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terça-feira, 9 de maio de 2023

Pesquisa revela o aumento dos eventos extremos na costa brasileira

Está ficando quente e não é só impressão! Um estudo inédito realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) avaliou as ondas de calor ao longo da costa brasileira pela variação na intensidade e frequência de eventos extremos de temperatura. O estudo demonstra que está se tornando mais frequente encontrar temperaturas cada vez mais altas na costa sudeste e sul brasileira. O litoral do ES é a região com maior impacto, com aumento da frequência das ondas de calor e de frio. Nos últimos 40 anos, a ocorrência de eventos extremos de temperatura quase dobrou nos litorais de SP (84%) e RS (100%), e quase triplicou no ES (188%). Nos litorais de SP e do RS tem aumentado a frequência dos eventos extremos de calor, enquanto no MA e RN não foram observadas alterações nos padrões de extremos de temperatura ao longo do ano. No litoral do RS observou-se também que os extremos de temperaturas mínimas do dia estão cada vez mais altas, ou seja, o dia ‘refresca menos’ e não atinge temperaturas tão baixas. A pesquisa demonstra uma tendência de alteração dos padrões ‘estáveis ou definidos’ esperados para as estações climáticas, demonstrando um aumento da amplitude térmica diária ou da variação abrupta de temperatura entre dias consecutivos. Ondas de calor/frio e eventos extremos de temperatura (alta ou baixa) podem impactar a agropecuária, a biodiversidade e a saúde humana, com impactos econômicos, sociais e climáticos. O estudo avaliou uma série histórica com dados de temperatura do ar observados a cada hora do dia ao longo dos últimos 40 anos em 5 regiões costeiras do país: MA (São Luís), RN (Natal), ES (São Mateus), SP (Iguape) e RS (Rio Grande). A partir destes dados, os pesquisadores utilizaram modelos matemáticos para definir o que seriam extremos de temperatura para cada uma das regiões, pois em um país tão grande quanto o Brasil e com clima tão diverso, uma determinada temperatura pode ser extrema em uma região e normal em outra. Além disso, diferentes temperaturas podem ser consideradas extremas dependendo do mês do ano em cada local. Com este estudo detalhado foi possível observar como a frequência e a intensidade dos valores de temperaturas máxima e mínima, a variação da amplitude térmica ao longo do dia e as mudanças abruptas de temperatura entre dias consecutivos variam em cada região e época do ano. O estudo será publicado dia 25/04 na revista Scientific Reports do grupo Nature, uma das mais prestigiosas revistas científicas no mundo, que foi a quinta revista mais citada mundialmente em 2021. As ocorrências de temperaturas extremas e as ondas de calor e frio Eventos extremos de temperatura quente ou fria são parte da realidade climática do mundo. Porém, os efeitos das mudanças climáticas são visíveis e alteram esse padrão. “Um dos exemplos práticos das mudanças climáticas é o aumento na intensidade e na frequência de eventos extremos de temperaturas quentes e frias. Uma ocorrência de temperatura extrema ocorre quando uma dada temperatura máxima ou mínima excede um ‘limite’ esperado e característico da região. Uma onda de calor ou de frio corresponde a um evento extremo e é caracterizada por um período de alguns dias com temperaturas máximas superiores ou mínimas inferiores ao limite esperado para a época do ano.” explica William Conti, pesquisador da Unifesp responsável pela modelagem matemática. Como definir este ‘limite’ no tempo e no espaço foi o objetivo principal da pesquisa. Será que um extremo de temperatura no sul do Brasil e no norte tem o mesmo valor? Será que estes limites estão mudando ao longo dos anos? E dentro de um mesmo ano, será que uma dada temperatura pode ser extrema em uma estação do ano sem ser nas demais? E em menor escala temporal, como está a variação de temperaturas máximas em dias consecutivos? E como está a diferença entre as temperaturas máximas e mínimas em um mesmo dia? Estas foram as perguntas norteadoras da pesquisa realizada por pesquisadores da Unifesp que avaliou os padrões sazonais e diários. Estes impactos foram medidos em termos de ocorrências (dias em que um extremo aconteceu) e de eventos (dias seguidos da ocorrência de extremos, caracterizando uma onda) O estudo mostrou que toda a costa brasileira já está sofrendo algum impacto das mudanças climáticas em relação à temperatura do ar, com os litorais das regiões sudeste e sul sendo mais impactadas do que das regiões Norte e Nordeste, onde apesar de existirem extremos de temperatura ao longo de todo ano, eles não estão aumentando em frequência ou intensidade. Porém, no sudeste e sul do país o cenário é diferente. Nos litorais de RS, SP e ES a frequência de ocorrências diárias de extremos máximos de temperatura e das ondas de calor, caracterizada por dias consecutivos de extremos máximos de temperatura, têm aumentado ao longo dos anos. Além disso, a frequência de ocorrências diárias e de eventos de ondas de frio no ES têm aumentado. “Estes dados mostram como as regiões sudeste e sul brasileira já se encontram com impactos da temperatura do ar e que irão afetar a biodiversidade e até a economia”, destaca Fábio Sanches, autor da pesquisa. “Identificamos o litoral do ES como a região mais afetada dentre as que estudamos, pois além das ondas de calor, foi a única região onde a frequência de ondas de frio é cada vez maior”, explica Sanches. Além da frequência de eventos no sudeste e sul, um dado sobre a intensidade das temperaturas mínimas extremas chamou a atenção dos pesquisadores: no litoral do RS a temperatura mais baixa (frio extremo) é cada vez maior. “Isso significa que está ficando cada vez menos frio no sul do país, o que pode ter impactos na produção agrícola e até no turismo”, explica Ronaldo Christofoletti, coordenador da pesquisa e bolsista produtividade do CNPq. Nos últimos 40 anos, a ocorrência de eventos extremos de temperatura quase dobrou em SP (84%) e RS (100%), e quase triplicou no ES (188%). O número de eventos por ano é variável dependendo de condições específicas como por El Nino e La Ninha, mas se considerarmos uma média, no ES a taxa de aumento de eventos extremos é, em média, de 4,7% ao ano, enquanto em SP é, em média, de 2,1% e RS de 2,5% ao ano. Estabilidade climática: a amplitude de temperatura ao longo do dia e as variações bruscas de temperatura entre dias consecutivos Além de avaliar os extremos de temperatura máxima e mínima, os pesquisadores avaliaram outros dois fatores: primeiro, as possíveis variações da amplitude térmica ao longo de um mesmo dia (Tmax – Tmin), e depois se existiam mudanças ‘bruscas’ de temperatura, a partir da comparação da temperatura máxima ou mínima entre dias consecutivos. Para estes indicadores, a pesquisa mostrou que toda a costa brasileira apresenta alterações climáticas. “Compreender a amplitude térmica diária e também as variações de temperatura entre dias consecutivos é importante para compreender a dinâmica climática e seus potenciais impactos, como a chegada de frentes frias e também da regulação de chuvas” explica Fernando Martins, pesquisador da dinâmica climática e bolsista produtividade do CNPq. A região do RN foi a única que não apresentou variações na amplitude térmica diária. Porém, é cada vez mais frequente encontrar dias de maior amplitude térmica no MA. Além disso, o MA foi a única região que demonstrou aumento do número de dias consecutivos com amplitude térmica maior. No sudeste e sul, as alterações térmicas são ainda maiores. Além do aumento da frequência de dias de maior amplitude térmica, as regiões de ES, SP e RS apresentaram aumento na intensidade da variação térmica diária, o que significa que é cada vez mais frequente encontrar dias cada vez mais variáveis na temperatura. “Diferente das ondas de calor e frio que indicam situações extremas de temperatura, os dados de amplitude térmica diária apontam mudanças de temperatura ao longo de horas que estão mais associadas ao nosso conforto térmico ao longo do dia”. explica Fábio Sanches. Ao avaliar as mudanças abruptas de temperatura entre dias consecutivos, o padrão da costa brasileira se inverteu, com MA e RN apresentando mais impactos do que o sudeste e sul brasileiro. No MA e RN foi observado aumento de mudanças abruptas tanto das temperaturas máximas quanto mínimas em dias consecutivos, sendo que no MA foi ainda observado que o número de dias seguidos em que as temperaturas máximas variam muito entre dias é cada vez mais frequente. O ES que tinha apresentado muitos impactos referentes às ondas de calor, frio e a amplitude térmica diária, não apresentou nenhum impacto quando analisando as variações entre dias consecutivos. Já para SP e RS, existe um aumento da frequência de eventos onde a temperatura máxima entre dias consecutivos é muito variável. “Compreender as variações de temperatura em um mesmo dia e entre dias consecutivos traz uma relação direta com impactos fisiológicos e até na saúde pública, pois muitas das doenças respiratórias e da nossa sensação de bem estar está associada a variação da temperatura” explica Ronaldo Christofoletti. Os impactos das variações de temperatura “O aumento de ondas de calor e de frio tem vários impactos na sociedade em todo o mundo, que vão desde o desconforto térmico até o aumento de incêndios florestais, problemas de saúde e da mortalidade de animais, plantas e dos seres humanos, especialmente idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade. Estudos recentes demonstram um aumento de quase 70% na mortalidade de idosos devido ao calor intenso. Ao longo dos últimos anos foram vários casos de mortalidade por ondas de calor como vistos na Espanha, Canadá e Portugal por exemplo”, explica Christofoletti. Os impactos das variações de temperatura também impactam a biodiversidade. “Diversas espécies de animais marinhos têm apresentado alterações fisiológicas, de mudança de comportamento e até da distribuição de onde vivem em função das ondas de calor e frio. Eventos extremos de temperatura podem ocasionar mortalidade em massa de recursos pesqueiros e influenciar as cadeias de pesca, especialmente as da pesca artesanal”, afirma Sanches. Além dos recursos pesqueiros, Christofoletti destaca que “o agronegócio brasileiro está ameaçado por estas variações. A produtividade é dependente do ciclo anual de temperatura e chuva, e as alterações de extremos e de amplitude térmica podem baixar a produtividade, a qualidade da produção ou mesmo levar a perda da safra. Especialmente no sul do país, com os dados de que as temperaturas mínimas estão cada vez mais quentes, pode levar a uma alteração do sistema produtivo nas próximas décadas”. A variação de extremos de temperatura e também da amplitude térmica diária e em dias consecutivos pode intensificar eventos de chuva extremos, como os vistos na costa de São Paulo em 2023. “O regime de chuvas está associado à temperatura do ar, evaporação, temperatura do oceano e sistemas de pressão atmosférica que produzem os ventos. A dinâmica da condição meteorológica associada aos eventos extremos ou mudanças abruptas entre dias consecutivos é propícia para influenciar o volume e a intensidade de chuvas e pode levar a tragédias como ocorrida no litoral norte de São Paulo em fevereiro, que foi resultado de dias muito quentes, oceano mais quente, maior evaporação de água e massas de ar e ventos que atingiram a costa” explica Fernando Martins. “Nosso estudo demonstra para diferentes regiões da costa brasileira como as ondas de calor, frio e amplitude térmica diária estão variando. Estes dados permitem passos futuros para entender a influência destas variações em índices da agricultura (por ex. produção agrícola de espécies regionalmente importantes), saúde pública (por ex. aumento de casos de problemas respiratórios ou de mortalidade de idosos em períodos de ocorrência de extremos de clima), e da importância das políticas públicas locais, regionais e nacionais” explica Christofoletti. “O Governo Federal têm destacado a importância da resiliência climática e dos planos municipais e estaduais para enfrentamento climático. Para isso é essencial conhecer como as mudanças climáticas já estão impactando cada região, como contribui nosso estudo”, complementa Christofoletti. Porém, um desafio foi destacado pela equipe de pesquisadores: “Os estudos para as mudanças climáticas demandam dados históricos e contínuos de monitoramento. Para se entender a situação atual dos eventos extremos e para prever cenários futuros que auxiliem nos planos de resiliência costeira é urgente que ampliemos as estações de monitoramento de dados meteorológicos na costa brasileira. Pesquisas como esta demandam longas séries temporais de dados contínuos e de grande confiabilidade. Os governos municipais e estaduais devem ampliar as estações de monitoramento nas regiões. Os custos de instalação e monitoramento para estes governos são certamente menores do que os gastos necessários para recuperar posteriormente os impactos dos eventos extremos nos setores econômicos e da saúde pública” afirma Fábio Sanches. “Além de garantir os dados locais e regionais continuamente sendo obtidos, é essencial que eles sejam de livre acesso para a sociedade e para as Universidades. Muitas pesquisas em parceria entre os governos e Universidades locais podem ajudar a compreender o clima local e fortalecer as ações nos municípios”, explica Sanches. Com os dados disponíveis no momento para os municípios indicados, a pesquisa avaliou a variação ao longo dos últimos 40 anos que refletem as regiões próximas. “Um dos diferenciais do nosso estudo é fornecer informações que mostram o que possivelmente é um extremo em cada mês no momento atual. Entender as limitações dos dados também é um passo importante” explica Conti. “Primeiro, os valores de extremo são considerados segundo os padrões de temperatura do ano e dos períodos recentes. Portanto, em séries temporais longas, eles variam ao longo dos anos, por isso é essencial um monitoramento contínuo (exemplos detalhados abaixo). Segundo, ao pensar em valores extremos, muitas pessoas buscam apenas o extremo máximo e mínimo do ano. Porém, é importante compreender mensalmente estes valores. Às vezes, no sudeste e sul teremos um valor de temperatura em julho que não é um extremo para o ano, pois neste período do ano são esperadas temperaturas máximas mais baixas do que em janeiro. Porém, essa dada temperatura pode ser um extremo para aquele mês de julho e trazer impactos para animais e plantações naquele momento” explica Conti. Os extremos em temperatura Conforme demonstrado pela pesquisa, os valores extremos variam ao longo dos anos. Porém, para efeito de referência em 2023, os pesquisadores indicaram os valores máximos e mínimos para todo o período e os valores atuais que possivelmente podem ser considerados como temperatura extrema no litoral de cada região com base na mediana das temperaturas extremas em cada mês dos 40 anos de dados. Estes valores possuem uma influência regional em função das cidades onde a estação metereológica se encontra. Valores limites atuais de temperatura para os quais valores acima do Tmax ou abaixo do Tmin podem ser considerados extremos de calor ou frio, respectivamente. Destaca-se que estes valores são para o momento atual e que irão variar ao longo dos próximos anos devido aos impactos das mudanças climáticas Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez MA São Luis Tmax 33 32,5 32 32 32,5 33 33,5 35 35,5 35 34 34 Tmin 21,5 21 21 21,5 21,5 21,5 21,5 21,5 — 21,5 22,5 22 RN Natal Tmax 31,5 32 32 32 31 30 29 29,5 30 30,5 31 31,5 Tmin 23,5 23 23 23 23 21,5 20,5 20,5 21 22 23 23,5 ES São Matheus Tmax 34 35 34 33 32 31 30 30 32 32 33 33,5 Tmin 20 20 19,5 18 16 14,5 14 14 15 16 17 18 SP Iguape Tmax 36 36 35 34 31 30,5 30 32 33 33 34,5 36 Tmin 17 17,5 17 14 9,5 6,5 6,5 7 9 11 13 15 RS Rio Grande Tmax 30 31 30 28 25 22 20 21 21 23 27 28 Tmin 18 18 16 12 6 2,5 2 2,5 5 9 11 15 Sobre a pesquisa e os autores O artigo “The increase in intensity and frequency of surface air temperature extremes throughout the western South Atlantic coast” será publicado na revista Scientific Reports em 25 de abril (embargo finaliza às 8h da manhã). A pesquisa foi realizada por pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e tem como autores: Fábio H. C. Sanches – Pós-Doutorando – fabiohcsanches@yahoo.com.br; 11-98131-7541; Fernando R. Martins – Professor e bolsista produtividade do CNPq – martins@unifesp.br; 13 99712-0646 William R. P. Conti – Professor Ronaldo A. Christofoletti – Professor, bolsista produtividade do CNPq, Representante Brasileiro na Unesco para Cultura Oceânica – christofoletti@unifesp.br, 13 99606-0733 (#Envolverde)

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