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sexta-feira, 8 de julho de 2022
Sustentabilidade: em que momento o Judiciário está nessa agenda?
Por Luciana Camponez Pereira Moralles*-
Em 2002 escrevi o meu trabalho de mestrado na temática do Acesso à Ordem Jurídica Justa e Princípio da Igualdade sob o enfoque da prestação jurisdicional e da adoção de práticas processuais que efetivassem os valores democráticos do direito através da aplicação do princípio da igualdade material.
Naquele momento o viés era pensar no Poder Judiciário como um poder apto a distribuir justiça e atingir os escopos da jurisdição: escopo jurídico, escopo social e escopo político. Esses conceitos foram desenvolvidos pelo professor Candido Rangel Dinamarco em seu livro “A Instrumentalidade do Processo”, editora Malheiros. Olhando para trás, já era o ESG do Poder Judiciário, vez que a atuação desta instituição no momento do julgamento deve gerar um efeito integrado dos diversos fatores importantes para o equilíbrio da sociedade, os quais podemos entender, em uma interpretação extensiva, como o atingimento do desenvolvimento econômico sustentável.
Passados mais de 20 anos e revisitando o tema em processos judiciais em que a questão ambiental é levantada de forma direta ou indireta, percebe-se que o tema é tão relevante e palpitante quanto naquele momento, pois as questões de sustentabilidade e as atuais Práticas de ESG trazem um viés de busca por uma sociedade mais equilibrada e justa.
O desafio se mantém, mas verifica-se uma evolução na distribuição da justiça, a qual tem permitido, dentro dos limites deste Poder, a inserção de práticas mais democráticas, um acesso à justiça mais efetivo, bem como a adoção do direito comparado face aos dilemas postos em juízo enquadrar-se na transnacionais. Em adição, a tecnologia trouxe consigo uma ampliação do conhecimento das ferramentas postas aos consumidores da justiça, de forma a garantir maior transparência no controle das entregas do judiciário e uma maior proximidade dos operadores do direito com os julgadores.
Hoje, os operadores do direito ambiental e em especial os ativistas climáticos, já se utilizam da jurisdição tanto a nível nacional quanto internacional para efetivar demandas que muitas vezes ainda não possuem um marco regulatório nacional ou internacional. O Judiciário já é considerado uma ferramenta de indução de comportamentos e mudança social no momento em que questões de sustentabilidade que ainda não foram reguladas ou legisladas são objeto de ações judiciais em que se pretende alteração de comportamentos empresariais que ainda não mandatários. Podemos citar como exemplo a chamada litigância climática contra omissão em políticas públicas dos governos, ou contra prática de greenwhashing de divulgação de relatórios de sustentabilidade de corporações que não são efetivadas de fato.
Quando essas demandas chegam ao Judiciário, mensurar o risco de uma condenação ou determinação de uma obrigação de fazer com multa diária é algo difícil de se indicar, face a complexidade do tema, ausências de julgados com parâmetros confiáveis ou métricas de quantificação de impactos ambientais. Assim, o posicionamento do Judiciário no tema de litigância climática ou riscos ESG já devem estar presentes no momento de tomada de decisão de investimentos e da gestão da empresa.
O próprio mercado financeiro, pelo viés dos investimentos, bem como as grandes empresas, têm pressionado por um marco regulatório nas práticas de ESG e na divulgação de informações de gestão de riscos relacionadas aos temas de sustentabilidade (mudanças climáticas, gestão de resíduos, responsabilidade na cadeia de suprimentos, direitos humanos, etc.) por entenderem que há a necessidade de parâmetros nacionais e internacionais confiáveis que gerarão uma maior segurança jurídica e a redução de litígios climáticos.
Neste sentido, temos visto diversas ações judiciais sendo interpostas em outros países que não o da ocorrência do dano ambiental (extraterritorialidade da jurisdição por atos cometidos por subsidiárias em outros países) por ativistas ou pessoas impactadas por danos ambientais ou sociais de empresa operante em outros países. Esse fenômeno já é conhecido no direito internacional ambiental, no entanto, ganha força com a atual onda de sustentabilidade e gera um risco adicional nas operações das empresas. Citemos como exemplo a Ação Judicial que tramita na justiça inglesa em que mais de 200.000 vítimas do desastre do rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, dentre elas empresas, membros de comunidades indígenas, Prefeituras Municipais e organizações religiosas, buscam a compensação financeira por danos ambientais ocorridos no Brasil[1].
Dessa forma, verificamos que a litigância em casos referentes à sustentabilidade ou ESG é um fenômeno internacional com impacto no Judiciário Nacional, em face de alta conectividade entre as Cortes de diversos países. Assim, os julgamentos destes casos terão um papel importante na modelagem dos marcos regulatórios de diversas questões relacionadas às mudanças climáticas, tais como: crédito carbono, adequação e resiliência das atividades empresariais em áreas impactadas por escassez hídrica, secas intensas, inundações, gestão de resíduos sólidos e uso de matérias-primas, desmatamento, biodiversidade, etc.
Tem ganhado grande atenção da mídia, com impacto na reputação das empresas, a penalização administrativa ou judicial de empresas por informações fraudulentas divulgadas em seus relatórios de sustentabilidade apresentados aos investidores, o conhecido greenwashing. Vimos no último mês o Deutsche Bank na Alemanha sendo alvo de busca e apreensão de autoridades públicas por alegada fraude em investimentos sustentáveis, o qual teria, em tese, enganado os investidores sobre investimentos “verdes”[2].
Diante de tais fatos, as empresas têm sido demandadas a provar as suas divulgações de sustentabilidade e estão sendo responsabilizadas pelas transparências, acuracidade e veracidade das informações apresentadas em relatórios até então voluntários.
A atenção das empresas e de stakeholders deve estar redobrada neste momento de transição econômica para uma economia de baixo carbono, face aos riscos de transição que não são completamente conhecidos e mensuráveis, somados aos novos marcos regulatórios internacionais e nacionais que estão em discussão. Dessa forma, buscar fazer o certo e com segurança jurídica não será tarefa fácil para o empresário, vez que os cenários externos têm sido alterados drasticamente em velocidades e profundidades que demandam uma leitura de cenário integrada com essa nova visão de propósito empresarial – equilibrar as três letrinhas: o meio ambiental, o social e a governança com a finalidade de gerar lucro. Neste sentido, os programas de relatos integrados buscam apoiar a tomada de decisão em aspectos materiais para negócio.
Toda essa pauta será refletida nas demandas judiciais, as quais direta ou indiretamente debaterão o tema de sustentabilidade sob o viés do ESG e dos investimentos financeiros.
*Luciana Camponez Pereira Moralles é Head da área Ambiental e Sustentabilidade do escritório Finocchio e Ustra Advogados
#Envolverde
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