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sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

EM VEZ DA BOIADA, A VEZ DA SOCIEDADE

por Samyra Crespo – Marina no seu segundo mandato e o terceiro de Lula. Consagrada e querida, respeitada e visionária, tudo isso a Marina é. E sua fala ‘vamos liderar pelo exemplo’ tem lastro em sua cantada e decantada integridade. Reconduzida ao Ministério, agora batizado de Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, 20 anos depois de ali chegar como a primeira ministra socioambientalista da história do Órgão, vem em andores de uma posse concorrida e simbólica: afinal, a pasta que assume foi uma das mais degradadas na gestão de Ricardo Salles, sob as ordens daquele que partiu ou fugiu, na maior e mais covarde investida contra os vulneráveis desse país. Lembro bem que publiquei no Jornal O Globo, na parte de opinião, um artigo em que afirmava que o socioambientalismo, corrente minoritária no ambientalista mundial (majoritariamente conservacionista até então) chegava ao poder 20 anos atrás. Poder esse que se expressou nos dois mandatos de Lula, com respectivamente Marina Silva e Carlos Minc na pasta do Meio Ambiente. Com Izabella a toada mudou: entrou forte a questão do clima, a implementação dos acordos setoriais da Lei Nacional de Resíduos Sólidos e a longa discussão do Código Florestal. Internacionalmente, o Acordo de Paris e a Rio + 20 catapultaram o prestígio do Brasil no universo dos tratados. Os mecanismos de participação foram preservados, e então pode-se dizer que a ‘inclusão politica ‘ foi uma estratégia fortalecida pelo menos durante todo o período em que o PT comandou o governo e a pasta. Izabella mesmo não sendo petista, mas uma técnica de carreira do IBAMA, foi indicada por Lula, e a maioria dos secretários quando lá cheguei em 2008, eram quadros petistas. 20 anos se passaram, desde a chegada da Marina e pelo menos 6 anos desde o início do desmonte sistemático. Há que reconstruir uma parte e inovar em outra. O Brasil e o mundo mudaram e a ‘fila andou’ um bocado – nem sempre na direção certa. Na reconstrução, restabelecer os mecanismos de participação, repor quadros e funções nos dois institutos mais importantes da estrutura executiva do MMA, Instituto Chico Mendes e IBAMA. Trazer de volta o Serviço Florestal. A inovação vem na reestruturação do combate ao desmatamento e no foco nas mudanças climáticas – que irá merecer além do redesenho, programas robustos. O combate ao desmatamento, prioridade número um. Num Brasil bastante diferente de 20 anos atrás. Os desafios para deter a bandidagem e a ilegalidade são imensos. Marina Silva deve ser louvada pela coragem. Sabe que a pauta ambiental, para além do glamour midiático superficial, é sempre negativa: gera expectativas altas no curto prazo, mas entrega resultados no médio e longo prazo – na perseverança. Além disso, é monitorado por segmentos ativistas combativos e muitas vezes concorrentes. As novas pastas do governo, como a dos ‘povos originários ‘, por exemplo, e a da pesca, serão demandantes e concorrentes. Imaginar que o governo, com tal diversidade e miríades de interesses, vai ser regido sob uma nova ordem colaborativa, é ingenuidade. A tal ‘transversalidade’ é um ativo imaterial e estranho à política brasileira. Longe de nós pensar que a Marina, madura e mais experiente é ingênua. Todo visionário, e ela o é, nos contagia com sua graça e loucura. A loucura boa, que ousa, acredita. Assim, eu que por lá fiquei 6 anos, do final do mandato do segundo governo de Lula e durante todo o mandato de Dilma (trabalhando tanto com Carlos Minc, quanto com Izabella Teixeira), sei bem que não existem DASs (remuneração e gratificações) nem dinheiro no orçamento suficientes para provisionar tantos cargos, habilidades, especialidades e ‘companheiros’. A criação do Instituto Chico Mendes viabilizou-se, no passado, quebrando as pernas do IBAMA e criando uma fissura que durou mais de uma década. O redesenho do MMA me passa uma impressão de gigantismo e de ‘tribalismo’ nas agendas. Temo por isso. Mas vamos aguardar os quadros que serão escolhidos para executar as difíceis tarefas à frente. Concluindo, Marina empolga com sua força, disposição e vontade de acertar. Só nos resta, além de torcer, ajudar. Há uma grande convocação nesse mandato de Lula, que se ramifica nas várias agendas. Superar o trauma dos últimos 6 anos, arregaçar as manga, unir e reconstruir. Marina e o novo Ministério, sob sua orientação, são alentos nada desprezíveis. Sigamos juntos e misturados. Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

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