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quarta-feira, 22 de maio de 2019

Agrotóxicos chegam às bacias de abastecimento público

Agrotóxicos chegam às bacias de abastecimento público. Entrevista especial com Denise Barbosa da Veiga

Por Patricia Fachin, IHU
A combinação entre o uso intensivo de agrotóxicos em culturas agrícolas e a escassa cobertura vegetal de matas ciliares próximo a bacias de abastecimento público tem favorecido o escoamento de agrotóxicos para mananciais e pode contaminar a água, diz a geógrafa Denise Barbosa da Veiga, autora da pesquisa “O impacto do uso do solo na contaminação por agrotóxicos das águas superficiais de abastecimento público”.
Em 2015, Denise monitorou duas bacias de abastecimento público em municípios paulistas onde há cultivo de cana-de-açúcar e de verduras e legumes. O monitoramento, informa, “apontou a presença de até seis agrotóxicos diferentes em ambos os mananciais ao longo do ano monitorado, as amostras foram coletadas em água bruta (anterior ao tratamento para consumo humano), e todas as ocorrências estiveram abaixo dos padrões estipulados pela Portaria de Potabilidade da Água quando da água tratada”. Apesar da água analisada não estar contamina por agrotóxicosDenise menciona que “a pesquisa apontou áreas com maior escoamento superficial e ausência ou deficiência das Áreas de Proteção Permanente ao longo dos mananciais”. A falta de matas ciliares no entorno das bacias, explica, contribui para o escoamento de agrotóxicos para os rios. “As matas ciliares funcionam como filtros que retêm parte dos poluentes utilizados pelas atividades antrópicas, de modo que a preservação ambiental é de extrema importância para a proteção dos mananciais”, diz.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, a pesquisadora afirma que “a melhor medida para evitar a contaminação da água por agrotóxicos é a redução ou a eliminação do seu uso em bacias que apresentem mananciais destinados ao abastecimento público, incentivando modos de produção mais seguros e sustentáveis”.
Denise Barbosa da Veiga é graduada em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade São Paulo – USP, mestra e doutoranda em Ciências pelo programa de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como foi feita a sua pesquisa intitulada “O impacto do uso do solo na contaminação por agrotóxicos das águas superficiais de abastecimento público”?
Denise Barbosa da Veiga – A minha pesquisa de mestrado foi um desdobramento do Projeto FAPESP/PPSUS 50016-3 intitulado “Avaliação dos resíduos de pesticidas e protozoários patogênicos em água de abastecimento público do Estado de São Paulo”, conjuntamente entre o Centro de Vigilância Sanitária da SES/SP e a Faculdade de Saúde Pública — USP que monitoraram a quantidade de agrotóxicos e patógenos na água em 26 municípios paulistas no período de dezembro de 2014 a novembro de 2015.
Para a pesquisa escolhemos os dois pontos de captação que apresentaram a maior variedade de agrotóxicos na água. Dessa forma, foi realizada a delimitação da área de recarga do ponto de captação e o mapeamento do uso do solo nessas bacias. Posteriormente, foi realizada uma modelagem hidrológica para identificar as áreas de maior escoamento superficial que são consideradas áreas que podem estar contribuindo para o carreamento de agrotóxicos e outros contaminantes na água.
Para maiores detalhes da metodologia utilizada, acessar a dissertação disponível aqui.
IHU On-Line – Quais bacias de mananciais de abastecimento público você analisou? Pode nos descrever a situação ambiental dessas bacias?
Denise Barbosa da Veiga – Foram analisadas duas bacias de abastecimento público, uma no município de Santa Cruz das Palmeiras – SP, ocupada predominantemente por cana-de-açúcar, e outra no município de Piedade – SP, com produção predominante de verduras e legumes.
IHU On-Line – A sua pesquisa identificou áreas vulneráveis e contaminadas por agrotóxicos nessas bacias?
Denise Barbosa da Veiga – A pesquisa apontou áreas com maior escoamento superficial e ausência ou deficiência das Áreas de Proteção Permanente ao longo dos mananciais. A supressão da mata ciliar contribui para o escoamento de agrotóxicos para os rios, e as áreas com maior ocupação agrícola apresentaram os maiores valores para escoamento superficial. Consideramos que essas áreas devam ser prioritárias para ações de fiscalização agrícola bem como de educação ambiental e de monitoramento da água.
como as matas protegem as nascentes(Foto: EcoBrasil)
IHU On-Line – O uso de agrotóxicos tem contaminado, além do solo, a água usada para abastecimento público? Pode nos explicar como se dá essa contaminação da água?
Denise Barbosa da Veiga – O uso intensivo de agrotóxicos, combinado com escassa cobertura vegetal e ausência da mata ciliar em bacias de ocupação agrícola, é um cenário propício para o escoamento de agrotóxicos para os mananciais. Os agrotóxicos aplicados nas culturas agrícolas podem atingir os mananciais dependendo do volume aplicado, a forma de aplicação e as condições climáticas nos dias de aplicação. A lavagem inadequada dos equipamentos utilizados bem como odescarte irregular das embalagens utilizadas também pode contribuir para esse escoamento.
IHU On-Line – O que a pesquisa demonstrou sobre a qualidade da água? Que percentual de agrotóxicos foi encontrado na água analisada?
Denise Barbosa da Veiga – O monitoramento realizado em 2015 apontou a presença de até seis agrotóxicos diferentes em ambos os mananciais ao longo do ano monitorado, as amostras foram coletadas em água bruta (anterior ao tratamento para consumo humano), e todas as ocorrências estiveram abaixo dos padrões estipulados pela Portaria de Potabilidade da Água quando da água tratada.
IHU On-Line – Quais são os riscos da contaminação da água por agrotóxicos?
Denise Barbosa da Veiga – A presença de agrotóxicos em mananciais de abastecimento público deve ser analisada com atenção e cautela para que estejam sempre abaixo dos parâmetros preconizados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, que estipula valores baseando-se na proteção da vida aquática.
Mesmo esses valores estando abaixo, é importante o acompanhamento contínuo para identificar possíveis riscos tanto à biodiversidade quanto à saúde humana. O consumo de resíduo de agrotóxico apresenta riscos à saúde a depender das propriedades toxicológicas de cada substância [1], das formas de exposição e do prolongamento dessa exposição.
IHU On-Line – Como é feito o monitoramento da qualidade da água nos municípios brasileiros? Que ações preventivas e de vigilância da qualidade da água são feitas nos municípios?
Denise Barbosa da Veiga – No Brasil, o monitoramento de agrotóxicos em água de consumo humano é determinado pelo Anexo XX da Portaria de Consolidação nº 5/2017, que determina o monitoramento de 27 agrotóxicos ao menos duas vezes no ano. Essas análises devem ser feitas pelos sistemas de abastecimento de água e informadas às Vigilâncias Sanitárias Municipais. Esse monitoramento deve considerar as culturas agrícolas presentes na bacia de modo que a coleta da água seja determinada de acordo com o calendário agrícola da região. Se necessário, os sistemas podem monitorar outros agrotóxicos para além dos 27.
IHU On-Line – O que pode ser feito para evitar a contaminação da água por esse tipo de substância?
Denise Barbosa da Veiga – A melhor medida para evitar a contaminação da água por agrotóxicos é a redução ou a eliminação do seu uso em bacias que apresentem mananciais destinados ao abastecimento público, incentivando modos de produção mais seguros e sustentáveis.
Na impossibilidade dessa eliminação, é importante que os órgãos de fiscalização da agricultura acompanhem as vendas e a aplicação desses produtos nas propriedades próximas aos mananciais, e que os órgãos de meio ambiente e de saúde tenham acesso às informações de uso de agrotóxicos para que possam agir preventivamente, identificando os períodos de maior risco aos mananciais.
IHU On-Line – Como a prevenção dos mananciais pode contribuir para garantir a qualidade da água?
Denise Barbosa da Veiga – As matas ciliares funcionam como filtros que retêm parte dos poluentes utilizados pelas atividades antrópicas, de modo que a preservação ambiental(manutenção das Áreas de Preservação Permanentes – APPs) é de extrema importância para a proteção dos mananciais. A restrição de uso de agrotóxicos em áreas próximas aos rios ou de alta declividade contribui para a redução de contaminantes tanto no solo como na água. A restrição da pulverização aérea também é uma forma de diminuir a contaminação dos mananciais e do ar.
A escolha de produtos de baixa toxicidade e baixa periculosidade ambiental em detrimento daqueles mais tóxicos também é uma medida que pode proteger a saúde do meio ambiente e humana.


Nota:

[1] A Faculdade de Saúde Pública de São Paulo elaborou o portal Ariadne – Sistema de Informações sobre Agrotóxicos para avaliar a toxicidade dos agrotóxicos mais comercializados no Estado de São Paulo, bem como o mapeamento das pulverizações aéreas. O site pode ser acessado aqui. (Nota da IHU On-Line)

(EcoDebate, 22/05/2019) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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