Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 16/12/2015 – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, não poupou elogios para o acordo universal e vinculante alcançado em Paris para combater a mudança climática, uma postura que contrasta com as fortes críticas procedentes da sociedade civil.“É um triunfo monumental para as pessoas e o planeta”, afirmou Ban, se referindo ao acordo assinado no dia 12, que pretende a mitigaçãodas emissões de gases-estufa e a adaptação aos efeitos negativos da mudança climática no mundo.
Mas organizações não governamentais e países em desenvolvimento expressaram fortes reservas ao Acordo de Paris, que deixou no limbo político o assunto crucial do financiamento climático.“É uma apólice de seguro de saúde para o planeta”, ressaltou Ban, em uma entrevista coletiva no dia 14, com relação ao acordo negociado na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC).
Como primeiro passo na aplicação do acordo, a Organização das Nações Unidas (ONU) será a sede de uma cerimônia de assinatura do pacto por chefes de governo e de Estado, no dia 22 de abril de 2016, seguida de uma reunião de cúpula de governos e empresas e representantes da sociedade civil, nos dias 5 e 6 de maio.
Para Ban, o acordo tem “sólidos resultados em todos os pontos importantes, demonstra solidariedade e é ambicioso, flexível, confiável e duradouro”. O secretário-geral pontuou que “todos os países aceitaram manter o aumento da temperatura no mundo abaixo dos dois graus Celsius. E,ao reconhecer o risco de consequências graves, vocês também acordaram continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau”.
Porém, não se referiu a um dos principais desafios no combate à mudança climática. Quando a comunidade internacional, e concretamente os países ricos e o setor privado, conseguirão arrecadar os US$ 100 bilhões anuais necessários até 2020?
Prerna Bomzan, da LDC Watch, uma plataforma de ONGs do Sul em desenvolvimento que velam pelos interesses dos 48 países menos adiantados (PMA), destacou à IPS que a convenção sobre o clima de 1992 incluía a obrigação de proporcionar fundos “novos e adicionais” para combater a mudança climática, algo que já não existe no Acordo de Paris.
“Essa é uma grande perda para os países em desenvolvimento, considerando que o financiamento climático não deve ser colocado na mesma bolsa que a ajuda oficial para o desenvolvimento”, pontuou Bomzan. O parágrafo 54 do Acordo estabelece que “os países industrializados têm a intenção de continuar com seu objetivo de mobilização coletiva vigente até 2025”, e antes desse ano fixarão um novo objetivo coletivo quantificado de um piso de US$ 100 bilhões por ano, acrescentou.
Segundo Bomzan, “isso significa que não haverá dinheiro na mesa antes de 2020, apenas a intenção de mobilização. O acordo nem mesmo menciona os US$ 100 bilhões”. A única menção a esse dinheiro está no preâmbulo do acordo negociado na COP 21, limitando a iniciativa a uma nota de rodapé de índole política, detalhou.
“O Acordo de Paris é um cravo no caixão da justiça para os PMA”, ressaltou Azeb Girmai, da LDC Watch. O texto mudou “gradualmente do princípio ‘quem contamina paga’, pelo qual os países desenvolvidos têm a obrigação de financiar a adaptação e a mitigação para ajudar os países em desenvolvimento a lidar com o caos climático, para um no qual países mais ricos simplesmente se negaram a se comprometer com o financiamento climático”, assegurou.
“Vemos um futuro em que, se não houver uma mudança significativa por parte dos países desenvolvidos, os PMA ficarão submersos, inundados, convertidos em desertos áridos, sem dinheiro para evitar ou compensar isso”, afirmou a LDC Watch em uma declaração divulgada no dia 14.“Embora este seja um dia muito triste para os PMA, estamos decididos a continuar trabalhando pela justiça climática. É possível tenhamos perdido esta batalha, não perdemos a guerra”, concluiu o comunicado.
Um elemento fundamental que se esperava do Acordo de Paris era que os fundos para os países em desenvolvimento aumentassem, segundo as organizações da sociedade civil. Ao fim das negociações da conferência da capital francesa, o presidente da França, François Hollande, se referiu com orgulho ao “piso” de US$ 100 bilhões em financiamento, mas os observadores garantem que a realidade não coincide com o discurso.
Meena Raman, advogada da Rede do Terceiro Mundo, com sede na Malásia, afirmou que a meta de US$ 100 bilhões ao ano até 2020 agora se estendeu a 2025, e que depois dessa data será fixado outro objetivo. “Dessa forma, os países industrializados conseguiram mais cinco anos para cumprir o que acordaram fazer. É lamentável que isso tenha ocorrido, já que atrasa a ação dos países em desenvolvimento que necessitam dela”, afirmou Raman.
Mas Ban pontuou que o Acordo de Paris garante um apoio suficiente em matéria de adaptação e mitigação para os países em desenvolvimento, especialmente para os mais pobres e vulneráveis. Os países do Norte industrializado“acordaram dirigir a mobilização dos fundos e ampliar o apoio tecnológico e a criação de capacidades”, destacou. E os países em desenvolvimento assumiram maior responsabilidade para enfrentar a mudança climática segundo suas capacidades, acrescentou o secretário-geral.
Doreen Stabinsky, professora de Política Ambiental na universidade Collegeof the Atlantic, nos Estados Unidos, alertou que a mudança climática provocará danos de trilhões de dólares nesse século, e grande parte desse dano terá lugar nos países pobres e vulneráveis. “Os Estados Unidos são responsáveis por grande parte desse valor, mas não se importam se pagará ou não. Dando uma banana para os países em desenvolvimento, agora têm um texto que protege os mais ricos e acumula custos devastadores para os mais pobres”, acrescentou.
Em um comunicado divulgado no dia 14, a Oxfam Internacional denuncia que o Acordo de Paris uniu as potências do mundo mas fraudou a população mais pobre e vulnerável, que sofre o aumento do nível do mar, as inundações e a seca. “O acordo é um arco, mas não basta para evitar que a temperatura do planeta suba três graus Celsius ou para garantir suficientes fundos climáticos para que as comunidades vulneráveis se adaptem a um clima cada vez mais imprevisível e extremo”, acrescenta a nota.
Mais de 190 países se comprometeram pela primeira vez a adotar medidas climáticas, mas os ambiciosos discursos dos governantes na abertura da cúpula não se sustentaram até o final, acrescentou a Oxfam. “Esse acordo oferece um vergonhoso salva-vidas para as pessoas mais pobres e vulneráveis do mundo”, afirmou Helen Szoke, diretora da Oxfam.
Szoke enfatizou que “só se fez uma vaga promessa de uma meta futura de financiamento climático, enquanto o acordo não obriga os países a reduzirem as emissões (de gases-estufa) com a rapidez suficiente para evitar uma catástrofe da mudança climática”. Envolverde/IPS
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