COLUNISTAS
O bodoque
por James Pizarro em 12/05/2016
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O mais antigo inimigo de incautos pássaros em nossa cidade, como de resto em todo território gaúcho, era o estilingue, o popular bodoque. No final dos anos 80 uma indústria de brinquedos de São Paulo lançou na praça uma forma moderna de estilingue, com uma peça de metal em forma de letra Y (no formato de uma forquilha) e com duas tiras de borracha de uso cirúrgico, substituindo as velhas tiras feitas de câmara de pneus de automóvel. Ainda havia um melhoramento técnico: uma empunhadura que se encaixava no antebraço do atirador.
Este tipo de artefato passou a ser vendido em Santa Maria, tendo eu recebido denúncia contra os Supermercados Trevisan (denúncia feita pela Associação Protetora dos Animais, através da ativa militante, professora Vera Resende). A rede Trevisan de supermercados era a mais importante da cidade e seu presidente, meu amigo João Trevisan, era inclusive o presidente da Associação de Supermercados do Rio Grande do Sul. Fui falar com ele pessoalmente (eu “estava” vereador à época) e fiz ver que, um daqueles bodoques modernos era capaz de atirar uma bola de gude (nossa tradicional “bolita”) a 80 km/hora, cerca de 25 metros por segundo, com um alcance efetivo de 30 metros. Disse que, a essa velocidade, abriria um buraco na cabeça de uma criança. Falei sobre o instinto de violência desenvolvido nas crianças, a mortandade de pássaros em nossa região, etc...
Imediatamente, na minha frente, João Trevisan chamou o gerente-geral da principal loja dos supermercados que dirigia (onde tempos depois se localizou o Supermercado Real) e ordenou que fosse retirada das prateleiras e gôndolas todos os bodoques, que fossem devolvidos à fábrica paulista e cancelados os novos pedidos. Depois disso, fiz uma série infindável de palestras nas escolas de ensino fundamental de nossa cidade, falando sobre a necessidade da gente ter mais pássaros, mais ninhos, mais vida. Foi um golpe de morte no uso de bodoques em nossa cidade, do qual me orgulho ter participado.
Nunca esqueci da sensibilidade demonstrada pelo amigo João Trevisan. Nem eu.
E nem os passarinhos.
E nem os passarinhos.
James Pizarro
Professor aposentado da UFSM
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