O Brasil orgulha-se de ter usinas hidrelétricas como principal matriz
energética por serem “fontes limpas”, de baixo impacto ao meio
ambiente. Mas esse traço nacional está sendo questionado. Hidrelétricas
instaladas ou previstas para serem construídas na Amazônia podem ser tão
ou mais poluentes que usinas termelétricas. Dezoito novos reservatórios
poderão emitir, em cem anos, até 21 milhões toneladas de metano e 310
milhões de dióxido de carbono – dois dos principais gases de efeito
estufa, responsável pelo aquecimento do planeta. Como o metano é 32
vezes mais potente no efeito estufa que o gás carbônico, o montante de
emissões pode chegar a até 982 milhões de toneladas de “gás carbônico
equivalente”. Em cenário mais otimista, o valor é de 369 milhões de
toneladas.
A constatação é do estudo desenvolvido por cinco pesquisadores,
incluindo o professor do Programa de Pós-graduação em Ecologia da UFJF Nathan Barros. O artigo foi publicado na revista britânicaEnvironmental Research Letters,
de alto impacto científico relacionado a pesquisas em meio ambiente. Na
próxima edição do periódico, será publicada resenha sobre
o trabalho por um dos principais pesquisadores sobre Amazônia Philip
Fearnside, ressaltando a relevância do estudo.
“Seis das 18 hidrelétricas analisadas apresentaram número
significante de simulações que apontam emissões comparáveis a usinas
termelétricas. São elas: Cachoeira do Caí, Cachoeira dos Patos, Sinop,
Bem Querer, Colider e Marabá. E a maioria das simulações para três delas
– Cachoeira dos Patos, Caí e Sinop – estima emissões mais altas até
mesmo do que usinas termais”, aponta o estudo.
A hidrelétrica de Sinop, em Mato Grosso, emitirá anualmente, pelo
menos, 250 quilos de gás carbônico equivalente por megaWatt-hora (CO2eq
MWh) de energia produzido ao longo de cem anos – que é o tempo
aproximado de vida útil de uma hidrelétrica. Em seus primeiros 20 anos
de implantação, quando as emissões são mais intensas, o volume poderá
ser de 1,1 tonelada anual. Essa é a perspectiva otimista. Na versão mais
poluente, o montante pode chegar a 5 toneladas de CO2eq por MWh anuais
nas primeiras duas décadas e a 3 toneladas anualmente em um século. “Os
valores são superiores a usinas à base de carvão, que emitem, em geral, 1
tonelada de CO2eq por MWh, e também mais altos que usinas de gás
natural, responsáveis por 470 quilos”, explica Nathan. Usinas eólicas,
que emitem pouca quantidade de gases de efeito estufa, liberam apenas 46
quilos. Veja mais comparações nos gráficos abaixo.
Medidas
Os pesquisadores destacam que barragens com maior área são mais
poluentes que hidrelétricas menores e a fio d’água, ou seja, que
utilizam predominantemente a correnteza para gerar energia e assim
estocam menos volume líquido. A sugestão dos autores é adotar
reservatórios com alta densidade energética – com alto potencial de
produzir energia em menor área alagada – para reduzir a emissão de gases
de efeito estufa.
A pesquisa também sugere melhoria nos procedimentos de limpeza da
vegetação da região inundada para reduzir o volume de matéria orgânica,
que favorece a liberação de carbono. O estudo critica a tendência de o
governo brasileiro investir em grandes reservatórios, mais poluentes,
para tê-los como garantia em caso de seca ou alta demanda energética.
Traços da Amazônia e pioneirismo
Ao se construir uma usina, é obrigatória a retirada da vegetação da
área a ser inundada, mas a decomposição da matéria orgânica que sobra do
corte das árvores e do carbono presente no solo ocasiona a formação de
gás carbônico e metano. Além disso, o rio continuará trazendo sedimentos
e matéria orgânica para o reservatório. “A produção desses gases
torna-se mais intensa na Amazônia devido à presença abundante de matéria
orgânica e da alta temperatura, que favorece a decomposição”, afirma
Barros. O metano é formado em zonas sem oxigênio, geralmente áreas mais
profundas do reservatório, por bactérias produtoras do gás, as chamadas
metanogênicas.
“Vale ressaltar que este estudo foca em hidrelétricas na Amazônia.
Isso não significa que usinas no Cerrado ou em outras áreas tenham o
mesmo comportamento e sejam tão poluentes, porque as características são
diferentes, como a abundância de vegetação e de carbono no solo”,
destaca Nathan Barros.
“Considerando o alto número de barragens planejadas na região
amazônica e em outros países como a China, é imperativo desenvolver
modelos para estimar o equilíbrio de carbono de projetos de grandes
hidrelétricas para dar suporte na tomada de decisão antes da construção
de barragens”, afirmam os pesquisadores. Atualmente só há metodologias
para os cálculos a partir de hidrelétricas existentes, e não para
estimar futuras emissões – foco inédito do estudo.
Caso a perspectiva de aumento na emissão de gases de efeito estufa
por hidrelétricas seja considerada, ela influenciará a meta de redução
de níveis de carbono adotadas pelo Brasil. Já o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) poderá exigir que projetos de hidrelétricas em
busca de financiamento informem o potencial de emissão de gases e se o
local de construção é em floresta tropical.
10 mil simulações
Para calcular o quanto as futuras hidrelétricas na Amazônia podem
contribuir para o efeito estufa, foram adotadas duas metodologias a
partir de dados publicados: uma que subestima o potencial de emissão de
gases pelos reservatórios (considera apenas a emissão de gás derivada da
decomposição do material orgânico existente na biomassa e no solo antes
da inundação) e outra que superestima a capacidade poluidora (leva em
conta também o fluxo decorrente da decomposição da matéria orgânica
trazida pelos rios e produzida pelas algas). “Ambas as metodologias
fornecem uma gama plausível de emissões por esses reservatórios”,
afirmam os pesquisadores.
Foram realizadas 10 mil simulações estatísticas para cada
reservatório e cada metodologia (superestimação ou subestimação). A
quantidade de cenários simulados é explicada pelos múltiplos fatores,
como tamanho do reservatório, suas características bioquímicas e limpeza
da área a ser inundada, “os quais podem interferir na produção, consumo
e emissão de gases de efeito estufa em reservatórios tropicais e também
pela alta variabilidade espacial e temporal dos dados analisados”.
Assinam também o artigo Felipe de Farias e Paulina Jaramillo da
Universidade Carnegie Mellon (EUA), Henrique Sawakuchi da Universidade
de São Paulo e Jeffrey Richey da Universidade de Washington (EUA). Foram
estudadas as hidrelétricas de Belo Monte, Bem Querer, Cachoeira do
Caí, Cachoeira do Caldeirão, Cachoeira dos Patos, Colider, Ferreira
Gomes, Jamamxim, Jatobá, Jirau, Marabá, Santo Antônio, Santo Augusto de
Baixo, São Luís do Tapajós, Sinop, São Manoel, São Simão Alto e Teles
Pires.
Leia o artigo (em inglês).
Fonte: Universidade Federal de Juiz de Fora
in EcoDebate, 01/02/2016
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