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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Guerra ao vírus zika em várias frentes


A presidente Dilma Rousseff supervisiona em Brasília uma das operações militares contra o mosquito Aedes Aegypti, que acontecem em nível nacional para pôr fim à propagação do vírus zika. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
A presidente Dilma Rousseff supervisiona em Brasília uma das operações militares contra o mosquito Aedes Aegypti, que acontecem em nível nacional para pôr fim à propagação do vírus zika. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Por Mario Osava, da IPS – 
Rio de Janeiro, Brasil, 2/2/2016 – Com uma operação de guerra e mobilização de 220 mil militares, o Brasil responde à comoção nacional pelo nascimento de milhares de crianças com o crânio reduzido, mas o mosquito Aedes aegypti impõe batalhas em muitas frentes, incluindo a científica e a farmacêutica. Ao vírus zika, transmitido por esse mosquito, assim como a dengue e a chikungunya, é atribuída a epidemia de microcefalia, que atemoriza os brasileiros e que pode ter impacto nos Jogos Olímpicos, que acontecerão no Rio de Janeiro entre os dias 5 e 21 de agosto.
Além disso, reavivou o debate sobre o direito ao aborto no Brasil, atualmente penalizado a não ser quando a gravidez coloca a mãe em perigo ou seja fruto de violação.“São indispensáveis medidas imediatas para dar assistência às mães de recém-nascidos com microcefalia, que são em quase sua totalidade pobres e estão tendo uma sobrecarga de trabalho enorme, sem contar com ajuda doméstica”, ressaltou Silvia Camurça, coordenadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia.
“Imagine uma mãe com mais de um filho, sem marido. As creches não estão preparadas para receber crianças com essa enfermidade, que já são muitas e serão muitas mais com as que estão por nascer nos próximos meses. É desesperador. A atenção pública às suas famílias é urgente”, enfatizou Camurça à IPS.Segundo a ativista, a multiplicação dos abortos clandestinos, em condições precárias e com risco de morte, é “muito provável, já que muitas mulheres sabem que não contarão com políticas públicas para apoiá-las. E esse quadro se agrava pela crise econômica e pelo desemprego”.
Pernambuco, Estado onde fica a sede da organização não governamental SOS Corpo, ostenta o recorde em casos de nascimentos com suspeita ou confirmação de microcefalia. Até 23 de janeiro, o Ministério da Saúde havia registrado 1.373 notificações nesse Estado, das quais 138 confirmadas, 110 descartadas e 1.125 ainda em investigação.No total, no Brasil já são 270 microcéfalos comprovados e 3.448 casos pendentes de exames. Também houve 68 mortes de recém-nascidos e fetos por má formação congênita, das quais 12 atribuídas ao zika.
Não existem dados da incidência da infecção por esse vírus, cujos sintomas são febre moderada, erupções na pele, conjuntivite e mal-estar que dura de três a sete dias, e muitos não se dão conta de que sofreram da doença. O Brasil se converteu no epicentro do debate sobre esse vírus por concentrar a maior quantidade de infectados e por ter identificadoa relação entre o zika e a microcefalia, no Instituto de Pesquisa Joaquim Amorim Neto, na cidade de Campina Grande, também no Nordeste, a região mais pobre do país e a mais afetada por essas enfermidades.
O Conselho Executivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), reunido em Genebra no dia 28 de janeiro, considerou que o vírus se propaga “de forma explosiva” e divulgou previsões de que o Brasil poderá ter 1,5 milhão de infectados este ano, e o continente americano, no total, entre três e quatro milhões.Embora a OMS indique que “ainda não foi estabelecida uma relação causal entre a infecção pelo vírus zika e as malformações congênitas e síndromes neurológicas”, no Brasil não há dúvidas de que o Aedes aegypti é o portador da nova tragédia nacional.
A fumigação contra o mosquito vetor do zika e outros vírus, o Aedes aegypti, foi intensificado nas cidades do país. Foto: Cristina Rochol/PMPA
A fumigação contra o mosquito vetor do zika e outros vírus, o Aedes aegypti, foi intensificado nas cidades do país. Foto: Cristina Rochol/PMPA
Além de Exército, Marinha e Aeronáutica, o governo procura mobilizar a população e funcionários que visitam praticamente todas as residências, como os das empresas de energia elétrica, que leem mensalmente os medidores de consumo. A missão é eliminar todos os criadouros do mosquito, como embalagens vazias, pneus e outros recipientes com água parada, nos 49,2 milhões de domicílios brasileiros.
Repelentes de mosquitos são distribuídos às mulheres grávidas. “Mas esse produto já escasseia no mercado e os adequados às gestantes são mais caros”, menos acessíveis às mulheres pobres, afirmou a socióloga Camurça.Ela também se queixou da falta de informação e conhecimento sobre as epidemias. Em Pernambuco a dengue estava sob controle, o que inclui o mosquito Aedes, segundo as autoridades sanitárias, “mas de repente somos campeões em zika”, uma contradição que ainda não foi explicada, afirmou.
O primeiro infectado pelo vírus no Brasil ficou conhecido em abril de 2015. A partir de então, a propagação foi fulminante. A doença já está presente em 23 países das Américas, segundo a OMS. Os epidemiologistas consideram insuficientes os dados sobre as enfermidades transmitidas pelo Aedes aegypti,porque sua notificação não era obrigatória, o que provocava muitas omissões. Agora se notifica a microcefalia, não suas causas, e, sem estatísticas confiáveis do passado e sobre as infecções associadas, o conhecimento perde uma alavanca.
A microcefalia tem outras causas, como sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes viral e diferentes infecções.Entretanto, a ciência é outra frente de batalha que pode ser decisiva nessa guerra a médio e longo prazos. Em alguns anos, espera-se que a população possa dispor de uma vacina eficiente para neutralizar o zika, pelo menos em seu efeito mais traumático, a microcefalia.
Nesse campo desempenha um papel central a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, estimulando estudos nos principais centros de pesquisa sanitária do Brasil. Seu titular, o médico epidemiologista Eduardo Costa, acredita que o Brasil poderá desenvolver a vacina, “apesar das dificuldades burocráticas para importar material biológico, reagentes e outros insumos necessários” às pesquisas, atrasando-as e encarecendo-as.
Costa afirmou à IPS que “é uma responsabilidade brasileira produzi-la, e uma dívida com a África”. Já há avanços em centros especializados, como o Instituto Butantan, na cidade de São Paulo, que desenvolve uma vacina que oferece 80% de proteção contra os quatro tipos de dengue e que poderia se estender ao zika. “Faltam estudos clínicos”, que custam caro e exigem tempo, explicou.Também o Instituto Evandro Chagas, no Estado do Pará, avança em um medicamento que atenua os efeitos do zika. E um laboratório da Universidade de São Paulo (USP) pesquisa possibilidades de engenharia genética.
Esses centros brasileiros estão associados com universidades ou empresas farmacêuticas no exterior, e seus resultados poderão contar com produção nitidamente nacional, em Bio-Manguinhos, unidade industrial de imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocuz), um importante centro de pesquisa do Ministério da Saúde, pontuou Costa.
Outras tecnologias em estudo no Brasil buscam controlar a reprodução do Aedes aegypti. Um exemplo é a bactéria wolbachia, que impede o mosquito de transmitir a dengue. A Fiocruz está soltando, em um bairro do Rio de Janeiro, mosquitos com essa bactéria para infectar todos os Aedes locais.Outra iniciativa busca, mediante mosquitos transgênicos, que os Aedes percam capacidade de reprodução. Também se testa o uso de piriproxifem, um inibidor do crescimento, para bloquear o amadurecimento das larvas e impedir que cheguem a ser insetos reprodutores.
Também faltam exames para comprovar se uma mulher tem o vírus zika. Os testes existentes precisam ser aplicados nos três supostos dias em que a infecção está ativa. “É preciso um exame eficaz na pós-infecção, que identifique os anticorpos remanescentes e ofereçam mais informações sobre o que acontece com o vírus”, explicou o epidemiologista.
O Brasil já erradicou uma vez o Aedes aegypti,em 1954, para combater a febre amarela, a enfermidade que se propagava até então, recordou Costa. O mosquito voltou em focos intermitentes nas décadas seguintes, passando a transmitir a dengue.Agora, com um repertório mais amplo de vírus e contando com cidades muito mais povoadas e sem saneamento, com muito lixo e embalagens abertas por todo canto, erradicá-lo novamente é impossível, inclusive para os 220 mil soldados. Mas a tecnologia e a mobilização nacional poderão controlar sua população e sua agressividade. Envolverde/IPS

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