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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Nem ‘loucuras’ faltam nos ‘eventos climáticos extremos’, artigo de Washington Novaes

Em julho de 1975 o autor destas linhas foi a Pernambuco documentar para o programa Globo Repórter, da Rede Globo, as consequências de uma grande enchente no Rio Capibaribe, no Recife e adjacências. E entre os muitos dramas, não havia quem não comentasse uma estranha ocorrência. No momento em que se propagou pela região central do Recife a notícia de que a inundação já era forte e aumentaria ainda mais – pois a barragem de Tapacurá, a montante da cidade, se teria rompido -, estabeleceu-se o pânico. Pessoas abandonaram seus carros no meio das ruas e procuraram refúgio em edifícios. Nestes, um corte de energia, aliado à fuga de operadores, levou à paralisação de elevadores, com pessoas retidas dentro. No meio dessa confusão, ocorreu a uma alma generosa que era preciso libertar os “loucos” internados no asilo da Tamarineira, pois também ali os guardiães haviam sumido. Abriu os portões. Os internos saíram e imediatamente começaram a ordenar o trânsito caótico e a livrar pessoas presas nos elevadores. Mas era boato, a barragem não se rompera. E passado o susto os internos da Tamarineira foram recolhidos ao asilo e trancadas as portas.

Há poucos dias, a situação repetiu-se em parte no Recife. A meteorologia preveniu que estava a caminho forte chuva. As autoridades tomaram várias providências, incluindo a de liberar parte da água retida na barragem de Carpina, para não correr risco de rompimento. Mas, enquanto sobrevinha um início de pânico, o vento mudou, a chuva desviou-se, a barragem permaneceu intacta. Só que mensagens pelo Twitter e por telefones celulares continuavam a divulgar informação de rompimento da barragem. E o pânico cresceu, deu trabalho para ser contido (desta vez, sem ajuda de internos de asilos).

Mas se o Recife escapou do drama maior, no mesmo momento outras regiões de Pernambuco – as mesmas atingidas pelas enchentes do ano passado – estavam de novo envolvidas em tragédias, em 45 municípios. Desta vez, com 145 mil pessoas afetadas, vários mortos. Da mesma forma, em 10 municípios alagoanos atingidos em 2010. Sem falar no Rio Grande do Norte, Maranhão, Sergipe e Bahia. Ou, descendo no mapa, Rio Grande do Sul, onde em certas áreas em menos de três dias choveu o esperado para todo o mês, deixando 12 mortos e mais de 36 mil pessoas afetadas em 12 cidades. Na cidade de São Paulo, na primeira quinzena de abril choveu mais que o previsto para o mês (Estado, 19/4); em janeiro já caíra o dobro do esperado. No dia 26 de abril, pela primeira vez foi testado ali o sistema de alerta, quando em poucas horas choveu o dobro do previsto para todo o mês (Estado, 27/4).

O Brasil, como já se registrou aqui (22/4), é o país em sexto lugar (2008 a 2011) no número de mortos (10 pessoas por milhão de habitantes), 70% dos quais em deslizamentos de encostas – como tem lembrado o Centro de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia (SBPC, 6/5). O cientista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), adverte que só temos mapeadas, até aqui, 1.500 das 20 mil áreas de risco no País, em geral tomadas por populações que têm de abandonar áreas valorizadas e ocupar lugares de risco (como na Região Serrana do Rio de Janeiro, onde morreram 906 pessoas e 400 estão desaparecidas).

Principalmente para essas populações, é vital o desenvolvimento de sistemas de informação que habilitem a Defesa Civil a alertar para o risco de “eventos extremos”, em geral relacionados com mudanças climáticas. Ainda mais quando se lembra o relatório (Estado, 27/4) Vulnerabilidade das Megacidades Brasileiras às Mudanças Climáticas (Inpe, UFRJ, Fiocruz, Unicamp), já mencionado no mesmo artigo de 22/4, que prevê para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro um aumento de até 4,8 graus Celsius na temperatura ao longo deste século. Nesse Estado, ainda não se resolveu a situação de 7 mil famílias que continuam desabrigadas na Região Serrana, nem foram feitas as obras em 770 encostas, que custarão R$ 3,3 bilhões (Fernando Gabeira, 23/4).

Outro estudo do Inpe e do Met Office (O Globo, 11/5) diz que o índice de pluviosidade na Amazônia, até 2080, pode cair até 41%. Grandes estiagens e chuvas intensas serão mais frequentes, como já tem acontecido nos últimos anos, com secas e inundações inéditas e reflexos em todo o País. Inclusive na área da agricultura, em que a Embrapa tenta criar espécies de soja, milho e outras mais resistentes ao calor. Na última safra, foram significativas as perdas em culturas, principalmente no Centro-Oeste, com o calor e as chuvas, e no Sul, com as secas.

Colocado diante desse quadro, o cidadão perguntará o que as instituições globais, os governos dos países farão para enfrentar o panorama. E mais uma vez se espantará. A ONU já não espera que possa ser alcançado um acordo “vinculante”, obrigatório para todos os países, na próxima reunião da Convenção do Clima, no fim do ano, na África do Sul, como já se assinalou aqui. Tanto que o secretário-geral, Ban Ki-moon, se afastou das negociações. O único documento obrigatório na área – o Protocolo de Kyoto, que obriga os países industrializados a reduzir suas emissões em 5,2%, calculadas sobre as de 1990 – expira no ano que vem, antes de ser cumprido pela maior parte dos países e com as emissões ainda em alta.

Praticamente todos os especialistas na área – a começar pelo conceituado sir Nicholas Stern – consideram altamente improvável que se consiga suficiente redução de emissões para conter em 2 graus o aumento da temperatura da Terra até 2050. E isso terá consequências muito sérias, mais “eventos extremos”, mais elevação do nível do mar.

Então, é preciso correr com a chamada adaptação às mudanças. Mas os últimos acontecimentos mostram que também aí ainda vamos muito devagar – onde vamos.
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FONTE : Washington Novaes,jornalista. Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo. EcoDebate, 23/05/2011.

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