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segunda-feira, 16 de março de 2020

Pandemia do coronavírus pode nos ensinar a enfrentar a verdadeira emergência de longo prazo: o clima

Dimensões da vulnerabilidade da agricultura e da pesca marinha às mudanças climáticas
IHU
A Itália está paralisada. O impacto das medidas de segurança que se tornaram necessárias para tentar frear a epidemia do coronavírus não tem precedentes na história. Pensávamos que estávamos vivendo em uma sociedade que dava espaço para todas as liberdades. Em vez disso, acabamos na situação oposta.
A reportagem é de Mariella Bussolati, publicada em Business Insider, 12-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como tudo vai acabar não depende não apenas de nós, mas também das características do vírus e, sobretudo, do que acontecerá nas outras nações, ricas ou pobres, de todos os continentes. Porque estamos todos interconectados, e, portanto, uma doença que tem o defeito de explorar justamente o contato tem grandes rodovias à sua disposição.
A epidemia, em tempos de Antropoceno, também está tendo outro efeito poderoso: está evidenciando os defeitos do modelo de negócio da globalização e da exploração do ambiente.
Fechamento de todas as escolas, postos de controle, cancelamento de todos os eventos públicos. Cadeias de trabalho interrompidas, empresas que começam a ter problemas, trabalhadores temporários, cujos empregos se tornam ainda mais intangíveis.
Devido ao vírus, encontramo-nos questionando os pilares da nossa sociedade globalizada, limitando a cadeia de suprimento das mercadorias na qual se baseia todo o modelo econômico, com a interrupção de produções industriais inteiras nas regiões mais afetadas pela epidemia, que leva à redução de uma disponibilidade de componentes, acima de tudo para carros (Toyota Hyundai) e celulares (Google e Samsung), e de remédios.
E, como estamos vendo, as bolsas de valores, o símbolo do capital, também reagem negativamente. Somam-se a isso regras de comportamento até mesmo para as nossas relações, como a distância de alguns metros, que dificultam a nossa expressão da característica mais humana que existe: a de ser um animal social.
É uma dura lição que a natureza está dando ao ser humano.
Há algo que devemos aprender? Servirá também para enfrentar a outra crise, a mais grave para o nosso futuro, da qual já tivemos evidências, ou seja, a ambiental?
“Na realidade, devemos entender que as medidas da emergência do coronavírus são a normalidade”, diz Guido Viale, ensaísta e ativista ambiental. “O que conhecemos nas últimas décadas não era. A emergência do coronavírus, por sua vez, nos dá a oportunidade de nos prepararmos para enfrentar a emergência climática e ambiental, que continua crescendo e se apresentará com uma força 100 vezes maior, com a consciência de que existem alternativas: uma vida mais sóbria, trabalhos menos frenéticos, a reconquista do tempo para dedicar a nós e às nossas relações, pausas para refletir sobre o sentido das nossas vidas, mas, acima de tudo, um ambiente menos sufocado e sufocante, com menos poluição, menos venenos, menos ruídos, menos carros pelas estradas.”
Os movimentos ambientalistas, como as Sextas-Feiras pelo Futuro, temiam que as pessoas nunca pudessem mudar seus hábitos. Vimos que isso provou ser falso. E bastou o medo do contágio para frear todo tráfego e levar todos a adotarem um estilo de vida completamente diferente.
“O Covid-19, no entanto, age sobre uma percepção completamente diferente da emergência. O vírus se encaixa plenamente na esfera do risco, como definiu o sociólogo Ulrich Beck nos anos 1980: um estado de tensão constante, generalizado, mas impalpável. O vírus está nos dizendo muitas coisas, mas, para que tudo isso possa se transformar em ‘ensinamento’, é preciso uma transformação cultural radical que relacione esferas que até agora consideramos imensamente distantes: o consumo e a vida das plantas, a ecologia e as relações interpessoais, os microrganismos e as formas de trabalho”, diz Bertam Niessen, sociólogo, diretor da cheFare, agência para a transformação cultural.
“As duas crises têm em comum a equação dos desastres, ou seja, periculosidade, vulnerabilidade e exposição. E a inércia com que a doença começou corresponde àquela com a qual estamos tentando entender a situação no planeta. Os resultados, em ambos os casos, não são de curto prazo.”
“Veremos os efeitos do que fazemos hoje para diminuir as curvas em algum tempo: 10 a 15 dias para o vírus, 10 a 30 anos para o clima. Isso porque os contágios dos próximos dias são o efeito das incubações dos últimos dias, enquanto o aquecimento dos próximos anos deriva do acúmulo de gases do efeito estufa dos últimos anos. O CO2 tem um longo tempo de permanência na atmosfera. Além disso, o sistema climático não é linear, o que significa que, além de um certo limiar de temperatura, poderiam se desencadear fenômenos abruptos que nos façam ‘sair pela tangente’, com escaladas perigosas. De qualquer forma, parece evidente que esse sistema econômico não é sustentável”, diz Antonello Pasini, cientista das mudanças climáticas do CNR.
De fato, o coronavírus já produziu efeitos muito evidentes: a China, que estava lentamente implementando medidas contra o aquecimento global, subitamente, nesses últimos dias, reduziu suas emissões em um quarto, e, na Lombardia, caíram os níveis de PM10 [partículas inaláveis que compõem a poluição atmosférica]. As companhias aéreas estão fechando muitas rotas, e o tráfego se reduziu drasticamente. Trabalha-se mais em casa, fazem-se mais videoconferências, caminham-se trechos mais curtos e reduz-se mais o tráfego.
O que está acontecendo parece sugerir que, quando um alerta é realmente ouvido, o mundo pode efetivamente agir de modo rápido e em larga escala. Se tomássemos essa mudança de paradigma forçada e temporária como prova de que mudar é possível, talvez poderíamos melhorar decididamente a nossa vida e evitar também que outras situações semelhantes ocorram no futuro.
“O sistema global mostrou a sua vulnerabilidade. Em 1998, a Organização Internacional do Trabalho havia proposto que fosse integrado nas regras econômicas o respeito ao ambiente e ao trabalho. Mas prevaleceu a escolha de não usar isso. Mas, quando se cria um sistema que se baseia em fluxos e interconexões, a economia não pode ser a única coisa que importa, e, na ausência de normas, o sistema mostrou toda a sua fragilidade. Se seguirmos o caminho errado, será difícil voltar atrás. O que está faltando é um conceito de bem público global, que teria servido para nos proteger do vírus e também dos desastres ambientais”, diz Mario Pianta, professor de Política Econômica da Scuola Normale Superiore de Florença.
Infelizmente, por enquanto, os únicos momentos em que emissões se reduzem drasticamente são aqueles que correspondem às recessões. São também aqueles em que se manifesta, em uma chave precisa, a ligação entre o efeito estufa e o crescimento econômico. Mas, quando o momento negativo terminar, tudo poderá voltar a ser exatamente como antes.
“Houve um efeito-dominó indireto, porque todos os sujeitos eram interdependentes, e isso demonstrou que o capitalismo rizomático não é tão flexível. Por exemplo, ele tem uma rigidez no campo da logística, e os vários nós devem ser funcionais e sincronizados. Ele dificilmente compreenderá a lição, porque isso requer um planejamento de médio-longo prazo, enquanto, agora, o que importa é apenas o curto prazo, mas, ao mesmo tempo, é claro que não se pode esticar demais a corda”, defende Andrea Fumagalli, professor de História da Economia Política da Universidade de Pavia.
“O Covid-19 está evidenciando para muitos a estrutura das desigualdades da nossa sociedade: quem é rico e quem não é, quem está garantido e quem não está, quem é precário e quem não é. A retórica do ‘estamos todos no mesmo barco’ que Richard Sennet havia indicado como um dos principais dispositivos econômicos do neoliberalismo, de repente, não funciona mais”, é a opinião de Bertam Niessen.
Com 3.800 mortos, o Covid-19 ainda é menos mortal do que os combustíveis fósseis, que, segundo a Organização Mundial da Saúde, são responsáveis por mais de 7 milhões de mortes por ano.
“Ainda é cedo para entender o porte dos impactos no nível econômico, mas, se quisermos ser otimistas, podemos pensar no início de um novo discurso público baseado em uma re-infraestruturação democrática da sociedade, em novas formas de solidariedade, em um apelo a uma maior presença do público na economia, em uma nova e melhor subdivisão dos riscos individuais do precariado”, conclui Niessen.
Com efeito, seria conveniente utilizar o mal para encontrar soluções positivas que também possam nos proteger de outros danos.
“A única preocupação que a política tem é no imediato. No entanto, o que ocorreu pode se repetir com outros vírus e outras bactérias, e, com a globalização, os contágios são muito fáceis. Aviões e mercadorias que viajam de um lado para o outro do mundo são uma loucura tanto ecológica quanto epidemiológica. Neste momento, porém, o maior impacto é sobre as relações sociais, em uma sociedade na qual, entre outras coisas, a solidão já é um dos maiores problemas. Mas, precisamente por causa do que aconteceu, também seria possível entender como as relações são importantes”, diz Stefano Bartolini, professor de Economia Política e Economia da Felicidade na Universidade de Siena.
Em suma, quando o pânico tiver passado, deveremos evitar fingir que nada aconteceu. Por exemplo, deveremos lembrar que a retirada de metade dos leitos hospitalares criou uma situação difícil. E aproveitar a experiência deste período para enfrentar o futuro.
(EcoDebate, 16/03/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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