por Patrícia Kalil –
Um movimento jurídico global trabalha na criação de lei internacional para proteger o meio-ambiente e toda forma de vida contra agressões de grandes corporações e dos governos
O planeta está doente e os poucos com poder de decisão estão torrando tudo. Antes fosse por desprendimento, sede de mudança ou loucura. Nada disso. É a ganância que apaga a consciência desses poucos de sangue frio. É culpa também dos mecanismos de controle e vigilância que impedem os de sangue quente de perceberem o azul do céu e do mar. No ritmo que as coisas avançam, dá para saber que em pouco tempo vai faltar recursos (o gás Hélio já está acabando). Não vai ter herança, nem margarida, nem terra preta, nem água doce, nem umidade no ar. Ah, se pelo menos pudéssemos tirar uma foto histórica da crise civilizatória juntos. Que fossemos todos para Paris enfrentar esse climão de fim do mundo. Exclamaríamos juntos: quelle canicule, desprezando em desapego zen as roupas lindas de Givenchy, Dior e Chanel. Mas sabemos que isso não é possível. Não cabe todo mundo em Paris, somos quase 8 bilhões. Além do mais, assim como os americanos, os europeus não gostam muito de toda essa gente que não nasceu por lá. Rumos e muros.
Dia desses, em palestra transmitida online para todo cidadão conectado na internet poder ver, apareceu o famoso economista brasileiro Ladislau para explicar o colapso sistêmico global. Importante lembrar que em outro momento, Chomsky, o ilustre linguista, já havia pedido para todos decifrarem Ladislau e abrirem os olhos. Pois lá estava o economista de sandálias franciscanas explicando a perversidade das corporações globais e a necessidade de um despertar global.
O debate mundial entre economistas, juristas e cientistas da natureza sobre as condições do planeta é intenso. Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química de 1995, cunhou o termo Antropoceno para explicar a nossa era. A Terra não aguenta mais tanta destruição. Estamos aí com o aumento de desastres naturais, extinção acelerada de espécies provocadas por ação humana, poluição e crise mundial de lixo. Nem o setor financeiro tem argumentos para se defender quando mais de metade do mundo vive com menos de 6 dólares por dia. O número de famílias de baixa renda cresce em todos os países e a ampliação das desigualdades tem gerado um subproduto político perverso, com convulsões ditatoriais em diversos países. A Bienal de Taipei, em 2014, já falava sobre isso. A exposição principal e atual no Museu do Amanhã trata do mesmo tema.
Precisamos entender que é nesse contexto que o mundo questiona o retrocesso das políticas ambientais no Brasil. Para se ter ideia da velocidade do desmatamento este ano na Amazônia, são derrubados 19 campos de futebol de floresta por hora. Barulho de motosserra por toda parte, caminhões cheios de grãos em novas estradas e o vaivém de cargueiros nos rios amazônicos. Esse é o cenário do avanço do agronegócio na floresta. Para quem está longe, é possível acompanhar o desmatamento por imagens de satélite em tempo real que mostram a floresta sendo comida pelas bordas. Se o céu for o limite, atenção, o xamã yanomami já mandou avisar que o céu vai cair. Falar que a Europa desmatou no século retrasado e logo temos o mesmo direito é não entender nada. É fazer vista grossa, inclusive, para as consequências ambientais do crime da Vale em Minas Gerais, com a morte de duas bacias hidrográficas: rio Paraopeba e rio Doce. O contexto atual não nos permite mais agir de forma irresponsável com a água, nem com o meio ambiente, tampouco com os povos da floresta. Os tempos são outros. Simples assim.
O grande alerta é que o ritmo da destruição ambiental pode levar à extinção de nossa própria espécie em 2050. Calcule. Não é apenas um cientista louco que está dizendo isso. É a maioria da comunidade científica. De acordo com a teoria da ressonância mórfica, a informação que uma mudança radical na forma como fazemos as coisas é necessária já está na consciência coletiva.
Para nos alegrar um pouco, vamos agora falar de uma nova e possível era. O historiador e eco-teólogo americano Thomas Berry (1914-2009) se autodefinia como um Acadêmico da Terra. Entre seus livros, “The Great Work: Our Way Into The Future”, publicado dez anos antes de sua morte, falava do período de transição e entrada da humanidade na Era Ecozóica.
A transformação se daria por crescente pressão da opinião pública para garantir condições básicas de sobrevivência no futuro próximo. No século XXI, o crescimento de um movimento jurídico global caminha para criar uma base legal internacional em defesa da “comunidade da vida”. Essa jurisprudência da Terra começou a ser debatida de forma mais profunda a partir de 2010, com a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra e criação da Aliança Global pelos Direitos da Natureza. Surge a Aliança das Mulheres da Terra com o objetivo de fortalecer lideranças locais para movimentos ambientais de base.
Precisamos juntar o econômico, ambiental e social num sistema que funcione. E podemos. O leque de opções em causas urgentes do planeta é grande e variado: diminuição e cuidado com o lixo, diminuição de consumo, cuidado com a água, reflorestamento de áreas devastadas, proteção de animais, criação de áreas verdes urbanas, criação de hortas coletivas orgânicas urbanas, defesa de uma nova alimentação saudável e não industrializada ao alcance de todos, pela diminuição do uso de agrotóxicos, pela proteção dos povos tradicionais, pelo fim do trabalho infantil, pelo fim do trabalho escravo, pelo acolhimento de refugiados, pelo trânsito livre dos cidadãos do mundo, pelo acesso à informação, pela transparência, pela paz… Que comecemos hoje mesmo a defender causas que nos importam e que juntos façamos parte dessa aliança global para transformar o mundo. Porque a vida merece, as próximas gerações dependem dos passos que damos hoje. “O mundo é tão lindo!”, anotou o artista em um bilhete. É sim, a gente sabe disso.
Ilustração óleo sobre tela de José Roberto Aguilar
(O Boto/#Envolverde)
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