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terça-feira, 18 de outubro de 2022
Desmatamento se combate com política pública, artigo de Clarissa Gandour
Em um contexto de desmonte do arcabouço de política pública de conservação, há diversas iniciativas que precisam ser recuperadas e fortalecidas
Em recente carta pública, doze ex-Ministros da Fazenda e ex-Presidentes do Banco Central classificaram a sustentabilidade ambiental como sendo vital para o desenvolvimento socioeconômico do país. Dentre as quatro condições elencadas pelos signatários como sendo fundamentais para alcançar esse desenvolvimento consta “zerar o desmatamento na Amazônia”.
São doze nomes de peso para fazer coro com o que já trouxe em colunas anteriores — o desmatamento é um empecilho para o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia e um fator de atraso e desprestígio para o país.
A boa notícia é que o Brasil sabe como combater o desmatamento. Entre 2004 e 2012, a taxa de desmatamento na Amazônia caiu 84%, em grande parte devido a esforços de política pública adotados no âmbito de um plano de ação federal. O país aprendeu muito com os sucessos e as limitações desse plano.
Aprendeu que inovação de política pública importa. O plano inaugurou uma nova estrutura de governança, tratando o combate ao desmatamento na Amazônia não como uma atribuição exclusiva do Ministério do Meio Ambiente, mas uma responsabilidade compartilhada entre treze ministérios sob coordenação da Casa Civil. Se o tema interessa a todos, convém que todos se mobilizem e se responsabilizem.
No entanto, as inovações do plano de ação não se restringiram apenas à forma, contemplando também o conteúdo da política pública.
Ao longo da primeira década do plano de ação, o Brasil explorou diversas novas frentes de atuação para controle do desmatamento. Fez uso estratégico de tecnologia para potencializar o controle ambiental, desenvolvendo um pioneiro sistema de monitoramento florestal por satélite para orientar e focalizar ações de fiscalização. Aliado a mudanças institucionais que fortaleceram o arcabouço de comando e controle, esse sistema foi essencial para avançar no combate à impunidade ambiental na Amazônia.
Além disso, o país inaugurou o uso de instrumentos financeiros para incentivar a conformidade ambiental. Com o condicionamento do acesso ao crédito rural dentro do bioma Amazônia ao cumprimento de requisitos ambientais e de titulação de terras, reduziu-se a destinação de um recurso público altamente subsidiado àqueles que descumpriam a lei.
O Brasil modernizou, ainda, políticas já consolidadas. A expansão de territórios protegidos, até então tipicamente definidos a partir de critérios ecológicos e culturais, passou a considerar o risco de desmatamento como critério também relevante. Com isso, esses territórios passaram a servir como um escudo para a destruição da floresta em zonas críticas.
O que se mostrou efetivo no passado para combater o desmatamento pode ajudar a proteger a Amazônia agora. Em um contexto de desmonte do arcabouço de política pública de conservação, há diversas iniciativas que precisam ser recuperadas e fortalecidas, a começar pela retomada da capacidade de resposta por parte do controle ambiental. O ordenamento territorial é uma prioridade, principalmente no que diz respeito à destinação de terras públicas não designadas e ao combate à grilagem.
No entanto, para conter a recente escalada do desmatamento, precisamos novamente de políticas públicas inovadoras e ousadas. Afinal, a Amazônia mudou desde que o plano de ação foi instituído. Hoje, há novos desafios críticos, como a explosão da violência e a capilarização do crime organizado na região, além de novo conhecimento, como a crescente conscientização da necessidade de enfrentar a degradação florestal na região.
O compromisso com uma agenda de política pública ambiental moderna, estratégica e efetiva é absolutamente fundamental para assegurar a proteção da Amazônia e zerar o desmatamento. Ainda que não seja uma condição suficiente para o desenvolvimento socioeconômico sustentável, esse compromisso é uma condição necessária para tal. Dele dependem tanto a Amazônia quanto o Brasil.
*Clarissa Gandour é doutora em Economia pela PUC-Rio, atua como Coordenadora de Avaliação de Políticas Públicas de Conservação no Climate Policy Initiative / PUC-Rio.
Artigo enviado pela autora e publicado originalmente no site do Convergência Pelo Brasil
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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