IHU
Atribuições da
Funai e do Ministério da Justiça foram deslocadas para Casa Civil, que articula com a
bancada ruralista e seus aliados as principais decisões envolvendo a
política indígena e as terras na
Amazônia.
A reportagem é de
Vasconcelo Quadros, publicada por
A Pública, 23-04-2018.
Encravada numa área densamente habitada nas cercanias do
pico do Jaraguá, na zona norte da capital paulista, e a quase 5 mil quilômetros de distância da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em
Roraima, a disputa em torno da
TI Jaraguá, onde vive a etnia Guarani M’bya, é emblemática na ofensiva desencadeada pela
Frente Parlamentar Agropecuária (
FPA) para assumir as rédeas da política indigenista do país.
A principal
arma dos ruralistas, e também sua mais antiga reivindicação, leva o nome de “
Parecer Normativo 001/2017/GAB/CCU/AGU”, publicado em junho do ano passado utilizando-se de condicionantes que definiram a homologação, em 2009, da
TI Raposa Serra do Sol, gerando impasse jurídico e fomentando o agravamento dos conflitos entre
índios e
agropecuaristas. Todas elas pretendem limitar os direitos dos indígenas sobre suas
terras ancestrais, conforme determina a
Constituição.
Numa nota técnica de 54 páginas emitida no último dia 20 de março, em que aponta a inconstitucionalidade da medida governista, um grupo de oito procuradores do
Ministério Público Federal (
MPF) pede a revogação do parecer editado pela
Advocacia-Geral da União (
AGU) e alerta o governo para as incertezas geradas: a total paralisação das demarcações de terras indígenas, o aumento das tensões no país inteiro e o evidente risco de mais derramamento de sangue.
“O parecer não só não cumpre seu objetivo de garantir segurança jurídica e estabilidade como agrava os conflitos no campo entre
indígenas e não-indígenas”, escrevem os procuradores. “Além de não ter havido nenhuma homologação de
demarcação de terras indígenas após a publicação do parecer, o Ministro da Justiça, fundamentando-se no parecer (…), revogou a Portaria Declaratória da
Terra Indígena Jaraguá, o que pode indicar que outras
demarcações estão em risco, caso o parecer não seja imediatamente anulado”, diz o
MPF.
A portaria que ampliou a
TI Jaraguá, de três para 532 hectares, é da lavra do ex-ministro da
Justiça José Eduardo Cardozo, editada em 2015, e foi revogada em agosto do ano passado pelo atual ministro,
Torquato Jardim, já como resultado do parecer da
AGU, que pretende proibir a ampliação de áreas anteriormente demarcadas.
Outro efeito da medida levou a
AGU a não recorrer contra a decisão da Segunda Turma do
STF, de 2015, anulando ato de criação de parte da
TI Limão Verde, dos índios Terena, em
Mato Grosso do Sul. O caso estava aberto à contestação, mas, ao contrário do que faria no andamento normal de uma disputa, a
AGU simplesmente se silenciou, perdendo o prazo e favorecendo a parte contrária aos interesses indígenas. Como os
territórios indígenas pertencem de fato e de direito à
União, cabe à
AGU também defendê-los nos conflitos judiciais.
O alerta sobre os riscos apontados na nota técnica foi feito também pessoalmente, em audiência no dia 19 de março, pelo vice-procurador-geral da República
Luciano Mariz Maia à então chefe da
AGU,
Grace Mendonça, responsável pelo texto, que se limitou a tomar ciência do documento.
Impressões digitais ruralistas
O
parecer 001, como se tornou conhecido, é emblemático também pelas circunstâncias em que foi gerado. Em abril, quase três meses antes da publicação do parecer, um dos expoentes da bancada ruralista, o deputado Luiz Carlos Heinze, que prega a reação armada de agropecuaristas contra ocupações indígenas, anunciou nas redes sociais, em tom de comemoração, que o presidente
Michel Temer e seu ministro-chefe da Casa Civil,
Eliseu Padilha, atenderiam ao pleito
ruralista. “Acertamos um parecer vinculante para unificar todas as decisões a 19 condicionantes do
Supremo Tribunal Federal e com isso revisar todos os processos em andamento”, disse
Heinze em abril do ano passado. A medida viria exatamente como ele previra. Com a tranquilidade de quem ganhou uma guerra, o deputado deu os números do butim: a medida interromperia mais de 700 processos de demarcação em andamento no país e, de imediato, mandaria para os arquivos 90%.
Foi graças ao anúncio antecipado das medidas que veio à tona uma até então discreta reunião no
Palácio do Planalto, revelando que o centro das decisões que afetam as disputas entre
ruralistas e
comunidades tradicionais havia mudado de eixo e de interlocutores.
As negociações, que antes envolviam os órgãos técnicos da
Fundação Nacional do Índio (
Funai) e representantes das comunidades, se deslocaram do Ministério da Justiça para a Casa Civil, comandada por Eliseu Padilha, alvo de inquérito por crime ambiental da
Procuradoria-Geral da República. Uma das propriedades do ministro em
Mato Grosso foi denunciada pelo
Ministério Público Estadual por [/]grilageme depredação do
Parque Estadual Serra Ricardo Franco, na fronteira com a
Bolívia. Os ministros que se sucederam no comando do Ministério da Justiça, o deputado Osmar Serraglio, da
bancada ruralista, que caiu na
Operação Carne Fraca, e o atual,
Torquato Jardim, participaram das reuniões, mas quem deu as cartas foram os
ruralistas.
A decisão final, tomada pelo presidente Michel Temer e pelo ministro
Padilha, veio conforme foi encomendada pela
bancada ruralista. Antes mesmo dos estudos técnicos sobre a medida,
Temer, segundo
Heinze, já havia se comprometido com a edição do “parecer vinculante”. A promessa seria o cumprimento dos acordos políticos que levaram o presidente ao poder. “Fui ao presidente para saber qual era a posição do atual governo. Dos anteriores já se sabia”, conta o deputado no vídeo distribuído em abril em suas redes sociais, anunciando conteúdo que só ganharia forma jurídica em junho.
O parecer 001
O governo decidiu abraçar, para dar força de lei e estender às demais terras indígenas em fase de reconhecimento, as 19 condicionantes definidas pelo
Supremo Tribunal Federal para pacificar juridicamente a reserva de área contínua de 1,7 milhão de hectares ocupada pelos
índios Macuxi,
Uapixana,
Ingaricó e
Taurepang, na
Raposa Serra do Sol, cuja realidade é bem diferente das dezenas de comunidades indígenas que vivem em outras regiões ou em perímetros urbanos de grandes centros como
São Paulo e no
Sul do país.
Além de proibir a ampliação de áreas demarcadas, condicionar a exploração de riquezas naturais ao crivo do Congresso e retirar do processo a consulta às
comunidades indígenas ou à
Funai, o governo incluiu um marco temporal genérico para ser levado em conta nos estudos antropológicos. Era tudo o que queria a bancada ruralista: pelo parecer só têm direito a reivindicar comunidades que ocupam as terras até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O problema é que o
STF, ao contrário do que diz o parecer, não deu efeito vinculante às condicionantes da
Raposa nem ao
marco temporal. Os casos são decididos um a um, de acordo com as circunstâncias de cada área considerada terra tradicional ou original, critério também aplicado em situações que envolvam
quilombolas. Um bom exemplo da posição do
STF veio em fevereiro, com o julgamento da
ADI 3.239, que reconhece o direito dos remanescentes de quilombos sobre suas terras contra questionamento feito pelo
DEM. Na decisão, os ministros rechaçaram, por ampla maioria, a tese do
marco temporal, defendida no parecer.
Por pressão ruralista e do Palácio do Planalto, a
AGU acabou usurpando uma atribuição exclusiva da
Funai, atitude que o
MPF interpretou como criminosa. “A tentativa de impor procedimento e requisitos não previstos na Constituição e na Lei para demarcação de terras indígenas se traduz em invasão de atividade técnica privativa da
Fundação Nacional do Índio. Considerando que o procedimento de identificação e delimitação de
terras indígenas se dá por meio de estudo técnico, em que não há espaço para discricionariedade, a invasão de tal seara pela
Advocacia-Geral da União e da própria Presidência da República constitui-se ato ilícito, dada a ausência de hierarquia e subordinação da
FUNAI”, esclarecem os procuradores.
Eles ressaltam que, mesmo que não tivesse os vícios da inconstitucionalidade, o
marco temporal gera tensão porque questiona a presença dos indígenas em suas terras originais, jogando lenha na fogueira acesa pelos fazendeiros. Numa referência ao histórico de massacres acumulados que já dizimou etnias, alfinetam a cúpula do governo: “[…] é difícil crer que o próprio Estado sugira a permanência de confrontos violentos, ao invés de assumir o seu papel de principal responsável em demarcar, proteger e fazer respeitar as
terras indígenas”.
Há quase duas décadas trabalhando com
questões indígenas, o secretário-geral do
Conselho Missionário Indigenista (
Cimi), Cleber Buzatto, diz que são inéditas iniciativas tão draconianas e danosas como o
parecer 001. Segundo ele, quando o tema da agenda é
demarcação, a direção da
Funai tem respondido com um “começar tudo de novo”, inclusive em processos em fase de conclusão. “Trata-se de um dos maiores retrocessos, com perdas incalculáveis às
comunidades indígenas e grande potencial de conflitos caso não seja derrubado”, diz ele, convicto de que a medida não pode ser dissociada da crise política que deixou o país numa encalacrada.
O ministro da Justiça,
Torquato Jardim, não quis falar sobre o assunto. Indicou o então presidente da
Funai, general Franklimberg de Freitas, para responder. “Em razão da complexidade jurídica de que trata o parecer, já solicitamos, por intermédio da nossa Procuradoria, consulta à
AGU em relação ao tema. Porém, até o presente momento, não tivemos nenhum posicionamento. A
Funai, portanto, continuará cumprindo o que determina a legislação”, disse, em nota à
Pública.
A chefe da
AGU,
Grace Mendonça, também não quis dar entrevista. Limitou-se, por meio de sua assessoria, a enviar uma nota publicada no ano passado, na data em que o parecer foi editado. Ela defende a medida afirmando que “as diretrizes fixadas pelo
STF, recepcionadas no parecer”, estabelecem que “o usufruto das terras pelos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional”.
Aumento de violência em terras indígenas
Na avaliação de
Buzatto, a portaria da
AGU foi articulada na esteira do
impeachmentda ex-presidente
Dilma Rousseff e possível graças à coesão da
Frente Parlamentar da Agricultura (
FPA), em que se enfileiram, juntos e misturados, 257 deputados da chamada bancada “BBB” (boi, do agronegócio, bíblia, dos neopentecostais, e bala, dos representantes da segurança). Dois anos depois, a manutenção do bloco deu aos
ruralistas poder jamais alcançado na política nacional, fortalecendo uma ofensiva contra
indígenas e
ambientalistas, cujas causas são consideradas por eles como entraves ao desenvolvimento e ao avanço do
agronegócio.
A
bancada tem ditado as regras, fechando os canais de interlocução das entidades com órgãos estatais e desmantelando os controles existentes para enfrentar invasões de áreas com potencial para
agricultura, garimpos e exploração ilegal de madeira em território indígena. A redução das ações da Polícia Federal e do
Ibama em regiões como
Mato Grosso e
Pará, segundo
Buzatto, está levando ao aumento do número de denúncias sobre violência.
As estatísticas disponíveis mostram que, se entre 2015 e 2016 houve um aumento de 14% de
TIs (de 1.113 para 1.296) registradas pelo governo como terras tradicionais, desde dezembro de 2017 nenhuma providência foi tomada em relação às 836
TIs à espera de solução, 530 delas com pendências apenas administrativas. Segundo dados do
Cimi, num sentido inverso, agravando os locais de possíveis conflitos, foram registradas 59 novas invasões possessórias para retirada ilegal de madeira e, consequentemente, com
danos ao meio ambiente.
Maranhão e
Rondônia lideram o ranking, com 12 invasões cada um no período. As áreas visadas estão distantes dos centros urbanos, abrigam mais de cem etnias voluntariamente isoladas e têm as características que atiçam a cobiça: terras férteis, madeira de lei, água boa abundante e reservas de minério.
Buzatto afirma que as
terras dos Karipuna, a 150 quilômetros do centro de
Porto Velho, onde vivem 58 remanescentes da etnia numa área que faz parte também do município de
Nova Mamoré, depois de demarcadas, foram novamente invadidas. “Ali há um claro risco de genocídio envolvendo não só os
Karipuna, mas também outros grupos isolados”, afirma. Há cerca de dois meses, o único posto de vigilância da
Funaina região foi incendiado e os poucos servidores, sem meios, se retiraram da região. O caso foi denunciado na
ONU por uma das lideranças da etnia, Adriano Karipuna, na semana passada, em
Nova York.
Buzatto diz que a Polícia Federal reduziu as operações e não tem recursos para atuar preventivamente. A sensação de abandono oficial gerou um clima de apreensão também no
Pará, no entorno da hidrelétrica de Belo Monte, entre os
Awá, e no alto
Tapajós, onde os Munduruku, estimados em cerca de 11 mil, estão dispostos a reagir contra eventuais invasões. “Em vez de desistir, eles dizem que vão lutar”, afirma o secretário-geral do
Cimi. A desestruturação do que havia de operações para defender as comunidades deve-se, segundo o
Cimi, ao aparelhamento político da
Diretoria de Proteção Territorial, hoje sob o controle de deputados da bancada ruralista.
“Estão invadindo para legalizar. A omissão do governo deixou o índio sozinho no enfrentamento com invasores”, lamenta
Buzatto. Os únicos números disponíveis sobre assassinatos liberados no ano passado pela
Secretaria Especial de Saúde Indígena(
Sesai), arrancados “a fórceps” pelo
Cimi depois de sucessivas tentativas, refletem ocorrências registradas em 2016. Foram 118 casos. “Não temos novos números, mas sabemos que está aumentando.”
Além de não fornecer informações, o governo tornou letra morta em sua estrutura o
Conselho Nacional de Política Indigenista, criado no governo anterior. Com o empoderamento dos ruralistas e a centralização das decisões em
Padilha, entidades como o
Cimi e
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (
Apib) afirmam que o Ministério da Justiça se tornou quase uma figura decorativa, com pífia interferência no setor.
“Não há mais diferença entre Executivo e Legislativo. Virou uma coisa só. Se antes era difícil, agora piorou”, afirma Paulino Montejo, dirigente da
Apib que há três décadas atua nos movimentos sociais indigenistas. Corroborando o que dizem os movimentos, no vídeo em que antecipou o anúncio das medidas, o deputado
Heinze diz que, assim que
Temer assumiu, foi a ele para ouvir que posição o governo adotaria em relação as
demandas ruralistas. O resultado, como se vê, foi a edição do parecer vinculante, cujo destino será decidido no
STF.
Perseguição a servidores e pesquisadores
A anulação das demarcações em curso era, no entanto, apenas uma parte da estratégia
ruralista. Os partidos da
FPA passaram a dominar a
Funai e a controlar praticamente tudo o que diz respeito à
política indigenista, inclusive a atuação de servidores e técnicos que trabalham diretamente com os
índios.
É o caso da advogada e pesquisadora Erika Yamada, cedida pela
Funai para atuar no
Mecanismo de Peritos, setor da
ONU que trata de direitos dos povos indígenas.
Erika criticou, em artigos publicados, a rendição do governo brasileiro aos interesses dos
ruralistas. Acabou virando alvo da
FPA, que pressiona o governo por sua demissão.
Um minucioso requerimento do deputado
Alceu Moreira (
MDB-RS), com o argumento de que
Erika atua com “nítida postura ideológica” e tem “verve intensamente crítica” ao governo Temer, pede ao ministro
Torquato Jardim todas as informações sobre a ficha funcional e os atos que resultaram em designação à
ONU. É prerrogativa parlamentar pedir informações, mas a justificativa tem pitadas de patrulhamento ideológico e disposição de afastar do caminho quem possa representar obstáculo. O requerimento foi respondido no dia 8 de março, apenas duas semanas depois que saiu da
Câmara – normalmente o governo demora no mínimo um mês para atender a esse tipo de pedido, levantando suspeitas de tratativas de bastidor para colocar
Erika na alça de mira.
“Causa estranheza e perplexidade a notícia de sua eventual cessão para outro órgão, sendo mesmo pertinente a obtenção das razões de fato e de direito que serviram para emissão de eventual ato administrativo […] inclusive os argumentos de necessidade da cedência e correlação com as funções a serem desempenhadas”, escreveu o deputado ao ministro da Justiça.
O deputado
Nilton Tatto (
PT-SP), membro da
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, afirma que a maioria parlamentar construída pelos
ruralistas tem agido para esvaziar as ações de controle do
Ibama e
Funai e para paralisar as agendas de
defesa do índio e do
meio ambiente.
“Não contente, a
bancada ruralista comanda a perseguição a pesquisadores. Eles estão sendo intimidados e demitidos”, afirma.
Tatto disse que a perseguição e a tentativa de criminalizar os movimentos pelos
ruralistas, através do indiciamento de líderes domovimento indigenista, levou a oposição a fazer um voto em separado ao relatório final da CPI da Funai, encerrada no ano passado na
Câmara.
Pesquisador e ex-presidente do
Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agrário (
Sinpaf), o engenheiro agrônomo
Vicente Eduardo Soares Almeida diz que só na
Embrapa cerca de 20 servidores, entre eles pesquisadores alvos da bancada ruralista, perderam o emprego nos últimos dois anos. O próprio
Soares Almeida, mesmo estável na
Embrapa, foi demitido.
“Não tenho dúvida de que minha exoneração é resultado da pesquisa e da audiência pública que promovemos na
Câmara”, acusa. Demitido no início de março do comando da unidade de
impactos ambientais da estatal, ele atribui a demissão à publicação de pesquisa que coordenou (“Uso de sementes geneticamente modificadas e agrotóxicos no Brasil: cultivando perigos”), desmistificando a eficácia dos
agrotóxicos na principal commodity do
agronegócio, a soja transgênica.
O trabalho, fundamentado em dados de comercialização de
agrotóxicos entre 2000 e 2012, fornecidos pela própria indústria, mostra resultados opostos ao que vinha sendo divulgado pelo governo e
ruralistas para justificar a opção por sementes geneticamente modificadas: a explosão do uso de veneno no cultivo da
soja transgênica, introduzida oficialmente em 2003, não resultou em aumento da produtividade nem melhorou os níveis de produção. Em áreas onde a produtividade cresceu 1%, o
uso de agrotóxicossaltou para 13%.
Segundo a pesquisa, a soja transgênica só pode ser associada ao consumo de
agrotóxicos e à resistência aos herbicidas, e não ao aumento de produtividade ou adaptação da cultura a diferentes climas no país. Ao contrário, o despejo de veneno nas lavouras de soja deu mais resistência às ervas daninhas, diminuiu a fertilidade do solo e tornou as culturas transgênicas mais vulneráveis (além da soja, há o milho e o algodão) e, um fenômeno do mundo vegetal, tornou a planta “dependente química”.
Segundo
Soares Almeida, estudos recentes revelam correlação entre os agrotóxicos na expansão do cultivo da soja e a mortalidade por câncer de próstata, associados a distúrbios endócrinos no
Brasil. “Os dados à disposição confirmam danos à saúde humana e indicam que, em vez do segredo decretado sobre os efeitos dos
agrotóxicos, deveriam orientar políticas públicas de prevenção e mitigação dos problemas”, diz o pesquisador. O governo, os
ruralistas e, é claro, a indústria multinacional de veneno não gostaram. Inconformado com a demissão,
Soares Almeida levará seu caso para o Judiciário.
A
Embrapa explicou em nota que a demissão “envolveu informações de cunho pessoal que devem ser resguardadas com vistas à preservação do indivíduo”, apurada em processo disciplinar, observando o direito a ampla defesa e ao contraditório recomendados pela
Controladoria-Geral da União (
CGU). A assessoria de imprensa afirma também que a informação segundo a qual cerca de 20 servidores foram demitidos não procede.
Barreiras humanitárias
“O ataque aos controles coloca em jogo um conjunto de conquistas históricas nas áreas ambiental e indígena”, diz o deputado
Nilton Tatto. Entidades e parlamentares advertem que com a paralisação das ações de governo, depois que postos do
Ibama e da
Funai foram incendiados na
Amazônia, as milícias rurais voltaram a agir livremente, elevando as tensões, especialmente em localidades distantes, no Norte do país.
“A tendência é de aumento da violência. O braço armado ruralista tem agido com ódio. Querem tomar dos índios a terra que restou”, afirma o presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara,
Paulo Fernando dos Santos (
PT-AL). Ele reclama do bloqueio
ruralista, no campo e na política, e afirma que um dos poucos canais de diálogo hoje disponíveis são as entidades internacionais, para as quais estão sendo canalizadas as denúncias.
O impasse deu corpo a um movimento encabeçado por parlamentares de oposição e entidades civis em busca de apoio em países que integram o
Parlamento Europeupara implantar “barreiras humanitárias”, boicotando o comércio dos principais produtos do
agronegócio (soja e carne no topo) originários de
terras invadidas ou que se tornaram palco de assassinatos de índios.
A deputada
Janete Capiberibe (
PSB-AP), que tem se dedicado à questão, diz que, embora o
Parlamento Europeu já tenha editado uma resolução recomendando a medida ao bloco do
Mercosul, a resistência está sendo comandada pelo governo brasileiro, tendo à frente o ministro das
Relações Exteriores,
Aloysio Nunes Ferreira. “A ideia é que commodities geradas em terras invadidas, onde correu sangue indígena por ação de fazendeiros e de suas milícias armadas, sejam bloqueadas, da mesma forma como foram impostas barreiras depois da
Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, neste caso por suspeitas de problemas sanitários”, explica
Janete Capiberibe.
Em outra frente, as entidades pressionam o governo pelo cumprimento de 200 medidas de proteção aos índios recomendadas pela
ONU, em documento de maio do ano passado, mas até hoje no papel. Da lista fazem parte ações que retomem a demarcação e proteção das
terras indígenas; promovam o fim do
racismo e do preconceito; implementem políticas públicas nas áreas alimentar, saúde, educação e renda; protejam o
meio ambiente e a biodiversidade através do fortalecimento de entidades que atualmente foram sucateadas, como
Fundação Palmares,
FCMBIO,
Incra e
Funai; e obriguem consulta às comunidades sobre ações que envolvam terras indígenas, conforme sacramentado na
Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (
OIT), da qual o
Brasil é signatário.
A prioridade das entidades indigenistas agora é derrubar o
parecer 001, da
AGU, pressionando o governo através dos organismos internacionais ou, numa segunda batalha, judicializar o caso, forçando o
STF a reafirmar que as decisões relacionadas à
TI Raposa Serra do Sol não são vinculantes nem podem ser aplicadas em situações como a da
TI Jaraguá, cercada pela maior metrópole do país.
(
EcoDebate, 26/04/2018) publicado pela
IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]