Enquanto o Planeta vai dando sinais de colapsamento em vários planos – oceanos acidificados, rios poluídos, ecossistemas inteiros danificados, 63% dos mamíferos mortos, e funestos etceteras, nossa civilização ocidental, dominante até o momento, age paradoxalmente como se tivesse conquistado o último domínio da existência: o tempo.
Com uma população crescente, cada vez mais longeva, e com um futuro tecnológico que indica maravilhas, parece que o nosso destino é o de superação de todos os limites. Robots levarão nosso café na cama e conterão os bandidos na rua. Os desempregados lerão jornais no kindle nos Starbucks automatizados.
Passei esta semana os olhos por uma matéria de divulgação científica que afirmava ser o tempo – presente e futuro – “simultâneo”.
Se o tempo não é linear nem ocorre em fatos sucessivos, causa e consequência, então todos os tempos estão operando aqui e agora. Um leque de possibilidades se abre às nossas escolhas e desígnios.
Em termos de grupos humanos, temos índios isolados na Amazônia (que não é só brasileira) e que ainda são coletores-caçadores. Temos tribos e comunidades indígenas organizadas que possuem veículos a diesel e mandam seus filhos à universidade: têm um modo de vida que combina a tradição e a modernidade.
No dito “mundo civilizado” – em termos de comportamento podemos realmente escolher como desejamos viver? Sermos “pré-industriais” ou totalmente inseridos no modo de produção capitalista?
Tenho amigos que ainda vivem em 1968: animados por idéias libertarias e revolucionárias. Tenho parentes que se comportam como aristocratas, como “senhores de engenho” perpetuando cacoetes de uma sociedade escravista, hierárquica.
Conheço pessoas que resolveram que só existe música de verdade antes dos anos 90. Os que odeiam a “cultura de massa”, os que são apaixonados pelo popular e democrático. Os que acham a tal da brasilidade uma falácia, os que pensam que a globalização foi a mais eficaz “revolução capitalista”.
Começa a pipocar na mídia as idéias que vão criando uma atmosfera de uma Babel apocalíptica, de um armagedom ambiental.
Dos desastres ambientais ao coronavirus, guerras e genocídios, oscilamos da eufórica imagem de um mundo promissor, de um futuro tecnológico brilhante ao caos, ao Planeta envenenado e às incertezas que as mudanças climáticas trazem.
Otimismo tecnológico e pessimismo ambiental vivem lado a lado. Habitamos, ao que parece, universos mentais paralelos.
Mas se podemos nos refugiar em preferências musicais ou religiosas, nos confortar em tribos poéticas, em utopias revolucionárias, ao mesmo tempo os números e os fatos vão compondo um cenário cada vez mais desafiador. O Antropoceno, o mundo que criamos está aí com seus erros e acertos expostos cruamente.
Desafios que não podemos empurrar com a barriga ou deixar para as nossa crias resolverem quando forem adultas e se livrarem do apelo das drogas e da alienação.
Arnold Toynbee, autor de quem gosto muito – por ter “sacado” que muitas civilizações do passado declinaram quando entraram em estado de crise ambiental – escreveu um instigante ensaio no seu livro Estudos da História.
Segundo ele, quando o estado crítico de uma civilização se aprofunda, ocorre uma divisão pacífica ou conflituosa da sociedade em três principais grupos: o primeiro grupo se “aparta”, criando comunidades autônomas, de cunho religioso ou não e vivem numa realidade paralela como o fizeram os hippies no pós-Guerra ou os neohippies nos anos 80.
Segundo ele, quando o estado crítico de uma civilização se aprofunda, ocorre uma divisão pacífica ou conflituosa da sociedade em três principais grupos: o primeiro grupo se “aparta”, criando comunidades autônomas, de cunho religioso ou não e vivem numa realidade paralela como o fizeram os hippies no pós-Guerra ou os neohippies nos anos 80.
O segundo grupo une a grosso modo os conservadores, aqueles que olham para a sociedade com a lente do espelho retrovisor. Os “exageros” atuais devem ser tratados com as soluções conhecidas e testadas. Aos protestos reagem com métodos tirânicos e intolerantes.
O terceiro grupo agrega os visionários, os antecipadores e os que buscam musculatura para aguentar o tranco. São os que arriscam as inovações, as novas possíveis soluções.
Quais destes grupos, nos provoca Toynbee a responder, são os parteiros do futuro?
Os três grupos. Precisamos dos três, de todas as contribuições, nos diz o autor. Cada um deles aporta uma experiência importante que irá temperar e moldar o futuro.
Do primeiro grupo aprendemos ser possível escapar do “efeito manada”. Do segundo a disciplina e as lições da história. Do terceiro a fé no futuro e a coragem de arriscar.
Do índio pelado e isolado, do natureba que vive em Caucaia do Alto, do cientista em seu laboratório asséptico, do guarda florestal ao quitandeiro da esquina, da parteira à enfermeira no ambulatório, precisamos de todos. A diversidade de pensamento e de habilidades é a condição precípua de nossa existência física e moral. A biodiversidade é a base da vida e do futuro que não devemos temer, mas com coragem construir. Cooperar é a palavra chave.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.
Este texto faz parte de uma série que escrevo quinzenalmente para o site Envolverde/Carta Capital sobre o ambientalismo no Brasil.
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