Para os especialistas, a transferência do patrimônio das instituições para uma divisão da Semai ameaça a autonomia das pesquisas e o valioso acervo científico sobre a biodiversidade rio-grandense
Por Cleber Dioni Tentardini / Publicado em 2 de maio de 2019
O governo do Estado vai fechar a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul e, com isso, deixam de existir as três instituições a ela vinculadas: o Museu de Ciências Naturais, o Jardim Botânico de Porto Alegre e o Parque Zoológico. As nomenclaturas irão permanecer, mas seus patrimônios material e imaterial passam a fazer parte do Departamento de Biodiversidade (DeBio), da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Semai).
A medida foi confirmada nesta manhã de quinta-feira, 2, pelo procurador do Estado Gustavo Petry, durante audiência na 10ª Vara da Fazenda Pública, do Foro Central. A reunião foi convocada pelo juiz Eugênio Couto Terra, responsável por julgar a ação civil pública do Ministério Público, ajuizada quinze dias depois que a extinção da FZB foi autorizada pelo governo Sartori, em 17 de janeiro de 2017.
As promotoras de Justiça Ana Maria Marchesan, Annelise Steigleder e demais colegas da Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre pedem ao Executivo uma série de medidas que garantam a continuidade das pesquisas e a preservação das coleções científicas. Tanto o MCN como o JB são instituições sexagenárias e possuem o maior acervo da biodiversidade rio-grandense. No último levantamento, de 2018, as coleções somavam mais de 600 mil exemplares da fauna e flora nativas, atual e fóssil.
“O governo precisa nos assegurar de que serão preservadas as pesquisas, os laboratórios, a biblioteca e os equipamentos, as atribuições de conservação, formação de recursos humanos, museologia e educação ambiental. Tem que nos garantir que irá manter a área física total do Jardim Botânico e providenciar a reparação do muro, o que já deveria ter sido feito há muito tempo”, destacou a promotora Ana Marchesan.
O JB é um dos cinco melhores do país e, além do arboreto, possui um banco sementes e um viveiro com produção de mudas inclusive de espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção. Mas, dos 81 hectares, desde sua fundação há 61 anos, restam 36ha.
O novo diretor do DeBio, o engenheiro agrônomo Diego Melo Pereira, assegurou que a área não sofrerá qualquer redução de tamanho e que está sendo feita uma avaliação para consertar o muro. Ele garantiu que, apesar de extintos os CNPJs, as atividades do museu e do JB serão mantidas, assim como as nomenclaturas, agora vinculadas à uma nova divisão técnica criada no DeBio. Inclusive o Zoo, enquanto sua concessão não for repassada à iniciativa privada, e a Reserva Florestal Padre Balduíno Rambo, uma área de quase 600 hectares entre São Leopoldo e Sapucaia do Sul, cujo destino ainda é desconhecido.
“A Secretaria está elaborando um diagnóstico das coleções científicas, em conjunto com os 15 curadores nomeados dentro da nova estrutura, que será concluído ainda em maio e, num segundo momento, será feito um plano de ação para ser apresentado aos servidores, aos promotores de Justiça e anexado ao processo”, afirmou Pereira.
Os 151 servidores que pertenciam à Zoobotânica passaram a compor um “Quadro Especial” vinculado diretamente à pasta do Meio Ambiente, o que é motivo de preocupação entre os servidores, que perdem a autonomia técnica ao serem integrados a um órgão da administração direta.
Os advogados Marcelo Mosmann e Nilton Silva, que representam a Associação dos Funcionários da FZB e quatro entidades ambientalistas, advertem que até o momento o Estado não tem um plano definitivo de como as funções da FZB serão assumidas pela Semai. “O governo pretende determinar quais temas serão estudados pelos pesquisadores, e isso interfere na autonomia das pesquisas e vai prejudicar as políticas públicas ambientais”, ressaltam.
O juiz Eugênio Terra permitiu o ingresso das entidades Agapan, Inga, União pela Vida e Igre para atuarem ao lado do Ministério Público no processo, que já possui 1.587 páginas em oito volumes. Deu um prazo de 60 dias para que promotores e o governo realizem reuniões extrajudiciais a fim de tentar chegar a um acordo. Depois, realizará nova audiência.
O biólogo Marco Azevedo, especialista em peixes no Museu de Ciências Naturais, diz que há incertezas quanto à continuidade de algumas atividades. “Ao perdermos o caráter jurídico da fundação e do museu, ficando apenas com a nomenclatura, poderemos participar de editais voltados ao financiamento de projetos de pesquisa, de bolsas de estudo para estudantes? Como fica a captação, gerenciamento e destinação de recursos, já que com a extinção da FZB não temos mais orçamento próprio? Teremos o reconhecimento das agências de fomento enquanto pesquisadores?”, questiona Azevedo.
Azevedo lembra ainda do curso de mestrado acadêmico, Sistemática e Conservação da Diversidade Biológica, aprovado pela Capes no ano passado, que seria oferecido pela Uergs em parceria com a FZB, agora extinta. O corpo docente envolve 13 pesquisadores da FZB e quatro da Uergs. “Isso será autorizado?”, indaga o pesquisador. E a proposta de que a Universidade absorva o patrimônio e os serviços da Fundação?”, complementa.
Cientistas lamentam ataque ao conhecimento científico
Ludwig Buckup, um dos idealizadores do Museu Ciências Naturais: “Qual é o interesse em acabar com esse gigantesco e valiosíssimo acervo documental da diversidade biológica rio-grandense? Acredito que o objetivo é atacar a autonomia técnica dos pesquisadores, que estão a serviço do Estado e não de interesses corporativos desta ou daquela gestão.”
Bióloga e professora Carla Suertegaray Fontana, curadora da Coleção de Aves e Mamíferos da PUCRS e presidente da Sociedade Brasileira de Ornitologia: “As coleções biológicas são patrimônio ambiental da humanidade. Os Museus são fiéis depositários deste patrimônio, que é de todos nós. O MCN é uma dessas instituições e sua coleção de aves, por exemplo, ocupa o sexto lugar no ranking das 38 melhores coleções brasileiras de aves.”
Biólogo e professor Luiz Malabarba, vice-diretor do Instituto de Biociências da UFRGS e presidente da Sociedade Brasileira de Ictiologia: “Os acervos guardados por curadores especializados contêm testemunhos insubstituíveis de incontáveis estudos e publicações produzidos ao longo de décadas, pois seus autores depositaram sua confiança na solidez de uma instituição pública histórica, como é o Museu de Ciências Naturais.”
Historiadora Zita Possamai, professora de Museologia e Patrimônio da Ufrgs: “Aqui, no Estado, a ignorância parece imperar na vontade de desmontar uma instituição que produz conhecimento inestimável para que as futuras gerações aprendam a proteger nosso meio ambiente.”
Professor Fernando Becker, da Ecologia da Ufrgs: A extinção do MCN compromete a possibilidade do Estado cumprir sua função de gestor e formulador de políticas públicas em meio ambiente, já que são os pesquisadores qualificados e treinados do MCN que analisam e sintetizam as informações sobre biodiversidade do RS. “Essas tarefas não podem ser terceirizadas, em projetos de curto prazo, que são, cada vez, realizados por empresas diferentes, com qualificação imprevisível, e cuja memória técnica e o conhecimento se perdem com o fim do contrato, assim como a possibilidade de uso e reuso em longo prazo.”
Um comentário:
ESTA COMPLETAMENTE ERRADO O governo.É gasta recursos de mais de 150 milhões por ano mantendo a Emater que é privada para dar assistência técnica a produtores financiados da soja etc. Oriundo do BNDS que teriam condições de financiarem sua extensão rural.O impacto financeiro para manter a Zoobotanica e mínimo dos mínimos visto que o estado pode financiar recursos das compensações ambientais para elaboração de planos de manejo e outras atividades de conservação da natureza e não jogar no caixa único. Fiz isso quando diretor do DEFAP e foi um sucesso.Vontade Política e amor ao meio ambiente.
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