Por Washington Novaes*
A geração de resíduos cresceu, na década, mais que a população e que o PIB do País.
Teria sido importante que o relatório Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil, divulgado no início do mês pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), houvesse alcançado maior divulgação no País todo. É um documento importante para ampliar a consciência de todas as pessoas sobre a geração, coleta e destinação do lixo, já em situação muito delicada. O total de resíduos sólidos urbanos produzidos no País de 2014 a 2015 aumentou 1,78%, passou de 78,6 milhões de toneladas para 79,9 milhões – cresceu 1,7%, mais do que a população brasileira, que aumentou 0,8%, e do que a atividade econômica (PIB), que caiu 3,8%. Ou seja, aumentamos a geração de lixo mais que a produção econômica e mais que a população (que cresceu menos de 1%). Por dia, passamos a gerar um total de 218.874 toneladas. E por pessoa, 1,071 kg.
É muito lixo, que cresceu mais de 26% na década. Com a agravante de mais de um terço da população ainda sofrer com destinação inadequada, já que 30 milhões de toneladas foram depositadas em lixões ou “aterros controlados”, que apresentam os mesmos problemas. Mais de 3.300 municípios continuam a usar instalações inadequadas e lixões. Na média, os serviços de coleta chegam a uma cobertura nacional de 90%, mas há muita diferença entre Norte e Nordeste (80%), menos que a das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste (mais de 90%). No total, coletamos 198.750 toneladas diárias em 2015. Muito? Pouco? Foram 391 quilos por habitante/ano, mais que o Japão ou a Coreia do Sul, que têm PIB per capita de quase três a quatro vezes maior que o do Brasil. Ou a Islândia, a Bélgica, a Suécia, com PIBs per capita ainda mais altos.
Aumentaram as iniciativas municipais de coleta seletiva. Nas Regiões Sul e Sudeste, em mais de 85% dos municípios, superiores à média nacional de 70% dos municípios. E quanto custa o avanço? R$ 10,15 por mês a cada habitante. Já na área de resíduos da construção civil e resíduos de serviços de saúde, os municípios recolheram 125 milhões de toneladas, “suficientes para encher 1.450 estádios do Maracanã”, como diz o relatório. Muitos especialistas têm opinado que novos avanços dependerão principalmente da passagem dos orçamentos de limpeza urbana dos governos municipais para os estaduais.
Estudiosos como Marcos Cunha têm lembrado (3/8) que há 25 anos se dizia nas faculdades de Engenharia Sanitária que em média a geração de resíduos sólidos domésticos era de 400 gramas por pessoa a cada dia – dependendo do perfil socioeconômico e cultural em cada lugar. Hoje, os dados atualizados apontam uma geração média por pessoa acima de um quilo, um aumento superior a 100%. Mas a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda não chegou perto de seus objetivos. A queixa principal é a da falta de recursos financeiros. E com isso quase a metade dos resíduos sólidos tem destinação inadequada ou incorreta.
Já se chegou a apresentar no Congresso Nacional projeto de medida provisória para propor que o prazo para o fim dos lixões no País passasse para 2018. Foi aprovada, mas vetada pela Presidência da República. Porém continuam tramitando outros projetos para prorrogar até 2018 a data para acabar com os lixões; dando novo prazo a municípios de fronteira ou com mais de 100 mil habitantes para instalar aterros sanitários.
Tudo isso precisa de uma discussão forte e permanente com a sociedade. Por exemplo: casas e condomínios geram mais lixo reciclável do que lixo orgânico; mas tudo é descartado como lixo orgânico. Desperdício. Além disso, não se aceita que esse lixo seja coletado por cooperativas de catadores: desperdício de renda possível.
Quando se vai para o plano global, o panorama também é assombroso. Diz a ONU-Habitat (O Popular, 7/8) que 1,3 bilhão de toneladas de resíduos sólidos urbanos é gerado por ano no planeta – produtos têxteis, plásticos não recicláveis, resíduos de madeira, lixo “comum” ou embalagens sujas de alimentos. Um dos aproveitamentos é a transformação em etanol, o que já é feito também em outros 63 países. Mas o desperdício é gigantesco.
Não fazem licenciamento ambiental 70% dos municípios brasileiros (Observatório das Metrópoles e O Estado de S. Paulo, 15,4/16). E concorrem para que o desperdício não seja minimizado com o aproveitamento em obras. O lixo eletroeletrônico não para de crescer, acompanhando o consumo: no ano passado foram 41 milhões de toneladas desse tipo de resíduos no mundo; no Brasil, 1,2 milhão de toneladas, comercializadas ilegalmente (90%) ou descartadas, para aumentar o lixo urbano – mesmo assim, há propostas para prorrogar o prazo de fechamento de lixões, embora a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos já tenha completado seis anos e haja 22 associações e mais de 500 empresas aliadas. Cresceu 138% o número de cidades que desenvolvem programas de coleta seletiva; os postos de entrega voluntária já são 1.666, ou 255% mais que a meta estipulada para 2015. Apesar disso tudo, continua-se a atirar lixo na Baía de Guanabara; às vésperas da Olimpíada, este ano, foi retirada uma tonelada por dia – sem resolver o problema.
Os cidadãos e políticos continuam muito distantes do problema. “Cuidar do lixo não dá voto”, dizem os políticos. “Eu só não quero lixo diante da porta da minha casa”, dizem os cidadãos comuns.
O Ministério das Cidades assegura que a coleta seletiva caminha bem. E que a compactação e o isolamento em bolsas de propileno assegura destinação adequada e permanente. Muitas pessoas depositam sua esperança num sistema de transporte e descarte de resíduos da construção civil que permite à limpeza urbana monitorar e fiscalizar por meio de georreferenciamento onde está o lixo. Coordenadas dos pontos onde está cada caçamba permitem localizar por meio eletrônico qualquer porção do lixo.
Mas ainda falta muito. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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