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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Salmão pode abrir nova era para transgênicos

Os Estados Unidos ficaram mais perto de aprovar um salmão alterado em laboratório que cresce duas vezes mais rápido que o natural, o que aumenta a probabilidade de ele se tornar o primeiro animal transgênico a ser servido nas mesas de jantar do mundo.

Uma comissão da agência de fiscalização de remédios e alimentos dos EUA, a FDA, discutia ontem se era seguro liberar o peixe para a alimentação ou se ele representa uma ameaça ao ambiente. Mas a FDA parece já ter chegado a algumas conclusões sobre o assunto: antes da reunião de ontem, a agência já tinha divulgado na internet uma análise concluindo que a versão transgênica era tão segura para comer quanto o salmão do Oceano Atlântico e também criaria riscos mínimos para o ambiente.

O salmão AquAdvantage tem um gene que ativa um hormônio de crescimento, originalmente do salmão-rei, que acelera o desenvolvimento no primeiro ano de vida. Também contém um fragmento do DNA de peixe-carneiro americano que ajuda a ativar o gene do salmão-rei. O peixe geneticamente modificado para de crescer quando atinge o tamanho normal.

Na análise científica divulgada na internet, a FDA concluiu que o peixe modificado não é química ou biologicamente diferente de um salmão do Atlântico convencional. Ele cria uma vantagem comercial porque pode atingir o peso de abate em um ano e meio a dois, cerca de metade do tempo necessário para o salmão do Atlântico normal.

“Há uma oportunidade de recriar a indústria nacional de salmão com piscicultura terrestre”, diz Ronald Stotish, presidente da AquaBounty Technologies Inc., de Waltham, no Estado americano de Massachusetts, que participou da reunião da FDA de ontem. Das cerca de 1,5 milhão de toneladas de salmão do Oceano Atlântico produzidas anualmente, os EUA consomem cerca de 450.000, praticamente tudo importado, segundo Stotish.

Mas Jaydee Hanson, analista político sênior do Centro para Segurança dos Alimentos, um grupo sediado em Washington que faz campanha contra o salmão transgênico, disse que alguns dos estudos de segurança se baseiam em amostras pequenas demais.
“Deveriam ser exigidos no mínimo cem peixes”, diz Hanson, que deu seu depoimento à comissão. “Os dados não são suficientes – a FDA deveria pedir mais.” Stotish, da AquaBounty, diz que os dados dos testes são suficientes.

A polêmica em torno do peixe é parte de uma tendência mundial maior: motivada por crescimento da população, alta no preço dos alimentos, impacto da mudança climática na agricultura e falta de evidências claras dos efeitos nocivos dos alimentos transgênicos na saúde humana, a aceitação mundial dos produtos antes chamados de “alimentos Frankenstein” tem aumentado. E isso é especialmente verdade nos países em desenvolvimento.

Alterar a genética de alimentos pode gerar vários benefícios, dizem cientistas. Uma lavoura pode ser modificada para render mais, resistir mais aos pesticidas ou a secas e pragas. Às vezes, barateia a produção. Muitos países estão correndo para usufruir desses benefícios.
Em uma decisão significativa mas pouco noticiada, a China declarou em dezembro que certas variedades de arroz e milho transgênicos são seguras para produzir e consumir nos próximos dois a três anos.

A África do Sul planta milho transgênico. O Brasil e o Paquistão plantam soja e milho transgênico. A Índia produz algodão transgênico há vários anos. Mas uma iniciativa recente para comercializar o primeiro alimento transgênico do país – uma berinjela resistente a pragas – foi paralisada recentemente por questões de segurança.

Em 2009, o total de hectares do mundo plantados com transgênicos subiu 6,8%, de 125 milhões para 133 milhões, segundo o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações de Biotecnologia Agrícola, uma associação do setor de transgênicos. Quase metade do total foi plantado em países em desenvolvimento.
Produtores rurais do mundo inteiro pagam cerca de US$ 9 bilhões por ano para comprar sementes geneticamente modificadas, segundo uma pessoa do setor. Há várias empresas desenvolvendo plantas transgênicas – a americana Monsanto Co., sediada em St. Louis, Missouri, é a maior. A grande maioria do milho, da soja e do algodão plantado nos EUA contém pelo menos um gene patenteado pela Monsanto.

A Europa tem sido extremamente cautelosa com os transgênicos. Mas no fim de julho a Comissão Europeia aprovou a importação de seis variadades de milho para uso na alimentação humana e de animais, embora não para cultivo. No mesmo mês, a comissão também propôs novas regras permitindo que cada um de seus países membros decida por conta própria se autoriza ou não o plantio de um transgênico aprovado pela comissão. Até agora, o único transgênico aprovado para plantio na Europa é uma batata com alto teor de amido, desenvolvida para uso industrial.

Nas criações de animais, cientistas da Universidade de Guelph, no Canadá, criaram um porco transgênico que digere e processa melhor o fósforo. Isso barateia a ração desses animais porque eles não precisam de suplementos de fósforo – um químico vital para a dieta do porco mas caro demais para os produtores. Os cientistas responsáveis também argumentam que os animais liberam 30% a 70% menos fósforo em seus excrementos, o que os tornaria menos poluentes. As fezes de suínos são uma fonte significativa de poluição.

O Enviropig, que alguns críticos já apelidaram de “Frankensuíno”, ainda está sendo estudado pelas agências canadenses de regulamentação, a Health Canada e a Agência Canadense de Inspeção de Alimentos. Alguns meses atrás, outra agência, a Environment Canada, aprovou a produção dos animais, mas em isolamento. A FDA e as autoridades canadenses ainda estão analisando os dados sobre o porco para determinar se é seguro consumi-lo.

Nos EUA, os transgênicos foram introduzidos em 1996 e agora são um componente habitual da oferta de alimentos de milho, soja e açúcar do país, entre outros. “Se você comer qualquer um desses produtos, há uma chance de 85% ou mais de que está consumindo um alimento transgênico”, diz Marion Nestle, professora de nutrição da Universidade de Nova York.

A AquaBounty criou seu primeiro salmão transgênico em 1989, e apresentou os primeiros dados à FDA em 1996. Até agora, já tem dados sobre dez gerações de peixes. A empresa tem presença em vários países – sediada nos EUA, sua ação é negociada em Londres e ela tem operações pesqueiras no Canadá e no Panamá.

Todos os salmões criados com as ovas transgênicas são fêmeas e estéreis. Para impedir que um escape por acidente para o oceano, a AquaBounty quer que a FDA aprove o peixe apenas para piscicultura terrestre. Em sua análise científica, a FDA afirmou que o salmão transgênico não representa “nenhum risco alérgico adicional em relação ao salmão do Atlântico usado no teste”.

Mas ainda há muitas preocupações. Cerca de 20 grupos ambientalistas e de defesa do consumidor apresentaram suas opiniões à comissão da FDA, identificando o que chamam de falhas na maneira como a AquaBounty isola e esteriliza os peixes transgênicos, e apontando o alto volume de antibióticos que pode ser necessário para produzir o peixe em operações industriais de piscicultura.

A FDA realiza hoje outra audiência sobre como o peixe e produtos derivados dele devem ser rotulados nos supermercados.

Se aprovado, o peixe provavelmente só deve estar disponível nos próximos dois a três anos.
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FONTE : Gautam Naik, do The Wall Street Journal, Valor Econômico (Valor online/Centro de Estudos Ambientais).

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