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sábado, 1 de outubro de 2022
O papel da piscicultura na agricultura familiar
Por Luís Antonio Kioshi Aoki Inoue, Tarcila Souza de Castro Silva e Laurindo André Rodrigues* –
A piscicultura é uma atividade agropecuária milenar que fornece alimento protéico de alta qualidade para diversas populações no mundo inteiro. Existem muitos modos de produção de peixes, desenvolvidos ou adaptados às diversas condições locais. Um dos objetivos principais de todos os sistemas aquícolas, além da própria produção de alimento, é fazer o uso mais eficiente possível da água e do espaço disponível. Os exemplos mais antigos da piscicultura na Agricultura Familiar são relatados na China, onde, após a Revolução Cultural (1966-1976), as famílias tinham de tirar todo o seu sustento em módulos rurais reduzidos. Muitas famílias tinham de sobreviver em lotes menores que 1000 m2. Dessa forma, todas as atividades dentro da propriedade tinham de ser otimizadas e integradas, de modo que a produção de alimentos fosse manejada como um todo. Ou seja, um verdadeiro sistema de produção de alimentos, onde cada parte da propriedade rural tinha sua função vital, integradas umas às outras, de forma que os resíduos de uma atividade eram insumos para a outra.
Neste contexto, a piscicultura é a atividade integradora da Agricultura Familiar. Ou seja, sem ela, o sistema familiar de produção de alimentos tem apenas várias pequenas atividades isoladas umas das outras. Diversos autores denominam a piscicultura nesses casos como o “motor” ou o “coração” do sistema ou a “corrente da bicicleta”. Atualmente, no Brasil, destaca-se o trabalho batizado de “Sisteminha Embrapa” pelos primeiros usuários na região nordeste, no qual, em resumo: Uma pequena unidade de produção de peixes (tanque) é instalada no terreno. Geralmente são utilizados fundamentos e adaptações da produção intensiva de peixes em sistemas fechados em recirculação (RAS – recirculating aquaculture systems), como decantadores e filtros. Esses elementos são desenvolvidos e montados no próprio local, de acordo com os materiais disponíveis como papelão, madeira, ferro, plástico, cimento, britas, tambores, argila expandida, bolinhas de gude, mantas de lã de vidro, entre outros. Os únicos materiais específicos seriam as bombas submersas e mídias de filtração biológica, que, no entanto, podem ser adquiridos em sites de compra livre na internet a preços e segurança cibernética razoáveis.
O manejo dos sistemas integrados é bastante simples. O tanque é povoado com alevinos e alimentados com ração comercial ou caseira, dependendo das condições locais. Parte da água do tanque é então utilizada periodicamente para a fertirrigação, por bombas e tubulações auxiliares ou até mesmo manualmente em baldes e regadores, de culturas agrícolas que são utilizadas na alimentação humana ou animal. A quantidade de água retirada do tanque neste processo é reposta por água limpa, retirada de nascente, lago, poço, ou cisterna, aliviando a degradação da qualidade da água do tanque para os peixes.
Diversas culturas agrícolas podem ser anexadas às cercanias dos tanques de piscicultura, para otimizar o uso dos recursos locais disponíveis, terra, água e nutrientes com fins de produção dos próprios alimentos. Culturas hortícolas como alface e outras plantas folhosas são as mais comuns, conjuntamente com frutos como tomates (longa vida e cereja), quiabo, maxixes, pimentas, abóboras, mamão e bananas. Culturas agrícolas tradicionais como mandioca, batata-doce, milho, amendoim e feijões também estão presentes, porém geralmente em escalas menores do que as comumente encontradas nos sistemas agrícolas tradicionais. Resíduos das culturas vegetais como restos de folhas, raízes, frutos e até inflorescências podem ser direcionadas para a suplementação alimentar de animais como aves e suínos em escala doméstica para o consumo próprio.
Até mesmo um aquário em uma residência tem o papel da piscicultura de integração de atividades de Agricultura Familiar, entretanto, em escala muito menor. De toda forma, a água do aquário deve ser trocada periodicamente total ou parcialmente com fins de limpeza de rotina. Essa água é rica em nutrientes. Esse efluente pode ser utilizado para fertilizar ou irrigar plantas em vasos e jardins.
Uma outra integração da aquicultura à produção vegetal que vem chamando a atenção especialmente de famílias urbanas é a aquaponia. Esse sistema de produção integrada de peixes e vegetais é possível graças ao trabalho das bactérias do ciclo do nitrogênio que transformam a amônia excretada pelos peixes em nitrito e nitrato, sendo esse segundo suficiente para o crescimento de vegetais como alface, manjericão basílico, agrião etc. A estocagem dos peixes é feita em sistema de recirculação com aeração constante e alimentação artificial e completa. A água que sai do tanque dos peixes passa por sistema de filtragem biológica com mídias específicas ou superfícies de bolas de gude ou argila expandida que servem de substrato às bactérias. Daí a água vai para os compartimentos de plantas e retorna para o tanque dos peixes. O constante reuso de água na aquaponia é o fator que mais chama a atenção na economia de água na produção de alimentos de forma sustentável.
A qualidade da água nas unidades de produção, mesmo familiar, deve ser mantida por meio do melhor manejo possível da piscicultura como densidades de peixes, arraçoamento em quantidade e qualidade adequadas. O reuso da água sempre que possível deve ser feito, além dos cuidados com as vegetações nos entornos dos viveiros de peixes e as fontes de abastecimentos. Ainda, as conduções das outras atividades agropecuárias nas propriedades também devem ser feitas adequadamente, para evitar o carreamento de efluentes e poluentes para as fontes de água. As áreas de plantio devem ter os serviços de conservação do solo e coberturas vegetais impecáveis, pelo mesmo motivo.
Os sistemas Aquícolas Integrados contribuem não somente para a segurança alimentar de comunidades brasileiras, mas também para a soberania alimentar. Têm servido como inovação e tecnologia social para a segurança alimentar de comunidades vulneráveis à fome. E também para a soberania alimentar com a produção de alimentos saudáveis de Famílias Urbanas, que têm migrado das cidades para o campo, ainda que parcialmente, em busca de novos ares e atividades que propiciam qualidade de vida, longe de problemas urbanos como violência, estresse, poluição e situações de trânsito intenso. Essas pessoas buscam a satisfação na produção do próprio alimento, que advém de vários fatores, dentre eles o sentimento de gratidão com a “Mãe Terra”. E também de certa maneira, retomada de contato mais constante com a Natureza. A satisfação pessoal é experimentada em cada produto colhido.
A piscicultura, se bem manejada e integrada na Agricultura Familiar, tem chances de promover ainda mais o desenvolvimento sustentável no Brasil, pois naturalmente para a sua existência ao longo dos anos deve-se fazer o uso racional dos recursos naturais disponíveis, especialmente a água. A piscicultura integrada promove então sinergia entre elementos essenciais da propriedade rural, que resultam em maior eficiência da utilização dos recursos nas diversas atividades agrícolas envolvidas. E ainda proporcionam a diversificação da produção de alimentos, o que é fundamental para a boa nutrição humana e qualidade de vida em diversas regiões do país.
* Pesquisadores da Embrapa Agropecuária Oeste
#Envolverde
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