Hoje, terça-feira (11), deputados e senadores votam relatório que deixa 660 mil hectares de áreas protegidas no oeste do Pará vulneráveis à grilagem e ao desmatamento.
O coordenador do Programa Amazônia, do WWF-Brasil, Ricardo Mello, acredita que essa escalada de redução de unidades de conservação coloca em risco compromissos brasileiros assumidos internacionalmente no âmbito das Convenções do Clima e da Biodiversidade
Uma manobra comandada pelo deputado José Priante (PMDB/PA), relator da Medida Provisória (MP) 756 que altera limites de Unidades de Conservação (UCs) federais na bacia do rio Tapajós, pode deixar vulneráveis seiscentos e sessenta mil de hectares de áreas protegidas no oeste do Pará. Trata-se de uma região vital, que poderia evitar a fragmentação de um trecho de florestas no coração da Amazônia. A manobra se dá na Comissão Mista do Senado presidida pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA).
Hoje (11), os parlamentares da Comissão devem votar o relatório, que depois vai aos plenários da Câmara e do Senado. O deputado Priante desconsiderou acordos feitos com o Ministério do Meio Ambiente para mexer nos limites da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim e outras unidades de conservação (UCs) da região para permitir a regularização fundiária de ocupantes da área. O acordo previa que parte da Flona (cerca de 300 mil hectares) seria transformada em Área de Proteção Ambiental (APA), para assegurar as ocupações, sobretudo dos que lá estavam antes da criação da UC, em 2006. Entretanto, a APA é mais frágil de todas as categorias de conservação.
O combinado também aumentava a proteção de outra parte da Flona (437 mil ha), que passaria a fazer parte do Parque Nacional (Parna) do Rio Novo, mas isso foi ignorado no relatório que vai a votação. O relatório apresentado por Priante surpreendeu: o deputado acatou 12 das 15 emendas de parlamentares à MP original vinda do governo Temer. O texto do Executivo previa uma redução geral em cerca de 300 mil hectares – que já era preocupante. O relatório de Priante mais do que dobrou esse número. A redução geral passou de 300 para 660 mil hectares: a perda para a Flona Jamanxim passou de 300 para 480, a ampliação do Parna Rio Novo foi cancelada e, em um novo golpe, o relatório acatou a do senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA) e reduziu a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo em 180 mil hectares para criação de uma APA. E, de “contrabando”, o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, foi reduzido em 10 mil hectares.
Se aprovado, o relatório abre precedente para que boa parte das áreas protegidas na Amazônia se transforme em pasto e garimpo. O Parna do Rio Novo, a Flona Jamanxim e a Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo são áreas protegidas criadas para conter o desmatamento na região de influência da BR-163.
A anistia concedida aos desmatadores pelo novo Código Florestal, a redução de unidades de conservação, a falta de gestão e fiscalização e a regularização de áreas invadidas por especuladores foram sinais vindos do governo que estimularam o surto de ocupações em terras da União, como o que ocorreu na região. O motivo alegado pelos deputados e senadores que apoiam a medida é a proteção das famílias que chegaram na região antes da criação da Floresta Nacional. Algumas delas realmente estão lá há mais de 30 anos, e precisam ter os seus direitos assegurados. O problema é que, além de beneficiar essas famílias, os congressistas estão abrindo brechas para grileiros e especuladores que entraram depois de 2006, e estão ocupando e desmatando a floresta na expectativa de regularização futura para fazer fortuna com a venda de terras públicas.
Fronteira da ilegalidade
Estudo recente do Instituto do Homem e do Meio Ambiental da Amazônia (Imazon) mostrou que a Flona do Jamanxim encabeça a lista das 50 unidades de conservação federais mais desmatadas de 2012 a 2015 em toda a Amazônia, revelando a forte pressão que ocorre na área, à revelia do Estado. Somente em 2015, a Flona perdeu 9,2 mil hectares de floresta – 87% a mais do que no ano anterior. É uma fronteira estabelecida de crimes ambientais, como grilagem de terras públicas, garimpo ilegal, tráfico de madeira e invasão de áreas protegidas.
“Não há produção agropecuária expressiva em Jamanxim. Colocam uma cabeça de gado para justificar a ocupação de terra. Essa bandeira é para beneficiar os grandes especuladores”, complementa a pesquisadora Elis Araújo, do Imazon, autora do estudo. Segundo ela, o valor do hectare desmatado na região aumentou dez vezes desde o início do asfaltamento da BR-163.
ARPA dilapidado
“A redução das florestas protegidas na bacia do Tapajós é o começo de um ataque sem precedentes à Amazônia. Outras florestas protegidas aguardam na fila para serem reduzidas em favor da expansão das pastagens e lavouras de soja”, alerta Ciro Campos, do Instituo Socioambiental (ISA).
No Amazonas, já está em análise a redução de 1 milhão de hectares de parques e florestas nacionais. A lista de unidades na mira dos congressistas já ultrapassa 3 milhões de hectares de florestas que, em breve, podem deixar de existir. Esse conjunto de reduções vai resultar em mais desmatamento e pode comprometer o papel da floresta no transporte das chuvas para a região centro-sul do país, com prejuízos para a agricultura nacional, a geração de energia e o abastecimento de água. “Essa escalada de redução de unidades de conservação coloca em risco compromissos brasileiros assumidos internacionalmente no âmbito das Convenções do Clima e da Biodiversidade”, acrescenta Ricardo Mello, coordenador do Programa Amazônia, do WWF-Brasil. Segundo ele, o ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia), maior programa de áreas protegidas do mundo poderá ser dilapidado se não houver um compromisso do governo.
“Além de promover injustiça e devastação, a MP 756 certamente será judicializada, trazendo ainda mais insegurança jurídica para uma região já conflituosa. A redução de UCs não pode ser feita às pressas, via Medida Provisória, assim como não é permitido incluir outros temas que não estavam no texto original, os chamados ‘contrabandos’, conforme decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal julgada em 2015”, lembra o advogado do ISA, Maurício Guetta.
Colaboração de Giovanna Leopoldi, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/04/2017
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