Ação questiona Emenda Constitucional que define vaquejada como prática não cruel e leis que consideram a prática como manifestação da cultura nacional e patrimônio cultural imaterial
“Maus tratos intensos a animais são inerentes às vaquejadas, indissociáveis delas, pois, para derrubar o boi, o vaqueiro deve puxá-lo com energia pela cauda, após torcê-la com a mão para maior firmeza”. Esse é um dos trechos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5772 proposta pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra normas que reconhecem a prática da vaquejada como atividade esportiva e patrimônio cultural imaterial.
A ação é contra a Emenda Constitucional 96/2017, segundo a qual práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis, desde que sejam manifestações culturais. O procurador-geral também questiona a Lei 13.364/2016, que eleva a prática de vaquejada à condição de patrimônio cultural imaterial brasileiro, e a Lei 10.220/2011, que institui normas gerais relativas à atividade de peão de rodeio e o equipara a atleta profissional.
O procurador-geral recorda a decisão recente do STF na ADI 4983, que considerou inconstitucional lei do Ceará que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural no estado. Segundo ele, a jurisprudência do STF é pacífica em que a preservação do ambiente deve prevalecer sobre práticas e esportes que subjuguem animais em situações indignas, violentas e cruéis.
“A norma promulgada pelo constituinte derivado contraria recente decisão do Supremo Tribunal Federal que assentou a inconstitucionalidade das vaquejadas e definiu que ‘a obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade’”, aponta.
O PGR destaca que não se pode dissociar a proteção da fauna, particularmente contra tratamento cruel, mesmo que em nome de manifestações culturais vetustas, da proteção e valorização que a própria Constituição atribui à dignidade humana. “Por contrapor-se a esse plexo normativo, a Emenda Constitucional 96/2017 fere direitos fundamentais e um dos objetivos centrais da República Federativa do Brasil. Em consequência, afronta a cláusula pétrea do art. 60, § 4º, IV, da lei fundamental brasileira e sujeita-se a controle concentrado de constitucionalidade”, explica.
De acordo com Janot, a prática de vaquejada, “não obstante sua antiguidade e seu relevo em certas regiões do país, é incompatível com os preceitos constitucionais que obrigam a República a preservar a fauna, a assegurar ambiente equilibrado e, sobretudo, a evitar desnecessário tratamento cruel de animais”.
O PGR assinala que a situação torna-se ainda mais grave com a existência das Leis 13.364/2016 e 10.220/2001. Segundo ele, práticas culturais e desportivas também são tuteladas pela Constituição, mas “juízo de ponderação revela que apenas são admitidas constitucionalmente atividades culturais e desportivas que não submetam a fauna, brasileira ou exótica, a tratamento cruel”. Para Janot, não fosse talvez por sua disseminação e tradição e por certa indefinição jurídica, vaquejadas poderiam enquadrar-se na incriminação de abuso e maus-tratos contra animais, prevista na Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).
O procurador-geral sustenta que a atividade passou por certa descaracterização e assemelha-se à tradição cultural original apenas na técnica de puxar o rabo bovino violentamente a fim de derrubá-lo. “O tratamento lesivo imposto aos animais decorre de objetivos esportivos e lucrativos”, argumenta.
Janot ainda destaca que além dos maus-tratos inafastáveis das vaquejadas durante as competições, não se pode ignorar as agressões a animais cometidas durante os treinos. “Considerando o negócio em que essa atividade se converteu, os treinos são ainda mais frequentes e intensos do que as vaquejadas nas quais há competição”
Medida Cautelar – Janot pede a concessão de medida cautelar (liminar) para suspender a eficácia das normas da emenda constitucional e das leis federais questionadas. Segundo ele, urge a suspensão cautelar da eficácia das normas, pois permitem a manutenção de prática extremamente cruel aos animais, consoante reconheceu o STF no julgamento da ADI 4983.
O procurador-geral destaca que, recentemente, outros estados editaram leis qualificando a vaquejada como prática desportiva e cultural e “com base nesse arcabouço normativo francamente inconstitucional, têm-se repetido eventos de vaquejada pelo país afora, renovando a cada semana o perigo na demora da suspensão de eficácia da norma atacada, assim como as agressões sádicas contra os animais vítimas dessa prática inclemente”.
Outras ações – Além da ADI 4983, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República contra lei do estado do Ceará, e já julgada procedente, tramitam no STF outra ações propostas pela PGR contra normas de Roraima (ADI 5703), da Bahia (ADI 5710), do Amapá (ADI 5711) e da Paraíba (ADI 5713).
Fonte: Procuradoria-Geral da República
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/09/2017
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