Powered By Blogger

terça-feira, 17 de abril de 2018

Expansão de cana-de-açúcar para a Amazônia colocará em xeque os serviços ambientais da floresta

Expansão de cana-de-açúcar para a Amazônia colocará em xeque os serviços ambientais da floresta. Entrevista especial com Lucas Ferrante

IHU
Apesar de a legislação proibir o cultivo de cana-de-açúcar na Floresta Amazônica desde 2009 por causa do impacto ambiental que esse tipo de cultura gera na biodiversidade, um projeto de lei recentemente discutido no Senado Federal propõe que esse plantio seja retomado em áreas degradadas. Entretanto, de acordo com o biólogo Lucas Ferrante, que já realizou estudos para verificar a influência do cultivo de cana-de-açúcar sobre florestas adjacentes, “esse é um dos cultivos mais nocivos” para a floresta. “Grandes plantações desse cultivo na Amazônia podem causar um dano muito grande à estrutura da floresta adjacente e também à biodiversidade, representando uma perda de patrimônio genético para o Brasil. Além disso, existem outros problemas envolvidos, porque a degradação da floresta, por si só, faz com que percamos diversos serviços ecossistêmicos dos quais somos altamente dependentes, como, por exemplo, a regulação do clima. Se houver plantação de cana-de-açúcar na floresta, poderemos colocar em xeque até o próprio cultivo agrícola da região”, adverte.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-LineFerrante também informa que nem mesmo a indústria da cana-de-açúcar está apoiando o projeto de lei. “Essa questão é repudiada pela própria indústria de cana-de-açúcar e de álcool. Para aumentar a demanda de biocombustíveis não é interessante a implementação desse cultivo na Amazônia, o que demonstra, mais uma vez, que esse cultivo não é economicamente viável”. E reitera: “Se o próprio setor de biocombustíveis não apoia essa proposta, como pode-se dizer que ela vai gerar renda e será viável para a região? O próprio setor já se manifestou, duas vezes inclusive, contrário ao plantio de cana-de-açúcar na Amazônia”.
Lucas Ferrante | Foto: Xapuri
Lucas Ferrante é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas – Unifal e mestre em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa. Atualmente é doutorando em Ecologia também no Inpa. É pesquisador associado ao Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica – Cenbam, ao Programa de Pesquisa em Biodiversidade – PPBio, e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Serviços Ambientais da Amazônia – INCT-Servamb.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Em que consiste o projeto de lei que propõe o plantio de cana-de-açúcar na Amazônia, pautado recentemente no Senado?
Lucas Ferrante — Esse projeto de lei tenta promover a abertura da Amazônia e do Pantanal para o plantio de cana-de-açúcar. Desde 2009 existe um veto de plantações de cana-de-açúcar nessas áreas devido ao potencial impacto que esse cultivo teria na biodiversidade e nas comunidades locais. O projeto de lei propõe que esse plantio deveria ser implementado em áreas alteradas. Primeiramente, levantamos a questão sobre o que são áreas alteradas, já que essas podem ser de muitos modos. Além disso, sabemos que a introdução do plantio de cana-de-açúcar causa um dano ambiental que vai além da área de plantio.
Na ecologia há um efeito conhecido como Efeito de Borda, o qual é causado por um cultivo agrícola para além da área plantada sobre áreas de floresta. Liderei alguns estudos para verificar a influência do cultivo de cana-de-açúcar sobre florestas adjacentes e verifiquei que esse é um dos cultivos mais nocivos. Portanto, grandes plantações desse cultivo na Amazônia podem causar um enorme dano à estrutura da floresta adjacente e também à biodiversidade, representando uma perda de patrimônio genético para o Brasil. Além disso, existem outros problemas envolvidos, porque a degradação da floresta, por si só, faz com que percamos diversos serviços ecossistêmicos dos quais somos altamente dependentes, como, por exemplo, a regulação do clima. Se houver plantação de cana-de-açúcar na floresta, poderemos colocar em xeque até o próprio cultivo agrícola da região.
Também existem outras questões, porque na Amazônia ocorrem os fenômenos de migração de cultura que geram desmatamento — podemos observar isso com a soja. Quem vive de pecuária ou outros cultivos vai acabar vendendo suas terras para os plantadores de cana-de-açúcar, que vão usar esse dinheiro para comprar terras mais baratas, gerando desmatamento. Logo, a implementação do cultivo de cana-de-açúcar também tende a estimular o desmatamento na Amazônia. Assim, uma série de problemas sociais serão gerados, principalmente conflitos de terra, além da degradação ambiental. Ademais, podemos esperar que o desenvolvimento econômico da região seja pequeno ou nenhum, porque o cultivo de cana-de-açúcar é basicamente mecanizado e isso gera pouquíssimos empregos.
IHU On-Line — Como esse projeto de lei está sendo discutido no Senado?
Lucas Ferrante — O debate político praticamente não existe. Os senadores têm diferentes pontos de vista: alguns entendem que esse cultivo realmente é nocivo para a Amazônia e para a América Latina como um todo. O que vemos é que essa é uma questão que a bancada ruralista tem defendido. O fato é que esse tipo de plantio não irá gerar desenvolvimento para a região, talvez gere riqueza, mas ela será muito concentrada. Portanto, não vemos o plantio de cana-de-açúcar como uma fonte de desenvolvimento para a região, como vem sendo alegado por diversos senadores da bancada ruralista. Alguns senadores são contra essa iniciativa e se mobilizaram em oposição a esse projeto, inclusive foi por essa razão que não houve quórum em algumas votações e a votação não ocorreu em definitivo. Essa questão ainda está sendo debatida, por isso é importante divulgarmos o conhecimento científico que temos, justamente para pautar a decisão.
IHU On-Line — Entre os argumentos que justificam a plantação de cana-de-açúcar na Amazônia, destaca-se a necessidade de aumentar a demanda por biocombustíveis. Como você vê esse tipo de justificativa?
Lucas Ferrante — Essa questão é uma falácia que a bancada ruralista tem defendido. Em primeiro lugar, essa questão é repudiada pela própria indústria de cana-de-açúcar e de álcool. Para aumentar a demanda de biocombustíveis não é interessante a implementação desse cultivo na Amazônia, o que demonstra, mais uma vez, que esse cultivo não é economicamente viável.
Se o próprio setor de biocombustíveis não apoia essa proposta, como pode-se dizer que ela vai gerar renda e será viável para a região? O próprio setor já se manifestou, duas vezes inclusive, contrário ao plantio de cana-de-açúcar na Amazônia.
IHU On-Line — Já houve plantio de cana-de-açúcar na Amazônia antes da legislação proibitiva de 2009?
Lucas Ferrante — Sim, já houve alguns plantios que, inclusive, se mantêm. Próximo a Balbina tem uma plantação de cana-de-açúcar que é da Coca-Cola. Ou seja, os cultivos que foram implementados antes de 2009 permaneceram, e simplesmente houve a proibição para novos cultivos. Também existem áreas no Acre que têm pequenas plantações.
É importante frisar que pequenas plantações de fundo de quintal acabam ocorrendo, porque o que a lei proíbe é a plantação em larga escala, o que é altamente nocivo para a biodiversidade e para a floresta adjacente, pois tende a contribuir para a modificação da floresta, além de estimular o desmatamento para outras áreas e causar diversos conflitos socioeconômicos. Inclusive, a própria sociedade da indústria de cana-de-açúcar, que assinou alguns acordos de clima e de floresta, se manifestou completamente contrária à implementação desse cultivo.
Brasil já tem a maior área de plantio de cana-de-açúcar do mundo e é o maior exportador de biocombustível à base de cana-de-açúcar. Portanto, não tem por que aumentar mais o mercado nesse quesito; não existe uma demanda real de aumento desse mercado. Talvez o que precisamos fazer é investir em biotecnologia, para que as áreas que já têm esse cultivo se tornem mais produtivas de uma maneira que não danifique o solo e que não prejudique a safra futuramente.
Expandir isso para a Amazônia seria um erro fatal, porque poderia colapsar a própria produção de cana-de-açúcar do país, uma vez que existem estados, como os do SulSudeste e Centro-Oeste, que são os maiores produtores desse cultivo no Brasil. Além disso, sabemos que grandes modificações na Amazônia poderiam colapsar essas plantações e também outros cultivos do Sul e Sudeste. Então, Sul e Sudeste do Brasil e países como a Argentina são extremamente dependentes do vapor de água exportado pela Amazônia. Garantir a conservação da Amazônia e desse serviço ecossistêmico é primordial para a própria agricultura do Brasil. É uma contradição quando vemos ruralistas do Sul do país defendendo que o cultivo de cana-de-açúcar na Amazôniavai gerar riqueza para o Brasil. Isso é um tiro no pé, pois estarão prejudicando os cultivos dentro do seu próprio estado. Por isso essa proposta não é vantajosa nem para a Amazônia, nem para os
Lavoura do Projeto PROCANA (Foto: Instituto Agronômico de Campinas – IAC)
IHU On-Line — Quais são as implicações ambientais do plantio de cana-de-açúcar para a Amazônia e para os biomas vizinhos? Essa cultura causa algum dano específico à floresta?
Lucas Ferrante — As alterações climáticas serão perceptíveis em todos os biomas até chegar à costa atlântica brasileira. Vamos observar danos não só na estrutura do bioma, porque se esperam secas mais prolongadas e chuvas mais concentradas. Então, isso pode afetar o ciclo reprodutivo de várias espécies, principalmente na Mata Atlântica, onde já estamos observando algum declínio em algumas espécies, como anfíbios, que são controladores de pragas para a agricultura e de vetores de doenças para a saúde humana.
Atualmente vivemos um surto de febre amarela silvestre em alguns estados da Mata Atlântica, e isso pode, sim, estar relacionado ao declínio de fauna pontualmente, em especial de anfíbios, que são predadores naturais das larvas. Podemos esperar várias consequências ambientais em decorrência disso, inclusive perda de biodiversidadenão só na Amazônia, como também em outros estados; mas pode haver, sobretudo, alteração de serviços ecossistêmicos importantes que beneficiam a própria população. A partir disso podemos esperar o surgimento de outras doenças tropicais. Também podemos esperar que a água se torne um recurso escasso para regiões que demandam grande quantidade de água para abastecimento humano. Além disso, a seca em São Paulo tende a aumentar e precarizar a distribuição de água. A própria agriculturatende a sofrer nesses estados por conta dessa prolongação da seca.
O Cerrado é um bioma que já vem enfrentando grande desmatamento, e essas alterações climáticas podem propiciar o aumento de incêndios, danificando ainda mais florestas desse bioma. Os prejuízos são basicamente incalculáveis.
IHU On-Line — Nos últimos anos aumentou o plantio de soja na Amazônia. Esse tipo de cultivo tem gerado implicações à floresta?
Lucas Ferrante — A expansão da soja é um problema e isso tem que ser controlado para que não tenhamos zonas de conflito, inclusive com comunidades tradicionais. Soja e pecuária são líderes em trabalho escravo na Amazônia. Esses cultivos têm que ser muito bem manejados, as fazendas têm que ser muito bem fiscalizadas. O que o setor ruralista defende é que a conservação ambiental é um entrave para a produção agrícola do país, mas isso não é verdade. A própria agricultura se beneficia dos serviços ecossistêmicos propiciados pela conservação do meio ambiente.
cana-de-açúcar é um problema, porque ela geraria o mesmo dano que a soja já gerou quando se expandiu na Amazônia. Não podemos deixar que áreas hoje ocupadas por outros cultivos sejam tomadas pela cana-de-açúcar, porque os outros cultivos vão migrar para outras áreas, aumentando o desmatamento. O dano da cana-de-açúcariria potencializar o dano causado pela pecuária e pela expansão da soja; esses são fatores que devemos considerar. A soja por si só já gerou um dano muito grande, tanto ambiental quanto social, e a própria pecuária também. Hoje esses cultivos estão amplamente disseminados na Amazônia e o que temos de fazer é estudar melhor, compreender esses impactos e tentar fazer um zoneamento ambiental de forma que possamos fiscalizar esses cultivos para que não aumentem o desmatamento e os problemas sociais e ambientais.
IHU On-Line — Como a proposta de expansão da cana-de-açúcar para a Amazônia tem sido discutida pelos estados da federação que fazem parte da Amazônia?
Lucas Ferrante — O projeto é muito bonito no papel, mas sabemos que aquilo é “para inglês ver”. Sabemos que quando se trata de Amazônia, as coisas são muito mais obscuras quando implementadas e muito difíceis de ser fiscalizadas. Diversos senadores dos estados que fazem parte da Amazônia já manifestaram que essa expansão será boa para o desenvolvimento econômico da região, mas sabemos que isso é uma falácia.
Os estados tendem a perder com a implementação desse cultivo, porque outros problemas tendem a surgir a partir daí e, talvez, o ganho gerado não pague o dano causado por conta dessa implementação. É muito importante que esses estados se conscientizem disso e não comprem uma ideia que um político apresentou como sendo muito bonita.
Em geral a opinião é muito dividida. Alguns senadores se manifestaram contra, como a senadora Vanessa Grazziotin, que é do Amazonas, e outros senadores estão pautando a favor. Os relatórios técnicos que temos sobre isso precisam ser considerados pelos senadores, porque fazer uma liberação apenas a partir do ponto de vista deles é arbitrário. Não é possível tomar decisões apenas com base na política; temos dados científicos que nos indicam que esse tipo de plantio vai ser ruim para a região e para outras regiões do país também e isso deveria ser pautado na hora de considerar a votação.
IHU On-Line – Que tipo de cultivo diria que é adequado para a floresta?
Lucas Ferrante – Existem várias alternativas para garantir o desenvolvimento na Amazônia, conservando a floresta e, principalmente, gerando renda para o pequeno produtor, que é aquele que realmente produz o que consumimos. Isso porque 70% do alimento produzido no Brasil vem dos pequenos agricultores, e não da agricultura em larga escala e mecanizada, que é a que recebe maior apoio do governo e maior financiamento bancário. O estímulo do pequeno produtor rural é muito importante para aumentar a demanda de alimentos na região.
Nesse sentido, temos alternativas de alimentos bons, limpos e justos, que valorizem o trabalho do pequeno produtor de forma que não agrida o meio ambiente. Temos sistemas agroflorestais, que produzem alimentos e não agridem o meio ambiente. Existem também iniciativas atuando na região, como o movimento de Slow Food, que tem como premissa produzir alimentos bons e justos, livres de agrotóxicos.
Paralelamente, existem outras iniciativas, como a do crédito de carbono. A Amazônia é enorme e o crédito de carbono é um mercado importante, porque diversas empresas internacionais com grandes emissões de gases têm comprado créditos de carbono, e a Amazônia por si só é a maior reserva de carbono do mundo. Então, se estimularmos o crédito de carbono numa iniciativa em que o próprio Estado promova isso, pensando na conservação da floresta, fazendo zoneamento ambiental adequado e controlado por imagens de satélites, talvez essa seja uma solução muito melhor para o desenvolvimento dos estados, mantendo a floresta em pé e o desenvolvimento da região, do que manter o cultivo em larga escala.
Para se ter uma ideia, o PIB total do Amazonas em 2017 foi de 93.599 milhões de reais. Se considerarmos por base o crédito de carbono que a Amazônia poderia gerar por ano, seria em torno de 8 bilhões, ou seja, é infinitamente maior que o próprio PIB do estado. Com esses créditos de carbono poderíamos fazer abatimentos fiscais para esses estados que fazem parte da Amazônia e investir na saúde e educação da população. Nesse sentido, podemos valorar os serviços ambientais que a floresta nos proporciona e não perder o serviço ecossistêmico do qual toda a América do Suldepende.
IHU On-Line – Muitas ONGs e movimentos sociais têm se manifestado contra mecanismos como o REDD ou créditos de carbono como alternativa para proteger as florestas, alegando que esses mecanismos vinculam as comunidades locais a um contrato financeiro em que elas ficam impedidas de manejar a área por muitos anos, enquanto a outra parte do contrato continua produzindo e emitindo poluição do outro lado do mundo. Apesar dessa crítica, por que, na sua avaliação, o REDD e os créditos de carbono são boas alternativas para preservar as florestas? De que modo esses mecanismos podem proteger as florestas, a exemplo da Amazônia?
Lucas Ferrante – Sempre que pensamos em desenvolvimento, existem pontos positivos e negativos, por isso precisamos pensar modelos que sejam benéficos para as comunidades tradicionais. Hoje verificamos que grandes alterações paisagísticas na Amazônia tendem a gerar mais problemas sociais e menos desenvolvimento do que realmente se propõe, e um exemplo disso é Belo Monte. Então, as comunidades têm culturas e precisamos criar métodos de preservá-las, valorando os alimentos que elas produzem, por meio de certificações ambientais, inclusive para exportação. Tem sido feito isso com o guaraná, que é exportado para a Europa, e o mel. Isso possibilita que a comunidade mantenha sua cultura e se preserve a própria identidade do povo, valorando seu alimento e seus costumes e dando recursos de subsistência. Isso não vai na contramão de implementar créditos de carbono. Ao contrário, essas medidas podem ser conciliadas e vão somar para melhorar a qualidade de vida da população.

(EcoDebate, 17/04/2018) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Nenhum comentário: