Proteção de araucárias está sob ameaça – Produtores rurais pressionam contra ações para preservar um dos ecossistemas menos conservados do Brasil. Duas unidades de conservação desse ecossistema foram engavetadas por pressão de ruralistas
Os esforços para conservar a mata de araucárias, vegetação típica do Sul do país e um dos ecossistemas menos preservados no Brasil, têm esbarrado na resistência de proprietários rurais e na falta de estrutura do governo federal. Reportagem de Estelita Hass Carazzai, na Folha de S.Paulo.
Das oito unidades de conservação planejadas pelo Ministério do Meio Ambiente, a serem criadas no PR e em SC, duas estão engavetadas por pressão de ruralistas e outras duas que já foram criadas estão sendo questionadas na Justiça por produtores.
Das outras quatro reservas decretadas, três ainda enfrentam resistências de parte dos proprietários, que dificultam o andamento das ações de preservação.
Até agora, nenhum proprietário cujas terras foram incluídas nas reservas foi indenizado -só a partir disso a área é considerada pública. No Paraná, a região em que estão as reservas é uma das principais produtoras de soja e milho e até hoje há fazendeiros no local. Em outras unidades, há também criação de gado, exploração de pinus e cultivo de erva-mate.
Os produtores -que não precisam sair enquanto não forem indenizados- argumentam que as áreas atingidas estão antropizadas (ocupadas pelo homem) há décadas e que não faz sentido incluí-las nas unidades. Para eles, as reservas foram criadas para o governo “mostrar serviço”, sem checar se de fato havia ou não o que preservar.
“Eles não vieram in loco. Pegaram uma foto [de satélite] e disseram: ‘Aqui tem verdinho. Vamos fazer um parque aqui’”, diz Gustavo Ribas Netto, 40, cuja propriedade foi integralmente incluída no Parque Nacional dos Campos Gerais (120 km de Curitiba).
Sua fazenda, de mil hectares, produz aproximadamente 1.200 toneladas de soja, milho e feijão por ano. Lá também são criadas cerca de 900 cabeças de gado.
O Ministério do Meio Ambiente diz que é possível -e necessário- recuperar as áreas degradadas, para garantir a preservação da mata de araucárias. Hoje, só restam 3% desse ecossistema.
“A pressão [sobre as áreas preservadas] é contínua e crescente”, afirma João de Deus Medeiros, diretor do departamento de Florestas do ministério. “Temos que trabalhar com a perspectiva de recuperação.”
Medeiros também diz que houve “intenso” trabalho de campo e realização de várias audiências públicas “”a despeito da resistência de alguns proprietários na época.
Segundo ele, algumas audiências foram feitas com proteção da Polícia Federal e biólogos do ministério chegaram a ser agredidos. Até agora, todas as ações que pediam na Justiça a revisão das áreas de conservação foram negadas. Alguns produtores, porém, continuam recorrendo das decisões, inclusive no STJ e no STF.
Na opinião deles, o governo poderia ter criado unidades de conservação mistas, que permitissem a participação dos proprietários. “A gente aprende a preservar desde pequeno. Isso aqui é nossa herança”, diz Vespasiano Bittencourt, 53, cuja propriedade (que tem 50% da área preservada) foi incluída numa das reservas.
O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, afirma que foi aberto um prazo para a apresentação de propostas de RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) para as regiões atingidas, mas diz que nada foi apresentado.
Unidades demoram para sair do papel da enviada
Apesar de terem sido decretadas entre 2005 e 2006, as seis unidades federais de conservação de araucárias passaram por dois anos de “limbo” antes de saírem efetivamente do papel. O motivo, segundo o próprio governo federal, foi a falta de estrutura para conseguir tocar as reservas de araucárias em frente. O Parque Nacional dos Campos Gerais, por exemplo, criado em 2006, só teve chefe nomeado em 2009.
SOLITÁRIO
A Reserva Biológica das Araucárias (também no Paraná) até hoje não tem chefe -um só servidor é o responsável pela unidade. O mesmo acontece no Parque Nacional das Araucárias, em Santa Catarina, onde também existe somente um funcionário.
Das seis unidades, apenas uma possui um plano de manejo “”documento que detalha os tipos de atividades que podem ou não ser desenvolvidas na área.
SEM PAGAMENTO
Em nenhuma das unidades de conservação houve indenização aos proprietários atingidos -embora três já tenham aberto processos para apurar o valor desses pagamentos.
“É um passo de cada vez”, diz o responsável pela Reserva Biológica das Araucárias, Jorge Marques, onde ainda está em andamento o levantamento fundiário da unidade, ou seja, o detalhamento das propriedades que estão dentro da reserva.
O coordenador do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) na região Sul do Brasil, Ricardo Castelli Vieira, admite as dificuldades, mas diz que houve um “avanço inegável” na implementação das unidades de conservação nos últimos dois anos. “A gente tem que fazer ginástica”, diz.
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FONTE : (EHC)(EcoDebate, 17/05/2011).
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