No noroeste de Mato Grosso, o último maciço florestal do estado corre risco. Leia abaixo a primeira reportagem do especial “Amazônia ameaçada”, produzido por repórteres da Agência Brasil.
Por Maiana Diniz*
Localizada a 1065 km de Cuiabá, Colniza lidera o ranking dos municípios que mais desmatam na Amazônia. A cidade responde sozinha por 19% de todo o desmatamento registrado no estado entre agosto e dezembro de 2015, quando perdeu 74 quilômetros quadrados de floresta. Com 27.949 km2 de área, maior que o estado de Sergipe, o município no extremo noroeste de Mato Grosso retrata a realidade da região.
Entre Colniza e Juína, onde fica a sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que fiscaliza toda a região noroeste, são 319 quilômetros, percorridos em cerca de 7 horas de carro por meio de estradas de terra precárias e por 91 pontes de madeira.
Para dar uma ideia das dificuldades logísticas e de infraestrutura enfrentadas no município de Colniza, a secretária adjunta de Gestão Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Elaine Corsini, lembra que até pouco tempo não havia estradas no município com acesso para Mato Grosso. “A saída era só pelo estado de Rondônia. Há 15 anos, era uma área totalmente isolada em certas épocas do ano.”
A sede da Sema, órgão responsável pela fiscalização ambiental e pela emissão de licenças ambientais, que ficava em Aripuanã, a cerca de 60 km de Colniza, foi extinta no início do ano em uma reestruturação. A unidade de Juína será reestruturada para atuar em toda a região.
A principal atividade econômica da cidade é a madeireira. O presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Colniza, Milton Amorim, diz que tem terras e postos de gasolina na região, mas a principal atividade é a madeireira, da extração às serrarias. “É a madeira que movimenta a região de Colniza hoje. Se parar o setor, para a região. O nosso município hoje tem menos de 10% de áreas de fazendas abertas, o resto é mata virgem que está aí para anos e anos explorar.”
Amorim disse que a região tem cerca de 40 espécies de madeiras para extração. “As melhores são o ipê, a mais valorizada, seguida pela angelim, maçaranduba, jatobá. São várias espécies, a vegetação daqui é muito boa mesmo.”
Segundo Amorim, o setor madeireiro é contra a destruição da floresta. “Nós temos madeira aqui para trabalhar por 200, 300 anos, para nossos filhos e netos, porque a madeira não acaba. Quem acaba com a madeira é a motoserra que vai lá e derruba tudo. Derrubou e passou um fogo, acabou. O setor madeireiro não quer isso aí. Para nós, é importante manter a mata em pé.”
Mas a ilegalidade predomina na região. Em entrevista à Agência Brasil, o promotor Daniel Santos, que ficou à frente da Promotoria de Justiça de Colniza nos últimos seis meses, destaca que a cidade ainda é carente de recursos básicos como saúde, educação e segurança.
“Nos distritos de Guariba e Guatar, pior ainda. Quanto mais se entra na mata, menos se tem a presença do Estado e menos consciência ambiental. Quando as pessoas estão preocupadas em sobreviver, em trazer o próprio sustento para casa, não sobra muita preocupação com coisas mais elevadas assim”, avalia.
O promotor enumerou diversos problemas sérios na região que facilitam os crimes ambientais, como a falta de regularização fundiária, a demora para obtenção de licenças ambientais e a falta de alternativas econômicas para quem vive na região. “Ou esses problemas são encarados ou o desmatamento não vai acabar. Só a repressão não funciona e não tem como funcionar porque a vida das pessoas, o socioeconômico, está ligado àquilo ali.”
O chefe do Ibama em Juína, Evandro Selva, disse que as atividades econômicas que dão lucro com a floresta em pé são incipientes, e que é muito mais fácil conseguir crédito para pecuária e monocultura que para atividades sustentáveis.
“Temos hoje uma cadeia tão estruturada para o gado e para a soja que deveria ser estruturada para incentivar as pessoas a utilizarem os produtos não madeireiros, como óleos e resinas. Essa cadeia não está formada, não tem incentivo nem compradores, embora as pessoas tenham condições de extrair castanhas e outros subprodutos da floresta que não a madeira. Se tirar, vai vender para quem? Vai vender por mixaria. A pessoa acaba desanimando no decorrer dessa investida porque coloca no papel e vê que se desmatar e colocar o pasto vai ganhar muito mais”, explica Selva.
O promotor Daniel Santos lamenta que as operações de fiscalização no município não cheguem aos chefes das quadrilhas, responsáveis pelo desmatamento.
“É muito fácil e comum pegar um caminhoneiro na estrada com uma carga de madeira ilegal, mas quem fomenta e fornece recursos para essa atividade trabalha de maneiras transversas, é difícil chegar até eles, ao nome deles. As pessoas se negam a dizer e, se dizem, se negam a assinar o depoimento, falam de forma informal, não depõem em juízo nem deixam registrado por temerem pela sua vida. E isso se justifica porque, de fato, conforme se adentra no interior, a polícia dificilmente chega ali. A Justiça está muito distante. Às vezes aparece um corpo e você não tem nem ideia do que aconteceu, de quem foi”, conta o promotor.
Para o promotor, é preciso separar os dois tipos de desmatadores. Segundo ele, o contexto de pessoas que enfrentam “a falta de tudo e que estão em um pedaço de terra tentando sobreviver” é muito diferente do dos grandes desmatadores e das quadrilhas.
“A gente sabe que a devastação ambiental, o desmatamento mais pesado, não são os pequenos que fazem. A gente chega aqui e tem inúmeras autuações de 10, 40, 50 hectares e, de repente, chega um de 4 mil hectares. São coisas diferentes e tem que ser tratados de forma diferente.”
A boa notícia é que, nas últimas operações do Ibama em casos de devastação de grandes áreas em Colniza, a Justiça conseguiu chegar a nomes importantes. “Ficou claro que os donos das duas fazendas pelas quais a estrada para escoar madeira retirada da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, propriedades enormes, estavam envolvidos. Então essas pessoas foram alvo de ações penais e de ações civis públicas buscando a reparação do dano ao meio ambiente.”
Caos fundiário
O promotor de justiça substituto da Promotoria de Colniza, município também campeão das queimadas no estado, Daniel Luís dos Santos, alerta que os órgãos de fiscalização nunca vão conseguir, sozinhos, resolver a questão. “O Ibama não consegue resolver o problema de forma definitiva porque as pessoas não têm sequer a titulação das áreas sobre as quais estão. Têm uma posse precária, não têm certeza de que são donas da terra.”
Santos explica que como essas pessoas não têm título, os órgãos ambientais não podem dar autorizações e licenças para queimadas e desmate legal. “Consequentemente fazem tudo de forma ilegal e depois atuamos só de forma reativa. O lado preventivo, muito mais importante, de orientar, ensinar, de resolver a titulação é praticamente inexistente”, explica. Parte das terras ocupadas são do estado de Mato Grosso e as demais da União.
Daniel Santos conta que a população não para de crescer, e isso se explica principalmente pelos preços das propriedades, considerados bastante atrativos, justamente por serem áreas irregulares. Ainda segundo ele, menos de 10% da área urbana da cidade é regularizada.
“No momento em que regularizar a área de Colniza, os preços vão lá em cima. Um é o preço de uma área em especulação, sem título e sem segurança jurídica, outro é quando está tudo regularizado. As pessoas vêm tendo em vista os preços baixos”, avalia.
“Tem gente que vem atrás do seu pedaço de chão, invade, constrói uma casa, planta, coloca o gado, e tem os que vem para especular. Invadem, constroem algo e esperam um tempo para achar um comprador.”
Evandro Selva, do Ibama, conta que a maioria vem de Rondônia em busca de terras. “Encontramos vários casos de pessoas que venderam terras regularizadas lá e caíram na conversa de malandro e acabam comprando documentos frios, achando que estão comprando o paraíso e estão comprando o inferno. E depois não tem como regularizar nem recuperar as áreas que compraram. Para recuperar 1 hectare de floresta, passa de R$ 5 mil, então o sonho vira um pesadelo”, diz.
Selva lamenta que, além de comum, agir na ilegalidade ainda gera lucros na região. “Após desmatar, o grileiro vai vender essa área para um terceiro. Esse terceiro, mesmo que assuma todo o passivo para recuperar a área, e vai ter que regularizar, mas até que se chegue ao ponto final da regularização da área, já foram retiradas 5, 10 cargas de gado ou colheitas de soja ou o que for. Se esse segundo vender para um terceiro ou quarto, os lucros serão suficientes para compensar o desmatamento. Embora quem compre depois tenha a obrigação de recuperar, infelizmente, em termos financeiros, o responsável já teve o ganho e foi embora.”
Selva conta que as equipes do Ibama têm se revesado no município todos os meses. “O Ibama tem trabalhado constantemente e com o máximo de esforço para tentar coibir o desmatamento ilegal, mas obviamente não vamos conseguir manter equipes 24h por dia em todas as áreas que tem floresta em pé ainda.”
Ele avalia que se a situação dos proprietários da região não for legalizada, o desmatamento não vai acabar dentro do prazo estabelecido pelo governo estadual de Mato Grosso. “Como técnico, avalio que o governo foi otimista em estimar o desmatamento zero até 2030 e o governo estadual foi extremamente otimista em lançar o desmatamento zero até 2020.”
Demora para obtenção de licenças é desafio para a legalidade
O presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Colniza, Milton de Souza Amorim, afirma que outro problema grave e que leva ao desmate ilegal na região é a demora para a obtenção de licenças ambientais. “Há áreas em que os proprietários querem fazer planos de manejo e estão correndo atrás de liberar há cinco anos. A média de tempo para liberação de licenças é 2 anos e meio pela Secretaria de Meio Ambiente do estado”, disse.
Para Amorim, o excesso de burocracia agravado pela falta de títulos de terra contribuem para que as pessoas continuem agindo ilegalmente.
“A demora contribui muito com a ilegalidade. O município tem muitos assentamentos, quatro assentamentos do Incra muito grandes. Isso começou errado há 20 anos. O Incra colocou pessoas aqui e as deixou para lá, abandonadas. Hoje ele precisa plantar para sobreviver. Se faz um projeto de manejo e não é liberado, a alternativa é desmatar para sobreviver. Falta a presença dos órgãos responsáveis para orientar essas pessoas e organizar a situação. Se não tiver o governo para ir lá ajudar, as boas iniciativas perdem força”, avalia.
O empresário chegou em Colniza há 16 anos. Amorim tem uma propriedade com autorização para manejo que permite a retirada de 12 mil metros cúbicos de madeira, cerca de 600 caminhões grandes de madeira. Segundo Amorim, a área vai continuar preservada após a extração.
“Queira ou não queira, o setor madeireiro está contribuindo para a preservação do meio ambiente. Porque o manejo funciona da seguinte maneira: você pega uma área de 100 metros quadrados, faz um plano de manejo e libera na secretaria. Você tira, no máximo, três árvores nessa área, então a área fica praticamente intacta. O setor hoje está preservando a mata”, argumenta.
Para ele, o manejo acaba com a ilegalidade. “No manejo você assina um termo averbado em cartório na matrícula da propriedade que você é responsável pela área por 35 anos. Se alguém for lá e invadir a terra, você tem que correr atrás. Então o setor madeireiro hoje cuida de uma grande área de reserva. E não tem o valor que precisava”, diz.
O promotor Daniel Santos concorda que a emissão de licenças ambientais é demorada, mas também destaca que a fraude envolvendo áreas com planos de manejo autorizados tornou-se comum na região.
“A criatividade para esquentar a madeira retirada ilegalmente é imensa. Trabalha-se hoje com o banco de créditos de madeira. Alguém abre um manejo legal para extrair determinada quantidade de madeira e começa a soltar madeira, mas no sistema está uma coisa e em campo outra. Temos casos em que no sistema foi liberado milhares e milhares de metros cúbicos de madeira e ao ir na área de manejo, verifica-se que está intacta”, explica.
O Ibama comumente verifica que o estoque de madeira que ocupa os pátios de diversas madeireiras da região não corresponde ao que está registrado no sistema de autorização de manejo da secretaria do meio ambiente.
Milton Amorim disse que não compra madeira sem saber a origem, mas reconheceu que não é difícil “esquentar” madeira. “Olha, quem quer fazer rolo faz.”
O responsável pela fiscalização do Ibama no noroeste do estado, Evando Selva, disse que há uma grande rede para “esquentar madeira” ilegal na região, com o uso indevido de crédito florestal de áreas com planos de manejo autorizadas inclusive em outras regiões do país.
“Há um comércio violente de crédito florestal e isso tem alimentado grandes quadrilhas e colocado dinheiro em caixa de gente que influencia o desmatamento da Amazônia”, diz.
Consciência ambiental
O promotor Daniel Santos disse que nem a população nem o Poder Público da cidade têm muita consciência da importância de impedir a derrubada da mata.
“Pelo contrário. A face da atual administração e da anterior, da que tínhamos até agora até o afastamento do prefeito, tinham um comportamento até resistente à proteção ambiental. As requisições feitas pelo Ministério Público foram negadas sob alegação de ausência de competência, sob a alegação de que isso é competência federal. O Ibama por várias vezes pediu auxílio de logística para transportar madeiras e veículos apreendidos e tudo isso é negado”, disse.
Mesma opinião tem o órgão ambiental. “Infelizmente não temos o apoio do Poder Público local em Colniza, haja vista que existe um receio do prefeito e de sua equipe de serem depois rechaçados por dar apoio ao Ibama”, lamentou Evandro Selva.
O promotor Daniel Santos avalia o cenário político do município como “problemático”. Em 30 de janeiro de 2016, os vereadores de Colniza aprovaram por unanimidade o afastamento temporário do prefeito João Assis Raupp (PMDB), por 90 dias, devido a denúncias de desvio de recursos públicos. O prefeito reassumiu o cargo no dia 23 de março.
O ex-prefeito da cidade, Sérgio Bastos dos Santos, que também havia sido afastado do cargo pelos vereadores, foi denunciado em meados de março de 2016 pelo Ministério Público Federal por fraude de R$ 1 milhão em licitação para pavimentação asfáltica do município e apropriação de dinheiro público.
O município não tem secretário de Meio Ambiente. A função é exercida pelo prefeito. Quando a equipe da Agência Brasil esteve em Colniza, o prefeito atual ainda estava afastado. A reportagem voltou a procurar a prefeitura por telefone, mas até o fechamento dessa reportagem, não recebeu posicionamento do município, que não têm assessor de imprensa. (Agência Brasil/ #Envolverde)
* Os repórteres Maiana Diniz e Marcelo Camargo viajaram a convite da ANDI – Comunicação e Direitos, pelo projeto Mídia e Amazônia.
** Publicado originalmente no site Agência Brasil.
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