Hidrelétricas infartam rios da Amazônia
IHU
Barragens já impedem a migração de peixes e a dispersão de sedimentos, ameaçando a biodiversidade e o bem-estar de mais de 30 milhões de pessoas.
A maior bacia hidrográfica do mundo está prestes a sofrer uma severa fragmentação se parte das 160 barragens em planejamento forem de fato construídas, afirmou uma equipe de pesquisadores dos EUA e de vários países da América do Sul em artigo publicado pela revista científica Science Advances. As hidrelétricas construídas na bacia do rio Amazonas para atender às crescentes demandas por eletricidade estão levando à extinção espécies de peixes e colocando em risco 30 milhões de habitantes que subsistem de seus rios.
A reportagem é publicada por Observatório do Clima, 02-02-2018.
O mapeamento revelou que 142 hidrelétricas de vários tamanhos já operam na região, o dobro do relatado em canais oficiais, e que elas estão causando mais impacto à natureza do que se imaginava. Os protocolos de impacto ambiental e de licenciamento apresentados pelas empresas ignoram os efeitos cumulativos de construir múltiplas barragens em uma rede fluvial ou uma bacia hidrográfica. “Se a situação continuar sem controle ou gestão integrada, os efeitos serão devastadores ao ecossistema nos próximos anos”, diz a ecologista Elizabeth Anderson, da Universidade Internacional da Flórida, em Miami, principal autora do estudo.
O impacto ambiental das hidrelétricas atinge diretamente os peixes migratórios, entre eles a dourada, um grande bagre migratório (celebrizado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva na “crise do bagre”, em 2006), que caminha para a extinção no Peru e na Bolívia. O complexo hidrelétrico do rio Madeira impede a travessia de cardumes da foz do Amazonas até o rio Mamoré, na Bolívia.
Para dar uma ideia, pelo menos 3.500 espécies de peixe habitam os rios da Bacia Amazônica. Apenas nas cabeceiras andinas da Amazônia foram contadas 671 espécies.
As variações nas correntes dos rios e na química das águas também ameaçam os mamíferos de água doce, como os botos e as ariranhas. Durante a estação chuvosa eles costumavam avançar pela região inundada e se alimentar de frutos, mas são impedidos pelo bloqueio de rotas de migração e mudanças dos níveis da água, revela a ecóloga Sandra Bibiana Correa, da Universidade Estadual do Mississippi, nos EUA.
Os rios de origem andina também deveriam exportar quantidades maciças de sedimentos, matéria orgânica e nutrientes para as terras baixas, além de contribuir com cerca de metade do fluxo anual da água doce da Amazônia. Mas esse sistema não está funcionando como o esperado, já que as barragens impedem a dispersão natural do material particulado.
Os rios amazônicos, sobretudo, servem diretamente a mais de 30 milhões de pessoas, que se alimentam de seus peixes, cultivam grãos em suas margens e sobrevivem da venda de produtos florestais. “A construção das barragens está modificando toda a dinâmica de abastecimento; desmatando áreas de floresta, alagando ou esvaziando locais estratégicos para a população”, disse Anderson.
Entre os rios afetados pela falta de conectividade estão o Napo, que nasce no Equador, atravessa o Peru e deságua na margem esquerda do Solimões; o Beni, que nasce na cordilheira dos Andes e deságua no rio Madeira, na fronteira com o Brasil; e o Mamoré, um curso de água da bacia do Amazonas que nasce da confluência do rio Chapare com o rio Mamorecillo, na Bolívia.
A análise enfatiza a necessidade urgente de maior cooperação internacional para o gerenciamento de água transfronteiriça, algo que atualmente não está no planejamento hidrelétrico da Amazônia. O estudo ainda aponta que nenhum país da Amazôniaratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Cursos de Águas, que se aplica ao uso de cursos de água internacionais para fins diferentes de navegação e trabalha para promover medidas de proteção, preservação e gestão de águas internacionais.
Esforços financeiros globais para proteger a riqueza biológica e cultural da Amazônia andina, segundo os pesquisadores, concentraram-se, em sua maior parte, na criação e manutenção de uma rede de áreas protegidas e territórios indígenas – e que todo esse esforço, segundo eles, pode ser frustrado pelas alterações de rios e paisagens modificadas pela construção de barragens e hidrelétricas.
O estudo ainda sugere que os recentes escândalos de corrupção econômica do Brasil têm levado empresas brasileiras a investir na construção de barragens em países andinos e que o Peru estaria cada vez mais perto de viabilizar a Hidrovia Amazônica, que envolve a dragagem e a canalização de longos trechos de rios da Amazônia, com potencial de gerar grandes perdas para o ecossistema.
(EcoDebate, 06/02/2018) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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