WWF-Brasil
Um parque nacional e uma área de proteção ambiental no sertão da Bahia agregam 854 mil hectares ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Depois de esperar mais de quinze anos – e ter sua área reduzida a um terço do que se pretendia quando começaram as negociações para sua criação –, finalmente foi publicado nesta sexta-feira (6), no Diário Oficial da União, o decreto da Presidência da República que estabelece o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, uma unidade de conservação de proteção integral com 349 mil hectares.
Contígua ao parque, foi decretada também uma APA (Área de Proteção Ambiental) com 505 mil hectares, agregando, no total, 854 mil hectares ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A novas unidades ficam entre os municípios de Sento Sé, Campo Formoso, Sobradinho, Juazeiro e Umburanas, no semiárido do estado da Bahia.
A região conhecida como Boqueirão da Onça é um dos últimos remanescentes contínuos de Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro do qual restam apenas cerca de vinte por cento da cobertura nativa.
O Boqueirão tem uma paisagem incomum, com desfiladeiros e ecossistemas que abrigam riquíssima biodiversidade, importantes nascentes e cavernas com inscrições rupestres milenares – provavelmente do Período Paleolítico.
“Embora a Caatinga tenha ampla distribuição no semiárido nordestino, a maior área preservada contínua do bioma fica no Boqueirão, e as novas unidades de conservação incluem uma parte desse território”, destaca Rogério Cunha de Paula, do Centro Nacional de Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Segundo ele, a Caatinga tem menos de dois por cento de seu território protegido por unidades de conservação. A criação das duas novas UCs eleva esse índice. Mas, conforme os estudiosos, ainda é insuficiente para garantir a sobrevivência de espécies da fauna e da flora nativas.
“É urgente situar essa região no centro das políticas públicas de conservação da biodiversidade, seguindo os compromissos do Brasil junto à Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas”, diz Rogério de Paula.
Espécies ameaçadas
Entre as espécies da fauna nativa do Boqueirão que carecem de proteção estão o tatú-bola – que emprestou sua imagem ao Fuleco, esquecido mascote da Copa do Mundo de 2014 –, as araras-azuis-de–lear, o gato mourisco, o gato-do-mato e, claro, as onças.
Segundo Cláudia Bueno de Campos, coordenadora do Programa Amigos da Onça, do Instituto Pró-Carnívoros, estima-se que 30 onças pintadas circulem pelo Boqueirão. As pardas estão em maior número, cerca de 200.
A bióloga explica que as onças são espécies conhecidas como “guarda-chuva” por estarem no topo da cadeia alimentar. Uma vez protegidas, essa proteção se estende para as demais espécies”, completa.
A flora nativa no Boqueirão da Onça não é menos diversa, nem menos ameaçada.
O pesquisador da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), autor do livro Flora das Caatingas do Rio São Francisco – História Natural e Conservação, José Alves de Siqueira Filho avalia que existem ali mais de 900 espécies de plantas reunidas em 120 famílias botânicas, com espécies endêmicas, boa parte ameaçada, e até novas espécies que serão apresentadas brevemente à comunidade científica, mas que já se encontram no limiar da extinção.
O Boqueirão também tem papel chave na segurança hídrica regional. Importantes nascentes localizadas nos planos mais altos irrigam o solo seco do sertão, garantindo condições de vida para comunidades urbanas e rurais. Algumas dessas nascentes foram incluídas dentro dos limites do novo parque nacional.
Tradicionais
A região apresenta forte traço de ocupação pelas populações tradicionais. Inscrições rupestres em vários sítios localizados no Boqueirão indicam que a presença humana ali pode ter milhares de anos – faltam datações para esses registros, provavelmente do Período Paleolítico Superior, como os que se encontram no Parque Nacional da Capivara, no Piauí.
Modernamente, a região do Boqueirão vem sendo ocupada há séculos por quilombolas e comunidades de fundo de pasto. Esses grupos situam-se na agora criada Área de Proteção Ambiental. Segundo o MMA, a presença das populações tradicionais foi determinante na elaboração do desenho das UCs, resguardando potencialidades que poderão ser incorporados em um processo de desenvolvimento local, como o ecoturismo.
Fica na APA do Boqueirão, a Toca da Boa Vista, maior caverna brasileira, com 97,3 km de extensão. Ela se interliga com Toca da Barriguda (28,6 km), formando um complexo único, tornando- se a maior caverna do Hemisfério Sul, com mais de 120 quilômetros já explorados. Isso torna a região um polo de desenvolvimento turístico e de pesquisas cientificas.
Em torno dessa área com remanescentes de vegetação nativa, populações urbanas vivem nos cinco municípios da região, que registram baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que tem como critérios indicadores educação, longevidade e renda.
Responsabilidade
Com a criação das novas áreas protegidas, abre-se a oportunidade para iniciativas de desenvolvimento regional com inclusão das populações tradicionais e mitigação dos impactos dos empreendimentos – sobretudo do setor eólico – que estão sendo direcionados para a região devido à abundância de ventos durante todo o ano.
“Recuperação da vegetação nativa, apoio à conservação das espécies e envolvimento das comunidades locais precisam entrar no radar dessas empresas ”, lembra Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. “Isso se chama responsabilidade socioambiental, e os acionistas dessas empresas gostarão de saber que elas estão ajudando a conservar a riqueza da Caatinga”, diz ele.
“A implantação do parque nacional e da APA do Boqueirão da Onça deve partir de uma visão inovadora. Além do ecoturismo latente a região é rica em ventos. Uma coligação de empresas de enérgica eólica com o turismo garantirá que esse mosaico atraia recursos financeiros e seja um dos mais queridos do sistema brasileiro por sua beleza e valores excepcionais”, destacou o secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, José Pedro de Oliveira Costa.
Ele foi o responsável, juntamente com sua equipe, pelas negociações que culminaram com a criação das UCs. O próximo passo, diz José Pedro, é elaborar os planos de manejo das unidades e iniciar a gestão das novas áreas protegidas na Caatinga.
Colaboração de Giovanna Leopoldi, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/04/2018
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