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sexta-feira, 1 de abril de 2022
Guerra da Ucrânia desidrata três décadas da Nova Ordem Mundial
Por Nilson Brandão* –
O mundo globalizado não será como antes e o multilateralismo, embora continue vivo, sairá cada vez mais violado depois da Guerra da Ucrânia.
Golpe para a economia global, a invasão russa desidrata um pouco mais a ordem mundial iniciada com a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da antiga União Soviética.
Emerge um mundo mais dividido e preocupado com formas autossuficiência, o que, aliás, foi grifado pelo CEO do BlackRock, Larry Fink, na recém-divulgada carta anual aos acionistas.
Para o CEO da maior gestora de ativos do mundo (US$ 9,5 trilhões), companhias e governos em todo o globo reavaliarão suas dependências e repensarão suas pegadas de fabricação e montagem – o que fará sentido assumir ou fazer mais perto?
“Enquanto a dependência da energia russa está no centro das atenções, empresas e governos também estarão olhando mais amplamente para suas dependências de outras nações”, diz Fink.
Desglobalização, inflação elevada e transição energética são mudanças estruturais. Até então, as ameaças à globalização eram governos populistas e protecionistas, além das barreiras à China
Para Adam Posen, presidente do Peterson Institute for International Economics, as reações econômicas à Rússia podem colapsar o país, mas também implicar feias e duradouras consequências sistêmicas para o mundo.
Quanto ao multilateralismo, conta um experiente diplomata brasileiro, parece que ele seguirá adiante, com mais violações do que progressos, embora ainda como referência para um mundo obstinado em ampliar trocas comerciais.
Mas qual a importância para o leitor comum dos impactos indiretos, talvez menos sentidos na primeira hora, da Guerra da Ucrânia, desde o fim de fevereiro?
Toda. Preços mais altos em energia e alimentos para famílias ao redor do globo. Interrupções no comércio internacional principalmente de insumos para produção de bens finais. Expectativas menos otimistas para a economia global.
No dia a dia, preço alto cala fundo no bolso do consumidor. Fica mais difícil fechar as contas do fim de mês.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já rebaixou o crescimento econômico esperado para o mundo este ano e amplificou a projeção de inflação.
Um rally de juros altos nas economias desenvolvidas termina por impactar economias em desenvolvimento, porque dificulta a atração de capitais, com o risco de desencadear novas crises.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta sobre os impactos nos preços de commodities, corrosão da renda, interrupções de comércios e crise de refugiados no entorno do conflito, incertezas sobre preço dos ativos, fuga de capital de mercados emergentes.
Na economia real, multinacionais que bateram em retirada da Rússia, com receio da opinião pública, enfrentarão baixas contábeis, novas estimativas de fluxo de caixa, depreciação de ativos e revisões de lucros. Isso não é trivial.
Sem precedentes históricos e unindo tantos países ao mesmo tempo, o volume de sanções governamentais faz crescer a demanda por consultoria jurídica e de compliance às normas restritivas impostas pelos países. Essa busca explodiu.
A conflagração no Leste Europeu produziu um choque na cadeia global de suprimentos. Rússia e Ucrânia respondem por um quarto das exportações globais de trigo e quase um terço da cevada. Da Ucrânia, sai metade do neon usado em microchips.
A guerra deixa rastro de destruição econômica para trás e gera extraordinário deslocamento potencial de ucranianos, que, estima-se, pode chegar a seis milhões. Seria a maior crise migratória, com todos seus efeitos, na Europa.
O risco de corte ou redução do fornecimento do gás natural russo desembainha cálculos e estudos na busca de autossuficiência energética. Países voltam a olhar mais para dentro. O sistema internacional apaziguado e integrado está sob suspeita.
“Com menos interconexão econômica, o mundo verá uma tendência de crescimento menor e menos inovação”, projetou Posen, na Foreign Affairs dessa semana.
Quão poderosa seria a troca e interconexão científica de diferentes países – russos inclusos –, em bases correntes, e que apenas um mundo menos dividido faria prosperar?
Conhecimento atuando em bloco e gerando enormes ganhos de produtividade na busca de solução para desafios humanitários, que não são poucos. A pandemia, ao menos, beneficiou-se disso.
Rússia e China somam 2,5 milhões de pesquisadores, enquanto Estados Unidos e aliados, 5,3 milhões. A China, no entanto, forma mais em ciências e engenharias do que os seis principais países ocidentais e asiáticos, segundo a Barron´s desta semana.
Analistas indicam o risco de que o mundo acabe mais ou menos organizado em torno dos Estados Unidos com liderança internacional revigorada e uma China pujante.
Uma polaridade antagônica prejudica a integração sobre a qual processos produtivos se estruturaram nas últimas décadas.
Com a guerra, nações ocidentais se organizaram em torno da liderança americana, projetada na defesa de sanções à Rússia. No extremo oriente, a China ouviu repetidas convocações para interceder no curso da guerra e foi comedida.
Um mundo no pós-guerra da Ucrânia, organizado em torno destas duas grandes potências, Estados Unidos e China, esta talvez junto com a Rússia, poderá exigir a escolha por parte dos demais países por um ou outro bloco. Quando melhor seria não ter de escolher.
* Nilson Brandão é advogado e jornalista, atua como consultor em Comunicação Corporativa e Reputação.
#Envolverde
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