No caso específico dos deslizamentos, ou são ocupados terrenos que por sua alta instabilidade geológica natural não deveriam nunca ser ocupados – é o caso das expansões urbanas sobre a Serra do Mar, ou são ocupadas áreas de até baixo risco natural, perfeitamente passíveis de receber a ocupação urbana, mas com tal inadequação técnica que, mesmo nessas condições naturais mais favoráveis, são geradas situações de alto risco geotécnico – é o caso de São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e tantas outras cidades brasileiras.
O fato é que, ao lado das deficiências crônicas de nossas políticas habitacionais, o que acaba obrigando a população mais pobre a buscar solução própria de moradia em áreas geologicamente problemáticas, não possuímos no país uma cultura técnica arquitetônica e urbanística especialmente dirigida à ocupação de terrenos de acentuada declividade. Isso se verifica tanto nas formas espontâneas utilizadas pela própria população de baixa renda na auto-construção de suas moradias, como também em projetos privados ou públicos de maior porte e perfeitamente regulares que contam com o suporte técnico de arquitetos e urbanistas. Em ambos os casos, ou seja, no empirismo popular e nos projetos mais elaborados, prevalece infelizmente a cultura técnica da área plana. Isto é, através de cortes e aterros obtidos por operações de terraplenagem obsessivamente busca-se produzir os platôs planos sobre os quais irá ser edificado o empreendimento. Esse tem sido o cacoete técnico que está invariavelmente presente na maciça produção de áreas de risco a deslizamentos nas cidades brasileiras que, de alguma forma, crescem sobre relevos mais acidentados.
É imperiosa a necessidade da arquitetura e do urbanismo brasileiro incorporarem em sua teoria e sua prática os cuidados com as características geológicas dos terrenos afetados. Essa nova cultura automaticamente levaria a uma mais estreita colaboração entre Arquitetura, Geologia e Geotecnia. Como concisa diretriz, podemos entender que está colocado o seguinte desafio à arquitetura e ao urbanismo brasileiros: usar a ousadia e a criatividade para adequar seus projetos à Natureza, ao contrario de burocraticamente pretender adequar a Natureza a seus projetos.
************************
FONTE : Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
- Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
- Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
- Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
- Articulista do Portal EcoDebate
Nenhum comentário:
Postar um comentário