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terça-feira, 27 de janeiro de 2009
A CIDADE DAS MENINAS
FOTO : Aula de caratê em Jardim Olinda (à esq.): elas dominam a classe.
À direita, a dona-de-casa Ana Schmitz e cinco de suas seis filhas:
"Tentei demais ter um menino, mas desisti"
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Em Jardim Olinda, no Paraná, nascem muito mais
mulheres do que homens. Um estudo revela que
o motivo é a contaminação da população por
agrotóxicos. Eles desequilibram o sistema endócrino,
favorecendo o nascimento de bebês do sexo feminino
Na cidade de Jardim Olinda, no norte do Paraná, com 1 600 habitantes, há mais garotas do que garotos jogando futebol nas ruas. A maior parte das famílias tem mais mulheres do que homens e, nos fins de tarde, é comum ver grupos só de irmãs sentadas na frente das casas. Essa predominância feminina ocorre porque há duas décadas nascem muito mais meninas do que meninos em Jardim Olinda. Em 2005, só 32% dos nascimentos foram de homens. No ano anterior, apenas 26%. Na média dos últimos sete anos, 61% dos partos trouxeram à luz bebês do sexo feminino. O fenômeno não é obra do acaso. Um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública mostra que em Jardim Olinda e em outras sete cidades do norte paranaense essa supremacia ocorre por causa da contaminação da população por agrotóxicos. Algumas substâncias presentes nesses produtos são confundidas com hormônios pelo organismo, desequilibrando o sistema endócrino e favorecendo a fecundação por espermatozoides com carga genética feminina. Entre os produtos com maior potencial de influir no sistema endócrino estão os inseticidas à base de cloro, como o DDT e o BHC. Na década de 80, esses inseticidas foram aplicados largamente nas plantações do norte do Paraná, deflagrando um processo que culminou na disparidade entre o nascimento de homens e mulheres. "Com grande resistência à decomposição, os pesticidas se acumulam no lençol freático e entram na cadeia alimentar humana por meio da água e dos animais que comem plantas contaminadas", explica o toxicologista Sergio Rabello, da Fundação Oswaldo Cruz.
Parte dos agrotóxicos usados no passado só agora produz efeitos nocivos. "Toneladas de BHC, enterradas pelos agricultores décadas atrás, estão chegando aos rios", diz Rasca Rodrigues, secretário do Meio Ambiente do Paraná. Embora proibidos há vinte anos, os pesticidas organoclorados ainda são usados clandestinamente e poluem os rios paranaenses – em agosto, a cidade de Arapongas teve o abastecimento de água cortado por causa da contaminação por agrotóxicos. Os irmãos Otaviano e José de Lima Pereira, agricultores, moram desde pequenos a 70 metros da roça. "Aos 12 anos eu já aplicava veneno nas plantações de algodão duas vezes por semana", diz Otaviano. Ele hoje tem dois filhos – duas meninas. Na casa ao lado mora o irmão, pai de quatro filhos (três são garotas). "Tentei até demais ter um menino, mas desisti", conta a dona-de-casa Ana Schmitz, mulher de boia-fria e mãe de seis filhas. O desequilíbrio entre os sexos altera a rotina dos moradores de Jardim Olinda. "Só dá mulher nos bailes", diz Cleuza Antonia de Oliveira, coordenadora do Clube de Mães da cidade, que tem duas filhas, um filho e três netas. "Não fossem os homens de fora, nós estaríamos perdidas", brinca a atendente da única farmácia do município, Edivaneide Marcelino. Entre os quarenta alunos da aula de caratê da prefeitura, 25 são garotas.
A pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública foi feita no Paraná porque o estado é o único que dispõe de dados sobre a venda de agrotóxicos nas décadas passadas, mas supõe-se que o mesmo fenômeno ocorra em outros lugares do Brasil. Um relatório divulgado em dezembro pela ONG inglesa Chem Trust, baseado em duas centenas de estudos internacionais, mostra que já houve aumento anormal da população feminina em regiões da Itália, Rússia, Canadá, Estados Unidos e Japão. O relatório informa que vários animais também têm seus hormônios afetados por causa do contato com determinados produtos químicos, entre eles os peixes, os sapos e as rãs. "Os vertebrados têm receptores hormonais parecidos. Por isso a alteração no sistema endócrino é comum a várias espécies", disse a VEJA a bióloga Gwynne Lyons, autora do relatório. Para as mulheres de Jardim Olinda, a expressão "está faltando homem" é uma dura realidade.
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FONTE : Leandro Narloch, de Jardim Olinda (VEJA.Edição 2094, 7 de janeiro de 2009)
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