos de 1% das águas oceânicas está protegido. Também aqui, no Brasil, há subsídios e o respectivo ministério fala em multiplicar por dez as capturas, ainda que os estudos científicos mostrem toda a costa nacional, da Bahia ao Sul, com as principais espécies capturadas já a caminho da extinção.
Na área da biodiversidade o panorama também é melancólico. No mundo, as perdas ficam entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões por ano, como disse no Rio o secretário da Convenção de Biodiversidade, Bráulio Dias. E há quase 20 mil espécies com risco de extinção, segundo estudo da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. Seriam necessários US$ 18,8 bilhões anuais para enfrentar o problema, criar áreas de conservação. Mas só 5 dos 92 países que assinaram o respectivo protocolo em Nagoya (2010) o ratificaram.
No Brasil, de acordo com o IBGE (Estado, 19/6), 38% da vegetação nativa já desapareceu – 14% na Amazônia; 49,1% no Cerrado; quase 90% na Mata Atlântica; 46% na Caatinga; 64% nos Pampas; e 15% no Pantanal. Na Amazônia, apesar de ter havido redução, ainda perdemos mais 6,4 mil quilômetros quadrados no último levantamento.
Apesar disso tudo, em matéria de “capital natural” o Brasil ainda se situa em 5.º lugar entre os países estudados pela Universidade da ONU e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Mas essa não é a nossa prioridade, quando ainda parecemos imersos numa mistura de desenvolvimento econômico a qualquer custo e política externa independente, como se estivéssemos no fim do governo Kubitschek e início do governo Jânio Quadros. O IBGE assegura que já estuda a implantação da contabilidade ambiental nas contas nacionais, considerando os recursos hídricos, florestais e energéticos – tal como fazem países como a Costa Rica, a Colômbia, Filipinas, Botswana e Madagascar. Seria o discutido Produto Interno Bruto (PIB) Verde, caminho pelo qual a Costa Rica, por exemplo, teria triplicado o seu PIB.
Mas é um caminho difícil, já que seria necessário calcular também as perdas de capital. E já se mencionou aqui o levantamento da Universidade da ONU, que, ao estudar o período 1990-2008, viu o aumento do PIB chinês (422% no período) cair para apenas 37%. O próprio PIB brasileiro caiu para pouco mais de um terço do registrado no período, pelo mesmo critério.
Há um impasse no mundo, diante do diagnóstico de que o consumo global está 50% acima da disponibilidade e de que se configura uma crise de finitude de recursos naturais. Sem caminhos planetários aceitos por todos os países para enfrentá-la.
Mas isso não quer dizer que estejamos condenados à inação. Ao contrário, países com capital natural abundante em tantas áreas, como o Brasil, certamente têm uma vantagem comparativa que será extraordinária nos tempos que se avizinham. Mas ela terá de ser acompanhada por estratégias de produção e consumo compatíveis. Será essa a marca de uma política que se pretenda sustentável no tempo e no espaço.
Que se fará, entretanto, nesta quadra de tantas mesquinharias políticas, que ignora todas as grandes questões no mundo e no País? É este o desafio para a sociedade: definir quem vai representá-la para colocar o País nos trilhos adequados.

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FONTE : Washington Novaes é jornalista
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 04/07/2012

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