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terça-feira, 26 de julho de 2022

Uma entrevista didática com um dos últimos sertanistas e indigenistas do brasil

Por Samyra Crespo – Assisti o programa Roda Viva, na TV Cultura de São Paulo e tive o prazer de ouvir Sydney Possuelo, um dos últimos sertanistas e indigenistas da lavra dos irmãos Rondon ainda vivo. 82 anos, larga experiência, resumo da sua ótima entrevista: – Na época de Collor, foram expulsos cerca de 40 mil invasores das terras dos Yanomamis e a reserva foi demarcada. Mesmo num governo liberal de direita, foi possível porque houve vontade política; – Hoje em dia também seria possível, pois o Estado brasileiro possui os meios e as instituições, e a Lei para fazê-lo; – Se a Amazônia está aceleradamente caindo na mão do crime organizado e dos negócios ilícitos, isso se deve à ausência do Estado e a anunciada decisão política de Bolsonaro de que não iria demarcar nenhuma terra indígena; – Esse anúncio, feito ainda na candidatura do atual Presidente, vem funcionado como uma “licença ” para a invasão, extração ilegal de recursos, território livre para o contrabando de drogas e armas, e perseguição às aldeias ribeirinhas e indígenas; – O Vale do Javari é o último reduto dos povos indígenas isolados (sem contato com os brancos). Vivem em agrupamentos entre 40 e 50 pessoas e não “conhecem fronteiras”: por isso trafegam livremente nas matas entre Brasil-Peru, e Brasil-Colômbia; – O próprio Possuelo contou a experiência pessoal de ter contatado pelos menos seis grupos de isolados; considera a experiência desastrosa para os índios; especialmente porque – de imediato – não resistem à carga viral que carregamos e transmitimos para eles: morrem que nem moscas: – O contato é sempre desvantajoso para os grupos isolados; a solução é manter bases de apoio e monitoramento da FUNAI e deixar que os contatos sejam espontâneos; Se uma barreira deve ser erguida, tem que ser para nós, com a determinada proibição de invadir o território deles; – Possuelo conheceu Bruno Pereira e falou com emoção de sua já anunciada como possível, morte; o indigenista era, com amplo reconhecimento, um bom profissional e servidor público que se viu obrigado a tirar uma licença – sem remuneração – para não compactuar com o desmonte da FUNAI; – Se não fosse a presença do jornalista Dom Philips no triste evento, a morte de Bruno ocuparia uma linha nos jornais, como vem ocorrendo há anos, quando outras mortes são investigadas superficialmente, só para cumprir os ritos legais; – A impunidade na Amazônia é a regra, e os bandidos sabem disso. As autoridades locais, quase sempre são coniventes com os esquemas ilegais; – Possuelo também mencionou que devolveu sua medalha Rondon, recebida por 35 anos de serviços, pois a viu degradada e desviada de seus propósitos, quando Bolsonaro foi agraciado com ela; – Por fim, e com base na sua citada experiência na demarcação das terras dos Yanomamis, ele deu a sentença política necessária: somente com a mudança de visão do Estado e de seu executor o Governo, será viável salvar o que resta da Amazônia e cumprir o dever constitucional de proteger os índios. Sem trocar de Presidente e sem diminuir o poder de quem o apoia, tragédias assim vão se repetir. O recado foi dado, a experiência passada. O crime grita na nossa cara. Bruno e Dom sacrificados. Alguém ainda tem dúvida em quem votar? Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

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