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sexta-feira, 31 de julho de 2020
Pesquisa revela impacto da pandemia na vida de pessoas com diabetes, no Brasil
Pesquisa inédita* com 1701 brasileiros com diabetes revelou como a pandemia por Covid-19 alterou seus cotidianos, controle da doença, padrão de alimentação, atividade física, acesso a medicamentos e serviços de saúde.
Realizada entre 22 de abril e 04 de maio, em ambiente online, o estudo identificou que 59,5% dos entrevistados apresentaram redução nas atividades físicas; 59,4% observaram variação na glicemia e 38,4% adiaram suas consultas médicas. A pesquisa foi coordenada pelo Dr. Mark Ugliara Barone, vice-presidente da International Diabetes Fedaration (IDF) e membro do Departamento de Educação da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).
Realizada por meio de questionário de múltipla escolha, a pesquisa contou com público majoritariamente feminino (75,5%), de 18 a 50 anos (70,7%). Dentre eles, 60,7% afirmaram apresentar Diabetes Mellitus Tipo 1 e 30,7% Diabetes Mellitus Tipo 2. O grupo com mais jovens, com DM1, mostrou-se mais suscetível a apresentar sintomas de Covid-19, embora não tenham sido testados. O grupo com DM2, por sua vez, demonstrou maior propensão a relatar comorbidades – fatores de risco que elevam as chances de agravamento da doença causada pelo novo coronavírus, como hipertensão arterial, obesidade.
Por meio dos dados coletados, constatou-se que 95% dos entrevistados realizaram isolamento social e 27% não saíram de casa após o início da pandemia.
Característica e Hábitos de Saúde
De acordo com o estudo, 91,5% das pessoas mantiveram a rotina de monitorização da glicemia em casa. A partir desse acompanhamento, constatou-se que 59,4% apresentaram variações (8% observou hipoglicemia, 20% hiperglicemia e 31,2% grande variabilidade, em comparação a período anterior à pandemia). Segundo os dados, pessoas que utilizam serviços públicos de saúde relataram mais episódios de hiperglicemia. Usuários do sistema privado apontaram maior estabilidade nos índices de glicemia.
Paralelamente, investigaram-se comportamentos alimentares e relacionados à prática de atividades físicas. Dentre os entrevistados, 29,8% revelaram aumento na ingestão de alimentos. Ao mesmo tempo, 59,5% diminuíram a frequência de atividades física (44,8% correspondente a um declínio elevado). Perguntados sobre o tempo dedicado à TV e internet, 48,8% apresentaram aumento junto ao primeiro equipamento. Quanto ao segundo dispositivo, o tempo despendido cresceu 53,5%.
“Um alerta que traduz a importância dessa pesquisa é que as pessoas com doenças crônicas, como Diabetes, não podem ser deixadas para trás. Tem havido impacto importante no controle da glicose, seja por alteração dos hábitos, seja pelo estresse causado pela pandemia. Por outro lado, o sistema de saúde enfrentará a “terceira onda” da pandemia que implica em demanda reprimida diante de consultas desmarcadas ou por faltas dos pacientes ao agendamento com receio de ir ao hospital, centros de saúde ou consultórios”, comenta a endocrinologista Dra. Hermelinda Pedrosa, assessora de Relações Governamentais da Sociedade Brasileira de Diabetes e coautora do trabalho.
Assistência Médica
Dos entrevistados, 61,2% afirmaram serem usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) – de modo exclusivo ou parcial – para a realização de consultas e outras a serviços médicos. No período aferido, 78,6% das pessoas deixaram de fazer suas consultas regulares – 38,4% adiaram suas consultas médicas. E 40,2% não efetuaram agendamentos desde o início da pandemia. A Dra. Hermelinda aponta que as faltas às consultas podem estar diretamente relacionadas ao receio de sair de casa para buscar atendimento médico. “Opções em telemedicina e tele orientação têm crescido, mas ainda não alcançam as pessoas idosas, que não se sentem à vontade a usarem esses meios, nem aquelas com menor poder aquisitivo”, complementa.
O estudo investigou ainda o acesso à medicação para continuidade de tratamentos. Os dados mostraram que 64,5% receberam remédios e suprimentos por meio do SUS. 49,9% precisaram sair de casa para pegar a medicação. Outros 44,3% apontaram ter amigos ou familiares que se disponibilizaram a realizar tal atividade. Usuários do sistema privado de saúde mais comumente, revelaram efetuar compras de medicamentos por meio de delivery (entrega) ou possuírem estoques de remédios e suprimentos médicos para sua aplicação ou para aferição glicêmica.
*A pesquisa foi publicada no periódico científico Diabetes Research and Clinical Practice (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0168822720305568), que publicou uma edição especial com trabalhos realizados sobre Covid-19 em vários países, inclusive esta, do Brasil.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/07/2020
EcoDebate - Edição 3.485 de 31/ julho / 2020
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“Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]
quinta-feira, 30 de julho de 2020
Emergência Climática: Sibéria – calor, fogo e derretimento do gelo
O calor excepcional e prolongado na Sibéria alimentou incêndios devastadores no Ártico. Ao mesmo tempo, foi relatada uma cobertura de gelo marinho que diminuiu rapidamente ao longo da costa do Ártico russo.
As temperaturas na Sibéria estiveram acima de 5 ° C acima da média de janeiro a junho e em junho até 10 ° C acima da média . Uma temperatura de 38 ° C foi registrada na cidade russa de Verkhoyansk em 20 de junho . As temperaturas em partes da Sibéria na semana que começa em 19 de julho novamente superaram os 30 ° C.
O calor prolongado está relacionado a um vasto sistema de pressão de bloqueio e a um balanço persistente para o norte da corrente de jato, permitindo a entrada de ar quente na região.
No entanto, esse calor extremo teria sido quase impossível sem a influência das mudanças climáticas causadas pelo homem, de acordo com uma rápida análise de atribuição feita por uma equipe dos principais cientistas climáticos .
“O Ártico está aquecendo duas vezes mais rápido que a média global, impactando populações e ecossistemas locais e com repercussões globais. “O que acontece no Ártico não fica no Ártico. Por causa das teleconexões, os polos influenciam o clima e as condições climáticas em latitudes mais baixas, onde vivem centenas de milhões de pessoas ”, disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.
Pelo segundo ano consecutivo , incêndios estão ocorrendo bem dentro do Círculo Polar Ártico. Imagens de satélite mostraram a extensão da superfície de gravação. A frente de incêndio do incêndio no Ártico atualmente mais ativo do norte está agora acima dos 71,6N, a menos de 8 quilômetros do Oceano Ártico.
Suas emissões totais estimadas de carbono desde janeiro são as mais altas no registro de dados de 18 anos do Serviço de Monitoramento de Atmosfera Copernicus, implementado pelo Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Alcance (ECMWF), que monitora a atividade de incêndio e a poluição resultante para avaliar seu impacto na atmosfera.
“Todo o verão de 2019 foi incomum em termos de atividade de fogo nas altas latitudes do norte e 2020 até agora parece estar evoluindo de maneira semelhante”, disse o cientista sênior do CAMS Mark Parrington. “Isso sugere que poderemos ver intensa atividade de incêndio no Ártico nas próximas semanas, especialmente porque a temporada de incêndios no Boreal tipicamente atinge o pico em julho e agosto”.
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O Serviço Federal Russo de Monitoramento Hidrometeorológico e Ambiental (Roshydromet ) disse que, segundo o monitoramento por satélite), havia 188 pontos de provável incêndio em 22 de julho no território da Sibéria.
Os incêndios foram particularmente intensos na República da Sakha da Rússia e em Okrug Autônomo de Chukotka, no extremo nordeste da Sibéria, ambos sofrendo condições muito mais quentes do que o habitual nos últimos meses. As autoridades russas também declararam que há um risco extremo de incêndio em toda a Okrug Autônoma de Khanty-Mansiysk – Yugra, que fica no oeste da Sibéria.
O CAMS incorpora observações de incêndios florestais dos instrumentos MODIS nos satélites Terra e Aqua da NASA em seu Sistema Global de Assimilação de Fogo ( GFAS ) para monitorar incêndios e estimar a poluição que eles emitem. As estimativas de emissões são então combinadas com o sistema de previsão do tempo do ECMWF para prever como a poluição se moverá ao redor do mundo e afetará a composição atmosférica global.
A fumaça do incêndio consiste em uma ampla gama de poluentes, incluindo monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, compostos orgânicos voláteis e partículas sólidas de aerossóis. Os incêndios no Ártico emitiram o equivalente a 56 megatoneladas de dióxido de carbono em junho, contra 53 megatoneladas em junho de 2019. Os níveis de monóxido de carbono no nordeste da Sibéria eram anormalmente altos na região dos incêndios.
Gelo marinho do Ártico
A onda de calor da Sibéria na primavera passada acelerou a retirada de gelo ao longo da costa russa do Ártico, em particular desde o final de junho, levando a uma extensão muito baixa de gelo do mar nos mares Laptev e Barents, de acordo com os produtos operacionais disponíveis nos EUA. Ice Data Center e o Centro Nacional de Gelo dos EUA (NIC). A rota do Mar do Norte parece estar quase aberta.
Por outro lado, as outras áreas dos mares do Ártico parecem estar próximas da média de 1981 a 2010 para esta época do ano. Tais contrastes servem como exemplos proeminentes das maiores variações que ocorrem para a extensão do gelo marinho na escala regional, em comparação com o Oceano Ártico como um todo, de acordo com os produtos da NSIDC / NIC.
Há uma demanda crescente pela extensão do gelo marinho no verão em escalas regionais e com o aumento da resolução espacial é importante diariamente para apoiar a Valores mensais do gelo do Árticonavegação, enquanto as médias mensais e sazonais são mais relevantes em termos climáticos. .
Normalmente, a maior parte do derretimento ocorre entre julho e setembro, quando ocorre a extensão anual mínima do gelo marinho. A menor extensão de gelo marinho registrada foi em setembro de 2012.
Com o aumento da demanda por dados de extensão e espessura do gelo marinho de maior resolução, é necessário melhorar a precisão dos produtos de gelo marinho para torná-los mais adequados para a criação de gráficos de gelo para segurança marítima, bem como o entendimento das mudanças climáticas em escalas regionais .
Todos os conjuntos de dados monitorados pelo programa Global Cryosphere Watch da WMO concordam com a tendência de queda de longo prazo no gelo do Ártico. Acredita-se que isso esteja afetando os padrões climáticos em outras partes do mundo, e pesquisas estão sendo conduzidas para determinar se está levando a um fluxo de jato mais fraco, associado a padrões de bloqueio como os que afetaram a Sibéria este ano.
O derretimento do gelo e o degelo do permafrost – potencialmente liberando o metano dos gases de efeito estufa – estão causando um grande impacto na infraestrutura e nos ecossistemas de toda a região.
Um novo estudo publicado na Nature Climate Change diz que os ursos polares – um símbolo da mudança climática – podem estar quase extintos até o final do século por causa do encolhimento do gelo do mar.
“Nosso modelo captura tendências demográficas observadas entre 1979 e 2016, mostrando que os limites de impacto de recrutamento e sobrevivência já podem ter sido excedidos em algumas subpopulações. Também sugere que, com altas emissões de gases de efeito estufa, a reprodução e a sobrevivência em declínio acentuado comprometem a persistência de todas, exceto algumas subpopulações de alto nível do Ártico, até 2100 ”, escreveram os autores.
Links e informações
O site Global Cryosphere Watch está aqui
Informações do Portal Polar sobre gelo marinho e icebergs
O site do Data Center Nacional de Neve e Gelo está aqui
Os gráficos de séries temporais do NSIDC estão aqui
O site do Serviço de Monitoramento Atmosférico da Copernicus está aqui
Fonte: World Meteorological Organization – WMO
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/07/2020
Isolamento na pandemia dispara consumo de açúcar
Ingestão excessiva de açucares pode contribuir para desenvolvimento de diabetes e dificuldade no controle de peso
Por Fabiano de Abreu
O período de isolamento e a incerteza quanto ao futuro da pandemia são fatores que vêm contribuindo para o aumento do estresse na população brasileira. O resultado disso é não apenas um crescimento dos problemas relacionados à saúde mental, mas também uma mudança de comportamento alimentar.
De acordo com dados da pesquisa ConVid, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a UFMG e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o consumo de alimentos saudáveis diminuiu durante a pandemia, passando de 37% para 33%.
Por outro lado, a ingestão de alimentos não-saudáveis — tais quais doces, congelados e embutidos — aumentou. Entre jovens adultos, na faixa de 18 a 29 anos, 63% está consumindo doces ou chocolates duas vezes por semana ou mais.
Segundo o nutricionista Leone Gonçalves, esse aumento se explica pela forma como os doces agem no organismo. Ricos em glicose, substância que entra rapidamente na corrente sanguínea, o consumo desses alimentos gera rápida absorção e estimula a produção de alguns hormônios, como a serotonina — neurotransmissor responsável pela regulação do sono e humor.
“Devido a isso, a pessoa experimenta uma sensação de leveza e desestresse, além dos doces estarem frequentemente associados a memórias e sensação de prazer. Ao considerar o cenário atual, é comum que as pessoas busquem por válvulas de escape alimentar, como uma forma de aliviar a tensão”, argumenta o nutricionista.
O grande problema é que, quando consumido em excesso, o açúcar provoca a sobrecarga do pâncreas, que tem que produzir insulina constantemente para regular os níveis de glicose, podendo não ser o suficiente, o que contribui para o desenvolvimento do diabetes.
Outro fator é que há dificuldade em fazer o controle de peso corporal, o que pode levar a um quadro de obesidade e gerar consequências como propensão a doenças cardiovasculares e hipertensão. “Sem contar que um dos problemas mais citados ao falar de consumo excessivo de doces é a cárie, devido a desmineralização das estruturas dentárias”, comenta o nutricionista.
Atenção aos excessos
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, do percentual de calorias consumidas diariamente, apenas 10% devem ser oriundas de açúcares. Em uma dieta saudável, esse nível de ingestão se restringir a 5%. O ideal é que a pessoa não consuma mais do que 50 gramas da substância por dia.
De acordo Leone Gonçalves, a dicas é procurar manter as principais refeições nos horários corretos e não colocar o doce como o grande vilão. “O doce pode fazer parte da refeição, desde que de maneira equilibrada. Ele pode ser incluído na forma de sobremesas ou como café da manhã, se tiver como base a adição de frutas, por exemplo”, recomenda.
Além disso, é possível apostar em receitas de doces com ingredientes naturais, que podem ir desde cremes de cacau a picolés de frutas. “É importante não se culpar caso queira comer um doce, ele pode fazer parte da alimentação. É preciso apenas que haja atenção a quantidade e a frequência”, alerta Leone.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/07/2020
EcoDebate - Edição 3.484 de 30/ julho / 2020
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“Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]
quarta-feira, 29 de julho de 2020
ENEM em tempos de pandemia: Uma análise do discurso governamental
Artigo de Ricardo Santos David
[EcoDebate] Essa frase tem nos acompanhado muito nesse período de pandemia mundial que estamos enfrentando. Muito. E em diversos aspectos; seja emocional, social, político, entre outros. Mas, deparando-nos com a chamada do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Ministério da Educação, deparamos com a realidade do aspecto social que Educação Brasileira atravessa nesse momento. Não somente pela questão dos candidatos ao maior vestibular do país…mas…em como o discurso que o atual governo trata em si algo tão caro a todos nós… (ou assim deveria ser).
Como um admirador da Análise do Discurso, pensemos que há muitas maneiras de significar a “palavra em curso”: o sentido percebido é notoriamente o da exclusão. Sim, exatamente, pois num país com dimensões tão continentais como o nosso, e na realidade dessa grande crise sanitária que assola não só o Brasil como todo o mundo, notoriamente é dado lugar de fala àqueles que, neste momento, são os “propriamente dignos” de ao menos tentarem ingressar nas universidades federais, deixando para trás tantos outros brasileiros que poderiam de fato ocupar “as gerações de profissionais” que, como cita a chamada, serão desperdiçados no futuro. E perceber que a educação tem esse caráter excludente, vindo de quem deveria proporcioná-la com maior equidade…é completamente frustrante. Acreditamos, de fato, que é o que mais machuca, principalmente quando se acredita tanto nela, é constatar esse fato. E principalmente no grande apoio que essa fala tem de muitos brasileiros também.
Como afirma M. Pecheux, “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido” (ORLANDI, 2007), fica nítida a relação de todo o sentido que atual propaganda carrega no tocante de quem merece o “ futuro que está logo aí”. Para que perceber a realidade em que os estudantes da rede pública estão enfrentando? A nova realidade na qual fomos obrigados a forçosamente nos adaptar (ou não) da educação online apontou (e fez disparar) mais ainda a desigualdade a que tantos estão vivendo. É o discurso vai produzindo sentido…mas…quem se importa com os “excluídos”? E daí, não é mesmo?
Existem muitos outros pontos que podemos trazer à luz da reflexão com base apenas nessa propaganda. Tantos. Por ora, nos entristecemos.
O que ouvimos naquela somatória de frases “Estude de qualquer jeito, a vida não pode parar” é carregado de simbolismos do discurso separatista da ideologia apresentada pelo pensamento adotado do atual governo do nosso país. E hoje, minha luta é saber que esse não é o sentido que desejo para a minha juventude. A gente pode e deve se reinventar sim, mas de mãos dadas, entendendo que a educação, de verdade e igualitária, pode sim mudar o tão dito futuro do país. “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”, como já dizia nosso amado Paulo Freire.
Referência:
ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 07. ed. Campinas: Pontes, 2007.
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Ricardo Santos David, Pós – Doutorado em Educação: Formação de Professores, pela FCU – Florida Christian University – EUA – IESLA – Mestrado e Doutorado em Educação e Comunicação:Audiovisual, pela Uniatlántico – América Latina e Europa – Graduação em Pedagogia, Letras, Bacharelado em Linguística, pela UCAM, Universidade Candido Mendes – Rio de Janeiro – Email: ricardosdavid@hotmail.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/07/2020
Poluição atmosférica reduz em dois anos expectativa de vida em todo o mundo
São Paulo supera em quase 3 vezes recomendação da OMS para material particulado no ar
ClimaInfo
Um relatório lançado ontem (28/07) mostra que a poluição do ar por material particulado reduz em dois anos a expectativa média de vida das pessoas em todo o mundo. O Air Quality Life Index (AQLI) destaca ainda que a poluição particulada era o maior risco para a saúde humana antes da COVID-19 — e deve voltar a ser se não houver políticas públicas voltadas a uma redução permanente após a pandemia.
“Embora a ameaça do coronavírus seja grave e mereça toda a atenção que está recebendo — talvez mais em alguns lugares –, enfrentar a gravidade da poluição do ar com um vigor semelhante permitiria que bilhões de pessoas em todo o mundo levassem vidas mais longas e saudáveis”, diz Michael Greenstone, professor de economia do Milton Friedman Distinguished Service e criador do AQLI junto com colegas do Energy Policy Institute da Universidade de Chicago (EPIC). “A realidade é que não há vacina que alivie a poluição do ar. A solução está numa política pública robusta”.
O documento afirma que se todos os países mantiverem a poluição particulada dentro dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde, que é de 10 μg/m3, a expectativa de vida atual subiria de 72 anos para 74. Em média, os seres humanos estão expostos a uma concentração de 29 μg/m3 desse tipo de contaminação.
Trabalhando dentro do corpo humano sem ser percebida, a poluição particulada tem um impacto mais devastador na expectativa de vida do que doenças transmissíveis como tuberculose e HIV/AIDS, assassinos comportamentais como o fumo e até mesmo a guerra. O tabagismo leva a uma redução na expectativa média de vida global de cerca de 1,8 ano. O uso de álcool e drogas reduz a expectativa de vida em 11 meses. A falta de água potável e de saneamento subtraem 7 meses. Na média, HIV/AIDS reduz a vida em 4 meses, e a malária em 3 meses. Conflitos e terrorismo cortam 18 dias de vida.
Poluição em São Paulo
Mariana Veras, coordenadora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental do Hospital das Clínicas, teve acesso ao relatório e explica que os números referentes ao Brasil estão longe de refletir a realidade nos grandes centros urbanos do país, muitos deles sem monitoramento adequado de poluentes. “No estado de São Paulo, a questão do monitoramento é um pouco melhor, já que contamos com uma rede ampla da CETESB”, destaca a pesquisadora. “Dados dos últimos relatórios da qualidade do ar mostram que a média da concentração de PM2.5 está em torno de 28 ug/m³”. O dado citado por Veras é quase o triplo do recomendado pela OMS.
A pesquisadora explica que a poluição é uma ameaça mais grave a idosos e criança, e que moradores da periferia, que gastam mais tempo no trânsito, são mais impactados. “Os níveis atuais de poluição em São Paulo reduzem a expectativa de vida em cerca de um ano e meio, principalmente devido a câncer de pulmão e de vias aéreas superiores, infarto agudo do miocárdio e arritmias, bronquite crônica e asma”, afirma. Na capital paulista, Veras diz que a estimativa é que morre-se por poluição mais do que por acidentes de trânsito (1.556 no ano), 3 vezes e meia do que Câncer de mama (1.277), quase 6 vezes por AIDS (874) ou Câncer de Próstata (828).
A bióloga afirma que as políticas públicas brasileiras carecem de aplicação efetiva, e cita o PROCONVE e a Política Municipal da Mudança do Clima de São Paulo. “Nós fizemos um estudo na época do adiamento de uma das fases do PROCONVE. Os resultados mostraram que o adiamento por 3 anos da implementação em relação ao diesel provoca um excesso estimado de 13.984 mortes até 2040 e as despesas previstas com saúde aumentam em quase US $ 11,5 bilhões no mesmo período”.
Reduções na China
75% de toda a redução mundial da poluição atmosférica foi feita na China. Desde que o país começou a chamada “guerra contra a poluição”, em 2013, o país reduziu a poluição em quase 40% em 5 anos, adicionando cerca de 2 anos à expectativa média de vida da população. Para se ter uma ideia da magnitude dessas medidas, foram necessárias várias décadas de redução da poluição — e até de recessões econômicas — para que os Estados Unidos e a Europa conseguissem o mesmo alívio que a China conquistou em 5 anos, sem interromper o crescimento de sua economia.
A redução da poluição atmosférica em alguns países foi anulada globalmente pelo agravamento das condições em outras regiões. A situação mais alarmante é a do Sul da Ásia, que registou um aumento de 44% na poluição, reduzindo a expectativa de vida em 5 anos em média em Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão. Cerca de um quarto da população mundial vive nestes quatro países, mas eles representam 60% dos anos de vida perdidos devido à poluição.
Bangladesh é o país mais poluído do mundo, mas uma região específica da Índia — Uttar Pradesh, com quase 250 milhões de habitantes — está expondo a população a um nível de contaminação que não é comparável a nenhum outro lugar do planeta e pode custar até 8 anos de vida de seus moradores.
Sobre o Índice de Qualidade de Vida do Ar (AQLI)
O AQLI é um índice de poluição que traduz a poluição atmosférica particulada na métrica mais importante que existe: seu impacto na expectativa de vida. Esse parâmetro foi desenvolvido por Michael Greenstone, professor de Economia do Milton Friedman Distinguished Service e criador do AQLI junto com colegas do Energy Policy Institute da Universidade de Chicago (EPIC).
O AQLI é embasado em pesquisas que quantificam a relação causal entre a exposição humana de longo prazo à poluição do ar e a expectativa de vida. O índice então combina medições de partículas hiperlocalizadas e globais, produzindo uma percepção sem precedentes do verdadeiro custo da poluição por partículas em comunidades ao redor do mundo. O Índice também ilustra como as políticas de poluição do ar podem aumentar a expectativa de vida quando cumprem as diretrizes da Organização Mundial da Saúde para o que é considerado um nível seguro de exposição, padrões nacionais de qualidade do ar existentes ou níveis de qualidade do ar definidos pelo usuário. Estas informações podem ajudar a informar as comunidades locais e os formuladores de políticas sobre a importância das políticas de poluição do ar em termos concretos.
Do ClimaInfo, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/07/2020
EcoDebate - Edição 3.483 de 29/ julho / 2020
Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura
O sucesso da Tailândia no controle da pandemia da covid-19
ODS 16: Paz, Justiça e Instituições Responsáveis
ENEM em tempos de pandemia: Uma análise do discurso governamental
Rápida perda de carbono devido ao aquecimento das turfeiras
Rapid carbon loss from warming peatlands
Poluição atmosférica reduz em dois anos expectativa de vida em todo o mundo
“Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]
terça-feira, 28 de julho de 2020
Antropoceno: principais conceitos
vertigo
Vertigo, lithograph by French artist Antonin Malchiodi, 2018.
Com o objetivo de entender os debates em curso sobre o Antropoceno, não basta apenas conhecer a palavra, criada pelo biólogo norte-americano Eugene F. Stoermer, em 1980, e popularizada pelo cientista atmosférico holandês Paul Crutzen no início dos anos 2000. Apresentamos aqui uma visão geral de alguns termos técnicos fundamentais.
Biocapacidade (capacidade biológica)
Este conceito foi inicialmente apresentado no início da década de 1990 pelo defensor da sustentabilidade, o suíço Mathis Wackernagel(link is external), e pelo ecologista canadense William Rees(link is external). Sua pesquisa sobre a capacidade biológica do planeta, necessária para determinada atividade humana, levou ambos a definir dois indicadores: a biocapacidade e a pegada ecológica (ver abaixo). Desde 2003, esses dois indicadores são calculados e desenvolvidos pela Global Footprint Network(link is external), que define biocapacidade como “a capacidade dos ecossistemas de produzir materiais biológicos utilizados pelas pessoas e de absorver os resíduos gerados pelos seres humanos, nos atuais regimes de gestão e com as atuais tecnologias de extração”.
Capitaloceno
Esse termo foi apresentado pelo historiador ambiental e geógrafo histórico, o norte-americano Jason W. Moore(link is external), que preferia usar o termo Capitaloceno em vez de Antropoceno. Segundo ele, foi o capitalismo que criou a crise ecológica global que está nos levando a uma mudança de era geológica. Uma variante do Capitaloceno, a noção de Ocidentaloceno, declarada particularmente pelo historiador francês Christophe Bonneuil, afirma que a responsabilidade pela mudança climática recai sobre as nações ocidentais industrializadas, não sobre os países mais pobres.
Coevolução dos genes e da cultura
Segundo o sociobiologista norte-americano Edward O. Wilson(link is external), os genes tornaram possível o surgimento da mente e da cultura humanas (linguagem, parentesco, religião etc.) e, no sentido inverso, os traços culturais podem favorecer a evolução genética em contrapartida. Isso ocorre por meio da estabilização de determinados genes, que conferem uma vantagem seletiva aos membros do grupo em que o comportamento cultural é observado. Vários antropólogos e biólogos criticaram essa ideia de “coevolução” entre genes e cultura, argumentando que a transmissão de traços culturais é um fenômeno volátil que não obedece às leis da evolução darwiniana. Esses estudiosos também argumentam que, nos últimos 50 mil anos, a humanidade passou por transformações culturais significativas, enquanto o banco genético humano permaneceu inalterado – com apenas algumas exceções.
Pegada ecológica
De acordo com a Global Footprint Network(link is external), esta expressão é “uma medida de quanta área de terra biologicamente produtiva e quanta água um indivíduo, uma população ou uma atividade requer para produzir todos os recursos que consome e para absorver os resíduos que gera, utilizando a tecnologia e as práticas de gestão de recursos predominantes”.
Época geológica
A escala de tempo geológico é caracterizada por diferentes tipos de unidades, éons (períodos de tempo indefinidos, divididos em muitas eras), eras, períodos, épocas e idades (que dividem as épocas em partes menores). Para ser reconhecida como tal, cada subdivisão deve ter condições paleoambientais (características climáticas), paleontológicas (tipos de fósseis) e sedimentológicas (resultantes da erosão por seres vivos, solos, rochas, aluvião etc.), que sejam similares e homogêneas.. A Comissão Internacional sobre Estratigrafia (International Commission of Stratigraphy(link is external)) e a União Internacional de Ciências Geológicas (International Union of Geological Sciences – IUGS(link is external)) estabelecem os padrões globais para as escalas de tempo geológico. Atualmente, nós vivemos na época do Holoceno, que é associada à sedentarização humana e à agricultura. Se todas as condições acima forem atendidas, o Antropoceno poderá, em breve, ser definido como uma nova época geológica.
A grande aceleração
Os cientistas concordam que, desde a década de 1950, os ecossistemas foram modificados de forma mais rápida e profunda do que jamais ocorreu – sob os efeitos combinados do aumento sem precedentes do consumo em massa – em países pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organisation for Economic Co-operation and Development – OECD(link is external)), –, do expressivo aumento populacional, do crescimento econômico e da urbanização. O químico norte-americano Will Steffen denominou esse fenômeno de “a grande aceleração”.
A grande divergência
A expressão “grande divergência”, criada pelo historiador norte-americano Kenneth Pomeranz, designa a expansão industrial que separou a Europa da China desde o século XIX. Segundo Pomeranz, a distribuição geográfica desigual de recursos carboníferos e a conquista do Novo Mundo deram o impulso determinante para a economia europeia.
Planeta (como unidade de medida)
A pegada ecológica tem um “equivalente planetário”, ou o número de planetas necessários para sustentar as necessidades da humanidade em determinado momento. Com o objetivo de determinar a pegada ecológica de um país, medimos o número de planetas que seriam necessários pela população mundial se ela consumisse tanto quanto a população daquele país. De acordo com o World Wildlife Fund (WWF), “todos os anos, a humanidade consome o equivalente a 1,7 planeta para atender a suas necessidades”.
Sexta extinção
A “grande extinção” é a expressão dada a um breve evento em tempo geológico (vários milhões de anos) durante o qual pelo menos 75% das espécies de plantas e animais desaparecem da superfície terrestre e dos oceanos. Das cinco grandes extinções já registradas, a mais conhecida é a do Cretáceo-Terciário, há 66 milhões de anos, que incluiu a extinção dos dinossauros. O biólogo norte-americano Paul Ehrlich sugeriu que entramos agora na sexta grande extinção – embora, por enquanto, sua destruição em termos de números de espécies seja consideravelmente menor do que das outras cinco: 40% dos mamíferos do planeta terão visto a extensão de seus habitats serem reduzidos em 80% entre 1900 e 2015.
Esferas
Para o mineralogista e geólogo russo Vladimir Vernadsky, que em 1926 desenvolveu o conceito de biosfera, o Planeta Terra é constituído pelo entrelaçamento de cinco esferas distintas – a litosfera, camada externa de rocha rígida; a biosfera, constituída por todos os seres vivos; a atmosfera, o invólucro de gases conhecido como ar; a tecnosfera, que resulta das atividades humanas; e a noosfera, a parte da biosfera ocupada pelo pensamento humano, incluindo todos os pensamentos e ideias. Desde então, outros autores adicionaram a essa lista as noções de hidrosfera (toda a água presente no planeta) e a criosfera (gelo).
Tecnodiversidade
O termo biodiversidade se refere à diversidade de ecossistemas, espécies e genes, e a interação desses três níveis, em determinado ambiente. Por analogia, a tecnodiversidade se refere à diversidade de objetos tecnológicos e de materiais utilizados para fazê-los.
Tecnofósseis
Fósseis são os vestígios mineralizados de indivíduos que viveram no passado. Por analogia, os tecnofósseis são os vestígios de objetos tecnológicos.
Tecnosfera
A tecnosfera se refere à parte física do ambiente que é modificada pelas atividades humanas. É um sistema globalmente interligado, que abrange: seres humanos, animais domesticados, terras agrícolas, máquinas, cidades, fábricas, estradas e redes, aeroportos etc.
Ilustração:
Antonin Malchiodi(link is external)
Fonte: UNESCO
Nota da redação: Em relação ao tema “Antropoceno” sugerimos que leia, também:
Antropoceno: Emergência E Advertência Global
O Apartheid Ambiental É A Norma No Antropoceno
A Utopia Na Era Do Antropoceno
A Pandemia Da Covid-19: Entre Gaia E O Antropoceno
O Ano De 2020 Está A Caminho De Ser O Mais Quente Do Antropoceno
Antropoceno: A Era Do Colapso Ambiental
Frangos De Corte Modernos São Uma Característica Definidora Do Antropoceno
Ecocídio No Antropoceno: 60% Dos Animais Silvestres Foram Extintos Em 44 Anos
Água E Resíduos Sólidos: Ambiente, Saúde E Bem-Estar Humano No Contexto Do Antropoceno
O Antropoceno É Um Alerta Sobre As Ações Humanas No Planeta
O Implacável Antropoceno X A Resiliência Ecossistêmica
Brasil No Antropoceno: Desenvolvimento Predatório E Políticas Ambientais
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/07/2020
Covid-19 e seu impacto nas emissões de carbono
O surgimento de um novo coronavírus no final de 2019, que levou à principal pandemia em andamento, já afetou a vida das pessoas, os sistemas de saúde e o mundo comercial.
Por David Bradley*, Inderscience
Evidências anedóticas no início dos “bloqueios” impostos por muitos governos pareciam sugerir que os níveis de poluição caíam à medida que a densidade do tráfego rodoviário e aéreo caía consideravelmente e as pessoas começaram a trabalhar em casa nas principais cidades do mundo. O consumo de certos produtos também caiu, embora a demanda inicial por itens essenciais tenha sido alta, pois as pessoas entraram em pânico e estocaram alimentos e outros suprimentos. No entanto, à medida que os bloqueios são facilitados, agora há um aumento no uso de plásticos para proteção pessoal descartável e em lojas, residências e locais de trabalho, além de embalagens para ajudar a reduzir a propagação do vírus.
Diante de uma pandemia, é como se as mudanças climáticas e a poluição tivessem sido figuradamente colocadas em segundo plano como sérias preocupações para a humanidade. No entanto, Alberto Boretti, da Faculdade de Engenharia da Universidade Prince Mohammad Bin Fahd, em Al Khobar, Arábia Saudita, escrevendo no Jornal Internacional de Aquecimento Global, analisou os níveis de dióxido de carbono durante o desligamento. De fato, as emissões caíram consideravelmente à medida que as companhias aéreas foram aterradas, as fábricas foram fechadas, as empresas fechadas e os cidadãos confinados em suas casas.
Ele sugere que nossa atual atividade reduzida nos últimos meses no auge da pandemia do COVID-19 poderia nos fornecer novos dados para demonstrar exatamente como as emissões de carbono são antropogênicas . Em 2014, o Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC) expressou como é 95% certo de que os seres humanos são a principal causa do atual aquecimento global. Mas existem negadores e detratores. Os dados mostram que não houve uma queda na concentração de dióxido de carbono na atmosfera desde o bloqueio, fatores naturais à medida que a temperatura aumenta e a variação sazonal parecem obscurecer qualquer efeito em um período de tempo tão curto. Sabe-se que o próprio processo de aquecimento global aumenta as emissões de dióxido de carbono de fontes naturais.
“Embora não possamos legislar sobre mudanças naturais, parece apropriado identificar melhor todas as ameaças ambientais e sociais à disponibilidade de água, alimentos, energia, além de saúde e conservação de ecossistemas; em seguida, otimizar estratégias de mitigação e adaptação de acordo com os riscos relativos das várias ameaças”, alerta a equipe.
Referência:
Boretti, A. (2020) COVID 19 impact on atmospheric CO2 concentration, Int. J. Global Warming, Vol. 21, No. 3, pp.317–323.
DOI https://dx.doi.org/10.1504/IJGW.2020.10030532
Nota da redação: Em relação ao tema “Covid-19/Coronavírus e Meio Ambiente” sugerimos que leia, também:
Coronavírus E O Meio Ambiente
Fatos Sobre Coronavírus E Meio Ambiente
Coronavírus, Meio Ambiente E Humanidade: O Que Temos A (Re)Aprender?
Coronavírus: Qual A Relação Do Meio Ambiente Com A Pandemia?
Como O Isolamento Social Tem Impactado No Meio Ambiente?
Os Efeitos Que Já Podemos Ver Da Pandemia Sobre O Meio-Ambiente
SARS-CoV-2 e o meio ambiente: impactos positivos e negativos
* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/07/2020
EcoDebate - Edição 3.482 de 28/ julho / 2020
Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura
Novos Produtos e de Novas Tecnologias Sustentáveis para a Produção de Banana
Aumenta busca por energia solar fotovoltaica no Brasil
Síndrome de Ménière: o que é e como afeta a qualidade de vida
Covid-19 e seu impacto nas emissões de carbono
Impact of Covid-19 on carbon emissions
Eventos climáticos extremos e as mudanças climáticas – entenda
Antropoceno: principais conceitos
“Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]
Mulheres indígenas são protagonistas na luta contra a Covid-19
James,
Mulheres indígenas simbolizam como ninguém o cuidar. Desde meninas, elas ajudam as mães na roça, no preparo do alimento e a tomar conta dos curumins menores. Também aprendem sobre a floresta e as plantas que curam. Além disso, as indígenas são lideranças políticas, empreendedoras, acadêmicas, intelectuais e xamãs que levam a habilidade do cuidar para outras esferas da vida – além do espaço privado doméstico.
A “Campanha Rio Negro, Nós Cuidamos!” reflete tudo isso. Em quase três meses de atividade, já recebeu contribuições de centenas de doadores -- muitos deles amigos dos povos indígenas do Rio Negro. A união de forças com as guerreiras representadas pelo Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), juntou, até terça-feira (21/07), R$ 220 mil reais. A meta é chegar a R$ 500 mil para manter e expandir as ações ao longo de todo o período da pandemia. Leia mais aqui.
Mulheres indígenas atuando no enfrentamento ao Covid-19 - em São Gabriel da Cachoeira (AM). Créditos: Raquel Uendi / ISA
Além da parceria do Instituto Socioambiental (ISA), a iniciativa conta com o apoio logístico do projeto Asas da Emergência, do Greenpeace. A grife carioca FARM também se juntou à campanha doando 10 mil máscaras de pano. Ao todo, 47 mil máscaras foram distribuídas, sendo a maioria produzida pelas mulheres indígenas em São Gabriel da Cachoeira (AM) a partir da compra de máquinas de costura.
A campanha contribuiu inclusive com a compra de equipamento médico para as equipes de saúde indígena. Também foram distribuídos alimentos, ferramentas agrícolas, equipamentos de comunicação e kits de pesca. A iniciativa conta com os comunicadores indígenas da Rede Wayuri, que enviam informações em português e nas línguas indígenas via radiofonia, podcast, carro de som, rádio AM e FM, cartilhas informativas, banners e faixas sobre prevenção da Covid-19.
A parceria do ISA com o Departamento de Mulheres Indígenas da Foirn fortalece, articula e apoia suas ações, ampliando suas vozes, direitos e protagonismo. A "Campanha Rio Negro, Nós Cuidamos!" manifesta a força da mulher indígena. A iniciativa nos inspira e nos faz acreditar que é possível construirmos um mundo melhor na pós-pandemia, com mais generosidade, cuidado e afeto.
Junte-se ao ISA!
Nos ajude a fortalecer a luta das mulheres indígenas.
Quero me juntar ao ISA!
Juliana Radler
Instituto Socioambiental - ISA
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segunda-feira, 27 de julho de 2020
SARS-CoV-2 e o meio ambiente: impactos positivos e negativos
Em fevereiro de 2020, o mundo parou por causa do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença que ele provoca, a COVID-19, que até o fechamento desta matéria já havia ceifado a vida de mais de 72 mil pessoas no Brasil. O vírus chegou em onda e foi tomando a Terra de assalto.
Três Conselheiros do CRBio-02 – Cristina Nassar, Christiane Leal Corrêa e Anderson Mendes Augusto – se unem para abordar a inter-relação do SARS-CoV-2 com o meio ambiente.
Integrantes da Organização Americana de Saúde (Opas), braço regional nas Américas da Organização Mundial de Saúde (OMS), dizem que o pico da epidemia no Brasil deve acontecer em agosto, quando o país talvez registre mais de 80 mil mortes. Para conter a letalidade da doença, em praticamente todos os países do mundo, foi promovido o afastamento social, com objetivo de diminuir a disseminação do vírus.
A suspensão de grande parte das atividades humanas reduziu significativamente os níveis de poluição do ar. Imagens de satélites demonstraram uma queda considerável nos níveis de dióxido de nitrogênio (NO2) e das emissões de dióxido de carbono (CO2). Só na China as emissões caíram cerca de 25%, de acordo com o site Carbon Brief.
Mas tais mudanças são apenas temporárias, circunstanciais, como diz a Conselheira do CRBio-02, Cristina Nassar (12.653/02-D), coordenadora do Programa de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Quando tudo isso passar – e vai passar – a produção irá voltar com força total, em uma tentativa de recuperação econômica. Não me espantaria que, pontualmente, a poluição se elevasse a níveis maiores que os de antes da pandemia”, afirma.
A Bióloga ressalta que, se estamos falando de redução da produção humana, os impactos positivos não se restringem apenas à diminuição da poluição atmosférica. “Imagine que, com menos pessoas ativas, ocorre uma diminuição do desmatamento, da caça e pesca predatórias, do uso de agrotóxicos, da poluição de corpos d’água, etc. Mas é assim que queremos melhorar nosso meio ambiente? Acredito fortemente que não! Menos atividade humana, significa menos produção de alimentos, fármacos, tecnologia, inovação e tantas outras coisas que necessitamos”.
“Por outro lado – continua a Bióloga Cristina -, pessoas inescrupulosas podem ver esse momento de distanciamento social como uma oportunidade de burlar a fiscalização e causar danos irreparáveis ao meio ambiente, como temos visto os noticiários sobre queimadas em unidades de conservação e invasão de terras indígenas”.
Para Cristina, a espécie humana tem um impacto no planeta, bom ou ruim, que nenhuma outra tem. “Nós possuímos a capacidade de atuar nos mais remotos cantos da Terra. No entanto, apesar de muitas vezes vermos o ambiente como algo a ser explorado por nós, em detrimento de outras espécies, os humanos são mais um elo na teia trófica que integra os organismos vivos que interagem em nosso mundo. Como muitos dizem: ‘Nós precisamos do planeta, mas ele não precisa de nós'”.
Cristina acha surpreendente como o planeta poderia dar conta da ausência do ser humano, obviamente, com grandes mudanças: “Sem o homem, em poucos dias não haverá energia. Quem irá operar as hidroelétricas, termoelétricas e as usinas nucleares? Essas plantas de geração de energia entrarão em colapso em dias. A partir daí, começarão alguns desastres… diferentes instalações industriais vão parar, explodir e vazar substâncias tóxicas. Estamos falando de anos? Não! Falamos de dias. Mas, entre 100 e 300 anos as represas, prédios e pontes vão ruir. Pode ser chocante imaginarmos que ícones de nossa sociedade, tais como grandes edificações e monumentos, irão corroer e desabar em poucos séculos. Sabe uma coisa que ainda estará lá em cerca de 5 séculos? As pirâmides e demais monumentos em pedra. E o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro? Apesar do monumento parecer ser uma estrutura sólida, ele não é. Logo a falta de manutenção e as intempéries (chuvas e raios) afetariam sua estrutura que começaria a ruir. Triste não?”.
Na verdade, o discurso da Bióloga Cristina nos leva a crer que assim que a pandemia diminuir seu ritmo, tudo voltará a ser como era antes. Pelo menos em termos de meio ambiente, não haverá um “novo normal”. Então, teríamos de dar tchau aos peixinhos dos canais de Veneza (Itália) e aos tucanos pendurados na rede elétrica de Belo Horizonte (Brasil).
Descarte de máscaras e luvas gera problema ambiental
Se retirar os seres humanos das ruas e dos seus locais de trabalho promoveu uma série de melhorias ao meio ambiente, colocá-los de volta, mas protegidos de uma segunda onda dessa pandemia, está preocupando ambientalistas e profissionais da área de saúde. Dentre os vários motivos está o descarte de milhares de máscaras respiratórias, o que vem acontecendo por conta da obrigatoriedade do uso em vários países do mundo, principalmente os mais afetados pela pandemia, como Brasil, Estados Unidos, países da Europa Meridional, China, Japão, entre outros.
É que esses bilhões de máscaras respiratórias, que estão sendo produzidas por diversos países para atender a uma população mundial de 7,7 bilhões de pessoas, serão usadas e descartadas. É aí que mora o perigo. Com o uso de EPIs pela população mundial, principalmente máscaras respiratórias e luvas (produzidas em TNT, algodão, látex, vinil e outros materiais), a preocupação fica voltada para o correto descarte desses produtos depois de utilizados.
De acordo com a Conselheira do CRBio-02, Christiane Leal Corrêa (29.635/02-D), professora adjunta do Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutora em Fisiopatologia Clínica Experimental, as máscaras descartáveis e as luvas utilizadas para uso contra a contaminação do SARS CoV-2 estão se tornando um problema ambiental que pode ter consequências mundiais.
“Inundaram o mercado com um equipamento de proteção individual de baixo custo, leve, de aspecto inofensivo, mas que agora está gerando reflexos na natureza. Muitos desses materiais são feitos de polipropileno e podem levar anos para serem degradados. O uso mensal estimado de 129 bilhões de máscaras e 65 bilhões de luvas em todo o mundo, está resultando em contaminação ambiental generalizada (PRATA et al., 2020)”.
“Assim – diz Christiane Corrêa -, as máscaras descartáveis (uso único) que chegam ao meio ambiente por meio de lixões, descarte em aterros, lixo em espaços públicos, água doce, oceanos, podem estar contribuindo para o surgimento de uma nova fonte de fibras microplásticas, que podem degradar, fragmentar ou decompor-se em pequenos tamanhos e pedaços de partículas com menos de 5mm, conhecidas como microplásticos em condições ambientais. O tempo que a natureza precisa para absorver os materiais dessas máscaras respiratórias e luvas pode ser bastante variado. Alguns trabalhos falam em 450 anos”.
“As máscaras descartáveis são produzidas a partir de polímeros como polipropileno, poliuretano, poliacrilonitrila, poliestireno, policarbonato, polietileno ou poliéster. Com o aumento da produção e do consumo de máscaras em todo o mundo estamos diante de um novo desafio ambiental, aumentando o vasto desperdício de plástico e partículas de plástico no meio ambiente”, informa a Bióloga.
Dessa forma, o descarte incorreto de máscaras e luvas utilizadas para proteção contra o SARS-CoV-2, no lixo público ou doméstico, está se tornando um problema. E Christiane Corrêa orienta:
“Para a higienização após o uso, deve-se deixar as máscaras respiratórias de molho na água sanitária ou hipoclorito por 10 minutos, assim como as luvas. Esse procedimento visa inativar o vírus, antes de expor o material ao contato com outros indivíduos. Assim sendo, é de fundamental importância descontaminar todo o material descartável antes de ser embalado para descarte. Para o descarte, deve-se embalar máscaras e luvas usadas em sacos impermeáveis e resistentes e identificar de forma clara e de fácil visualização, fechando por mais de 24 horas. Com isso, esses resíduos poderão ser conduzidos para uma unidade de tratamento e destinação final”.
A preocupação com a embalagem e identificação tem como objetivo minimizar os prejuízos coletivos, incluindo os do meio ambiente terrestre e marinho. Christiane informa ainda que a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou legislação pertinente RDC Anvisa 306 de 2004 e a Resolução Conama 358 de 2005, que define como os resíduos de serviços de saúde (RSS) devem ser tratados. “Essa legislação pode ser um ótimo orientador para o correto descarte das máscaras respiratórias e das luvas utilizadas para proteção do SARS CoV-2”, finaliza Christiane Leal.
Ainda pensam que o culpado é o morcego
Perguntamos ao Conselheiro do CRBio-02, Anderson Mendes Augusto (24.653/02-D), como seria possível evitar que novos vírus, até mais letais que o SARS-CoV-2, surjam ameaçando a humanidade? Ele foi categórico:
“É inevitável, enquanto houver o desmatamento de áreas naturais e a caça de animais silvestres, isso pode acontecer, pois tais fatos aumentam o convívio do homem e dos animais de produção e domésticos com animais infectados naturalmente com vírus ainda desconhecidos, ampliando a probabilidade de transmissão. É em função dessa proximidade, que novos vírus ‘saltam’ da vida selvagem para os seres humanos”, finaliza Anderson.
Biólogo, tendo passado 28 anos na Fundação RIOZOO e RioZOO/SA e mestre em Gestão Ambiental, ele diz que a família do novo coronavírus, o SARS-CoV-2, infecta mamíferos e aves: “Em geral podem causar problemas respiratórios e entéricos, porém, podem afetar outros sistemas”.
Anderson informa que os vírus desta família infectam naturalmente diversas famílias de quirópteros (morcegos) localizadas na Ásia, África e Américas. E, tem-se a hipótese, que estes vírus e morcegos coevoluem há milhares de anos:
“Existe um tripé, onde uma terceira espécie propicia o ‘salto’ do vírus para os humanos. Esse tripé é formado pelos quirópteros e uma outra espécie que pode ser doméstica, de criação ou silvestre, que por sua proximidade com seres humanos facilita a infecção pelo vírus”, informa Anderson.
Tais saltos geralmente ocorrem nas bordas das florestas, onde o desmatamento coloca as pessoas em contato com os habitats naturais dos animais, em zonas rurais nas quais ações antrópicas (caça, desmatamento) aproximam o homem das espécies naturalmente infectadas, podendo haver a transferência para animais domésticos ou de produção e destes para o homem.
Anderson ressalta que “Dengue, febre amarela e zika são exemplos de doenças que nos acometem há séculos e por terem os mosquitos como seus transmissores são de difícil erradicação, mas passíveis de controle. Outros exemplos que têm como hospedeiros os quirópteros são a raiva e o ebola, ambas com alta letalidade. Esses são somente alguns exemplos mais conhecidos”.
“Mais da metade do desmatamento tropical do mundo é impulsionado por quatro commodities: carne bovina, soja, óleo de palma e produtos de madeira. Eles substituem florestas tropicais maduras e com biodiversidade por monoculturas e pastagens. Como a floresta é degradada aos poucos, os animais que ainda vivem em fragmentos isolados da vegetação natural lutam para existir. Quando os assentamentos humanos invadem essas florestas, o contato humano-vida selvagem pode aumentar e novos animais oportunistas também podem migrar”. *
* Trecho de um artigo escrito a seis mãos por Amy Y. Vittor, professora assistente de Medicina da Universidade da Flórida (EUA); Gabriel Zorello Laporta, professor de Biologia e Doenças Infecciosas da Faculdade de Medicina do ABC (Brasil), Maria Anice Mureb Sallum, professora de Epidemiologia da Universidade de São Paulo (Brasil).
Do CRBio-02, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/07/2020
Letalidade da covid-19 é o dobro nas favelas em relação aos bairros ricos do Rio
A taxa de letalidade da covid-19 chega a ser o dobro nas regiões com alta e altíssima concentração de favelas com relação aos bairros sem favelas, no Rio de Janeiro (RJ).
Os dados são do primeiro Boletim Socioepidemiológico da Covid-19 nas Favelas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ainda segundo a publicação, a doença é mais letal em homens do que em mulheres e na população negra de territórios periféricos.
Bianca Leandro, pesquisadora do boletim e professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), afirma que a pesquisa foi feita a partir de uma divisão do município carioca em cinco partes, que vão desde regiões sem favelas até aquelas com altíssima concentração de favelas.
“Com os dados, nós observamos uma periferização da doença ao longo do tempo. A doença inicia tendo seus primeiros casos em bairros com maiores e melhores de condições socioeconômicas, como Copacabana e Gávea, e ao longo do tempo vai se disseminando para outros, na zona norte e oeste”, afirma Leandro.
A pesquisadora também aponta para uma desigualdade no acesso aos testes entre as áreas analisadas. Os locais com sistemas de saúde mais estruturados oferecem mais acesso à testagem, o que possibilita um melhor atendimento e planejamento de política pública.
Os números mostram que apesar da covid-19 não escolher as suas vítimas, a qualidade da proteção e amparo sanitário e econômico oferecida pelo Estado determina qual é a parcela da população mais afetada pela doença.
Algumas dessas regiões são caracterizadas por baixa infraestrutura hospitalar e redes de saneamento básico e água precárias, além dos obstáculos populacionais para se cumprir o distanciamento social, como nos bairros Complexo do Alemão, Jacarezinho, Acari, Rocinha, Costa Barros, Vidigal e Barros Filho.
Essas regiões, que são consideradas de altíssima concentração de favelas, apresentam uma taxa de letalidade de 19,5%. Isso é o dobro dos bairros que não têm favelas (9,2%) e acima da taxa de letalidade do município (11,7%).
Segundo Leandro, “a dinâmica social no cotidiano da favela, sair de madrugada para trabalhar, usar transportes públicos muitas vezes lotados, ou se virar nos 30 para poder se manter são processos que determinam e explicam os diferentes padrões de adoecimento nessas populações”.
A pesquisadora também afirma que a “desestruturação do sistema de saúde”, bem como da rede de Atenção Básica de Saúde, no país, impactou o modo precário como os territórios conseguem responder à pandemia.
Em São Paulo, um estudo semelhante mostrou que a letalidade da covid-19 é 60% maior em bairros pobres do município de São Paulo em relação aos bairros ricos, segundo a pesquisa realizada pelo epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Lotufo, divulgada no dia 26 de junho.
Edição: Leandro Melito
Por: Ana Paula Evangelista – EPSJV / Fiocruz
Da EPSJV / Fiocruz, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/07/2020
Bilionários aumentaram suas fortunas em meio à crise econômica na pandemia
Bilionários aumentaram suas fortunas em meio à crise econômica na pandemia, mostra estudo
Dólar
Foto: EBC
ABr
Os 73 bilionários da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em 17%, o que equivale a US$ 48,2 bilhões, apenas durante a pandemia – de março a junho deste ano. Isso equivale a um terço do total de recursos previstos em pacotes de estímulos econômicos adotados por todos os países da região. Só no Brasil, 42 bilionários aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões no mesmo período, passando de US$ 123,1 bilhões para US$ 157,1.
Os dados são do relatório Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid na América Latina e Caribe, divulgado hoje (27) pela Oxfam, que revela como esses bilionários ficaram imunes à crise econômica provocada pela pandemia em uma das regiões mais desiguais do mundo. A entidade defende que é premente enfrentar os privilégios e as elites econômicas para o desenvolvimento econômico inclusivo.
“A covid-19 não é igual para todos. Enquanto a maioria da população se arrisca a ser contaminada para não perder emprego ou para comprar o alimento da sua família no dia seguinte, os bilionários não têm com o que se preocupar. Eles estão em outro mundo, o dos privilégios e das fortunas que seguem crescendo em meio à, talvez, maior crise econômica, social e de saúde do planeta no último século”, disse a diretora executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia.
Conforme mostra a organização, desde o início das medidas de distanciamento social para combater a disseminação da covid-19, oito novos bilionários surgiram na região, ou seja, um a cada duas semanas. Enquanto isso, a estimativa é que 40 milhões de pessoas devem perder seus empregos e 52 milhões vão entrar na faixa de pobreza na América Latina e Caribe em 2020.
Para a Oxfam, os dados apresentados no relatório são assustadores. “Ver um pequeno grupo de milionários lucrar como nunca numa das regiões mais desiguais do mundo é um tapa na cara da sociedade, que está lutando com todas suas forças para manter a cabeça fora d’água”, disse. “Está mais do que na hora de a elite contribuir, renunciando a privilégios e pagando mais e melhores impostos”.
Segundo a organização, no Brasil, a discussão da reforma tributária não tem levado em conta a necessidade de reestruturar o sistema para que haja a redução das desigualdades e para torná-lo mais progressivo. Os debates, em andamento no Congresso Nacional, têm tratado da simplificação da tributação sobre o consumo, o que, segundo a Oxfam, não resolve as distorções do sistema no qual quem ganha menos paga proporcionalmente mais imposto do que quem ganha muito. “Ninguém parece ter a intenção de tocar nos privilégios dos mais ricos, que nunca pagaram uma parte justa de impostos. É como se a maioria da população não tivesse o direito a uma vida digna”.
Reforma tributária
Ao entregar, na semana passada, a proposta de reforma tributária ao Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a primeira parte do projeto do governo tratará apenas da unificação de impostos federais e estaduais num futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual. O texto do governo será unificado às propostas da Câmara e do Senado que tramitam na comissão mista desde o início do ano.
O IVA dual prevê a unificação de diversos tributos em dois impostos: um federal e outro regional. Em tese, tributos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) poderiam ser unificados, mas o ministro explicou que, no nível federal, o IVA fundirá o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
“Temos que começar pelo que nos une. Vamos começar com o IVA dual”, disse Guedes.
Tributação
A perda de receita tributária para 2020 pode chegar a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e do Caribe, o que representa US$ 113 milhões a menos e equivale a 59% do investimento público em saúde em toda a região, de acordo com estimativa da Oxfam. Segundo a entidade, o colapso da receita tributária traz a necessidade de medidas urgentes, a fim de evitar o desmantelamento dos serviços públicos na região.
O relatório apresenta propostas fiscais emergenciais no sentido de enfrentar privilégios, que incluem imposto extraordinário às grandes fortunas, imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações, taxação das grandes rendas geradas pelas atividades digitais, pacotes de resgates públicos a grandes empresas, mas sob condições, e redução de impostos para quem está em situação de pobreza, incluindo eliminar os tributos sobre o consumo de produtos de uso sanitário e cesta básica familiar.
A Oxfam relata que, nas últimas décadas, a cobrança de impostos sobre grandes fortunas vem regredindo. Com o desenho atual do imposto sobre patrimônio, existente em apenas três países (Argentina, Colômbia e Uruguai), a estimativa de arrecadação dos bilionários da região chegaria a um total máximo de US$ 281 milhões. No entanto, se fosse aplicado em todos os países latino-americanos um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas com caráter progressivo – como propõe a entidade –, seria possível arrecadar até US$?14,26 bilhões, ou seja, cinquenta vezes mais.
O imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações é outra alternativa, considerando que nem todas as empresas sofrem os efeitos da pandemia. O documento mostra que setores como o farmacêutico, grandes cadeias de distribuição e logística, telecomunicações ou a economia digitalizada vivem períodos de alto rendimento. Com os resultados publicados para o primeiro trimestre de 2020, a margem de lucro da Visa cresceu mais de 50% e a de farmacêuticas, como Pfizer, 31%, informa a ONG.
Por outro lado, houve a paralisação total do setor turístico durante o isolamento e da grande maioria de micro, pequenas e medias empresas durante os períodos mais restritos do isolamento social. “A crise não pode se converter em uma oportunidade para um grupo de empresas obter ganhos extraordinários. Essa situação absolutamente não usual justifica a criação de um imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações enquanto dure a pandemia”, conclui o relatório.
A taxação ocorreria somente sobre os resultados vinculados inteiramente às consequências da atual crise. Seriam receitas tributárias adicionais que poderiam se destinar a mitigar a queda dos recursos públicos e a apoiar a geração de emprego e atividade das empresas mais vulneráveis ou de setores da economia informal. A Oxfam calculou que poderiam ser gerados US$ 80 bilhões em receitas fiscais adicionais apenas sobre os resultados extraordinários de 25 grandes corporações.
Mesmo após a crise devido à pandemia, há propostas para que os países incorporem em suas reformas tributárias pendentes, como arrecadar mais para blindar as políticas sociais, elevar ou criar taxas sobre rendimentos de capital e revisar impostos sobre propriedades e sobre os incentivos tributários. Para a Oxfam, nas reformas não pode haver margem para a evasão fiscal, o ocultamento de ativos e bens em paraísos fiscais ou o desperdício em privilégios fiscais.
Da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/07/2020
EcoDebate - Edição 3.481 de 27/ julho / 2020
Desejamos a todos(as) um bom dia e uma boa leitura
A América Latina terá mais uma década perdida com o impacto da covid-19
Auxilio emergencial não é caridade
Infestação de escorpiões – entenda
SARS-CoV-2 e o meio ambiente: impactos positivos e negativos
Letalidade da covid-19 é o dobro nas favelas em relação aos bairros ricos do Rio
Bilionários aumentaram suas fortunas em meio à crise econômica na pandemia
“Compreendemos desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente responsável. Se não for assim não é sustentável. Aliás, também não é desenvolvimento. É apenas um processo exploratório, irresponsável e ganancioso, que atende a uma minoria poderosa, rica e politicamente influente.” [Cortez, Henrique, 2005]
Eles escolhem salvar as finanças e matam pessoas de fome
Por Iriana Cadó, Brasil de Fato | São Paulo (SP) –
Relatório da Oxfam aponta que 12 mil pessoas no mundo poderão morrer de fome diariamente em 2020
O recente relatório intitulado “Mais pessoas morrerão de fome no mundo do que de covid-19 em 2020”, divulgado pela organização Oxfam, nos releva que vivemos à luz de um perigo muito mais grave do que a própria pandemia do novo coronavírus. Vivemos sob a mira de políticas econômicas que literalmente matam as pessoas.
De acordo com os dados do relatório, até o final de 2020, 12 mil pessoas podem morrer de fome diariamente, um número que é, até mesmo, maior do que os que vemos ser ocasionados pelo novo coronavírus.
Não é a doença que mata as pessoas, mas é a opção econômica que organiza a distribuição dos recursos e dos gastos, que, da forma como está atualmente instituída, joga um contingente enorme de pessoas à sua própria sorte, sem conseguir acessar sequer meios de se alimentar.
Recentemente no Brasil, o membro da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), afirmou que o nosso país, efetivamente, está voltando ao mapa da fome, lugar que havia saído em 2014. E, que, podemos chegar a 7% da população, ou mais precisamente, cerca de 14 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, segundo os dados do Banco Mundial.
Desde 2015 nós assistimos o Brasil fazer escolhas deliberadas no sentido de cortar orçamento de políticas que diretamente pudessem minimizar o terror da fome, como a drástica ruptura com programas relacionados à segurança alimentar, assim como a redução das políticas de distribuição de renda como o Bolsa Família.
Tudo isso sob o pano de fundo da aprovação da Emenda Constitucional 95, a chamada PEC do Teto dos Gastos, que justamente visa criar mecanismos de coerção e proibição das possibilidades de gastos governamentais em politicas sociais, visando pura e exclusivamente manter as “finanças saudáveis”, às custas da vida das pessoas, sobretudo as mais vulneráveis. Ilegal deveria ser a fome, e não gastar mais do que arrecada, ainda mais um Estado que dispõe de inúmeros mecanismos de financiamento.
Que esse pensamento é ilógico os economistas estão cansados de provar, pois um estado que visa exclusivamente manter o controle fiscal como um fim em si mesmo, em detrimento da manutenção da justiça social e promoção da dignidade humana, está fadado ao fracasso de partida.
Distribuição de renda
Segundo dados da pesquisa realizado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o auxilio emergencial foi a política que mais freou a queda do Produto Interno Bruto (PIB). Isto porque 93% dos domicílios mais pobres tiveram renda oriunda do auxilio, pessoas estas que ao receberem compram arroz e feijão, e não vão para Disney “fazer a maior festa”, como diz o ministro Paulo Guedes.
Entretanto, é verdade que não é uma medida “barata”, e o governo gastou bastante para efetivar a política de renda emergencial, ainda que, menos do que inicialmente foi estipulado. Pois, até julho, menos da metade dos recursos orçamentários, destinados à assistência de pessoas vulneráveis, tinham sido pagos. Na prática só 49% do total.
E, mesmo assim, seu efeito multiplicador na economia foi profundamente positivo. Tanto na manutenção das condições básicas de sobrevivência, de pelo menos 30% da população mais pobre, como também fomentou as condições de manter um fluxo mínimo de renda na economia, que através da demanda freou uma queda mais brusca do PIB, como previa a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Além disso, o próprio orçamento público obtém ganhos, uma vez que grande parte da arrecadação tributária é sobre consumo e, portanto, estes investimentos tendem a retornar para o governo. Neste caso, segundo as projeções, R$ 122,17 bilhões já transferidos às famílias geraram receita de R$ 36,4 bilhões para União, estados e municípios, o rombo poderia ser muito maior caso essa circulação de renda não tivesse acontecido, aprofundando ainda mais o déficit fiscal.
Assim, optar entre ser um estado que se responsabilize pelas condições de vida da população através da sua atuação ou ser um estado que se preocupe somente com resultados contábeis é uma escolha política e fundada em interesses específicos dos sujeitos que ocupam os espaços de poder. Além de serem pautadas em motivações totalmente desvinculados dos resultados econômicos em si. A implementação do auxilio emergencial, mesmo timidamente executado, é um exemplo disso. E sua suspensão é um suicídio econômico, que nos logrará um longo período de depressão econômica.
Fica evidente, portanto, que a austeridade é uma opção deliberada pelo pior caminho, tanto para as pessoas como para a economia. E não há dúvidas que uma economia que colhe como resultado a fome é uma economia que, definitivamente, deu errado.
Iriana Cadó é economista, especialista em economia social e do trabalho. Militante da Consulta Popular.
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Como o ambientalismo se tornou um ativo financeiro
Por Deutsche Welle –
Empresas e investidores se preocupam cada vez mais com preservação ambiental, em busca de rentabilidade no longo prazo e temendo efeitos das mudanças climáticas. No Brasil, cresce pressão sobre governo Bolsonaro.
Nascida na contracultura, longe do poder econômico e político, a defesa de um ecossistema sustentável é uma bandeira cada vez mais empunhada pelos donos do dinheiro grosso, como fundos de pensão e de investimento. Além de novos atores, o ambientalismo financeiro tem novos motivos. Em vez do dever ético de preservar o planeta para as próximas gerações, há o dever de assegurar rentabilidade e estabilidade a investimentos no longo prazo.
Diversos sinais desse ativismo apareceram no último mês. Um grupo de investidores internacionais responsável por cerca de 20 trilhões de reais enviou cartas a embaixadas brasileiras manifestando preocupação com o aumento do desmatamento na Amazônia. E mais de 50 CEOs de grandes empresas no país lançaram manifesto pedindo combate ao desmatamento. Ambos os grupos foram recebidos pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia. Na terça-feira (14/07), 17 ex-titulares do Ministério da Fazenda e do Banco Central brasileiros lançaram carta cobrando uma retomada sustentável da economia após a pandemia.
Veja o Especial da DW Brasil sobre a Amazônia
Tais iniciativas foram potencializadas pelo descaso do governo Jair Bolsonaro em relação a questões ambientais, mas refletem também um movimento global, cujo ponto de inflexão ocorreu em janeiro, no último Fórum Econômico Mundial. Durante o encontro, na cidade suíça de Davos, o Bank for International Settlements (BIS), conhecido como o banco central dos banco centrais, divulgou um relatório alertando para os riscos que as mudanças climáticas podem trazer à estabilidade da economia e do sistema financeiro.
No mesmo evento, o fundo BlackRock, maior gestor de ativos do mundo, anunciou que seus novos investimentos seriam destinados apenas a companhias com responsabilidade ambiental, e que tiraria dinheiro ou usaria seu poder de voto em investimentos existentes para forçar as empresas a caminhar nessa direção.
A decisão do BlackRock se relaciona às duas principais variáveis que orientam os investidores sobre onde colocar dinheiro: risco e retorno. No mercado financeiro, está se consolidando a percepção de que empresas que não conseguem manejar de forma inteligente os recursos naturais demonstram não estar preparadas para se manter na liderança de seus setores no futuro. Portanto, seriam investimentos mais arriscados e com potencial de perda de rentabilidade, afirma à DW Brasil Celso Funcia Lemme, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro especializado em finanças e sustentabilidade corporativa.
Nesse contexto, retirar os investimentos de empresas que ignoram seu impacto ambiental é, mais do que uma opção, um dever dos gestores dos fundos, que têm a chamada responsabilidade fiduciária de agir de acordo com os interesses dos donos do dinheiro.
Há outros incentivos em jogo. Segundo a economista Maria Eugênia Buosi, sócia-fundadora da consultoria Resultante, o engajamento de uma empresa com sustentabilidade é hoje interpretado como um sinal de que ela tem uma gestão eficiente e, portanto, está mais bem posicionada para ter retorno financeiro no longo prazo. Além disso, indica uso mais eficiente de recursos como água e energia e menor exposição a multas e passivos ambientais.
Por fim, a performance ambiental das companhias também reduz o risco reputacional, diz Marcelo Seraphim, diretor no Brasil da Principles for Responsible Investment (PRI), organização criada com apoio da ONU para elaborar princípios norteadores de investimentos sustentáveis.
“Nenhum detentor de ativos, seja ele uma seguradora, um fundo de pensão ou um family office gostaria de ver seu dinheiro financiando empresas cujas atividades envolvam trabalho escravo, desmatamento, emissão descontrolada de gases de efeito estufa”, afirma.
Lógica semelhante se aplica à análise sobre em qual país os investimentos serão feitos, diz Seraphim. “A comunidade financeira hoje analisa a atratividade dos investimentos nos países também do ponto de vista dos riscos ASG [ambientais, sociais e de governança], exatamente como fazem com as empresas”, diz.
Risco sistêmico das mudanças climáticas
Além da atenção dos investidores aos fundamentos de cada empresa, existe preocupação no mercado financeiro com os riscos sistêmicos das mudanças climáticas, detalhados no relatório do BIS apresentado em Davos.
O aumento da temperatura média, a alteração do regime de chuvas e a ocorrência de eventos extremos, como furacões e ciclones, têm potencial de afetar diretamente diversos setores da economia.
Um exemplo, citado por Lemme, são as indústrias de refrigerantes e cerveja, que dependem de grande quantidade de água de qualidade. Crises hídricas, como a que ocorreu no estado de São Paulo de 2014 a 2016, impactam de forma emergencial essas companhias.
Outro setor vulnerável é o agronegócio, responsável por 21% do PIB brasileiro de 2019 e estratégico para a balança comercial do país. Já está comprovado que o desmatamento da Floresta Amazônica afeta os “rios aéreos” que levam umidade para outras regiões e reduz o volume de chuvas.
“O sistema de chuvas é o que faz agronegócio, e a alteração do clima e da qualidade do solo afeta sua produtividade”, afirma Lemme, lembrando que pesos pesados do setor, como Amaggi e Cargill, assinaram a carta deste mês pedindo ao governo combate ao desmatamento.
As indústrias de cosméticos e medicamentos também são prejudicadas pela destruição da floresta, pois da biodiversidade surgem essências e substâncias importantes para os produtos. E a elevação do nível do mar e a ocorrência de eventos extremos implicam em riscos para o setor de infraestrutura urbana, estradas e ferrovias.
A evolução do “dinheiro verde”
“O movimento por mais sustentabilidade nas empresas começou de forma voluntária. Em seguida vieram acordos. E agora estamos vendo isso transitar na esfera regulatória”, diz Buosi.
Na virada do século, práticas sustentáveis eram um nicho de mercado e estratégia de marketing de empresas. Em 2006, foi lançado o PRI, que busca engajar o mercado financeiro por meio da persuasão. Em 2015, o Banco Central brasileiro passou a exigir que todas as instituições financeiras tenham uma política de responsabilidade socioambiental.
Em 2017, o bilionário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg liderou o lançamento da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês), que pressiona empresas a divulgarem dados sobre seu impacto climático para que investidores usem esses indicadores em suas decisões.
Paralelamente, vem crescendo o apetite de investidores por “títulos verdes”, instrumentos financeiros negociados no mercado de capitais que detêm um selo atestando o comprometimento com o controle ou reversão do impacto ambiental.
Oportunidades para o Brasil
Os especialistas consultados pela DW Brasil são unânimes em afirmar que o atual governo brasileiro provocou retrocessos na área e desperdiça oportunidades de atrair recursos que buscam financiar projetos sustentáveis.
“Até dois anos atrás, o país era visto como protagonista na preservação ambiental, e os dados de combate ao desmatamento na Amazônia são provas disso. O país caminhava para obter os louros desse protagonismo, quando passaria a atrair capital de investidores responsáveis. No entanto, houve uma guinada muito prejudicial na forma como os gestores públicos passaram a ver a questão. De repente, nossa floresta tropical passou da condição de bônus para se transformar num ônus”, afirma Seraphim, para quem o governo “enfraqueceu a posição até então de vantagem comparativa que o Brasil tinha”.
Para Buosi, o Brasil precisa sair do “discurso reativo” na área ambiental e olhar para a sustentabilidade como um meio de buscar verbas, dada a abundância de recursos de fundos, bancos multilaterais e linhas de financiamento destinadas a iniciativas ambientalmente corretas.
Segundo ela, esse “dinheiro verde” tem a vantagem de superar restrições hoje impostas do Brasil, como ser um país sem grau de investimento e que não faz parte da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “São entraves que barram a vinda de alguns investidores, mas o ‘dinheiro verde’ é capaz de contorná-los”, diz.
Uma estratégia que poderia ser mais explorada, diz Lemme, é o pagamento por serviços ambientais, nos quais se busca recursos para projetos que preservam o meio ambiente e ao mesmo tempo criam alternativas sustentáveis de geração de renda.
“Temos um potencial enorme. É um ativo colossal para negociações internacionais, aberturas diplomáticas e desenvolvimento social, econômico e ambiental, e não um passivo a ser resolvido com serra e fogo”, afirma.
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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Pesquisadoras da USP criam canal para dar voz às mulheres cientistas
Por Agência FAPESP –
Professoras da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) criaram o site e podcast “Virgínias da Ciência” para dar voz ao trabalho feminino na ciência, contribuindo assim para sua difusão e igualdade de gênero.
As idealizadoras da iniciativa são Rita Tostes, Vânia Bonato, Alline Campos e Katiuchia Sales. O substantivo próprio “Virgínia” foi inspirado na escritora Virgínia Woolf, que, em sua obra, tratou do apartheid de gênero.
As cientistas realizarão encontros semanais, todas as sextas-feiras, entrevistando pesquisadoras de várias áreas da ciência.
Projeto busca difundir a ciência, diminuir desigualdade de gênero e aumentar a comunicação com a sociedade por meio de encontros semanais ( imagem: Virgínias da ciência)
O primeiro episódio do podcast foi transmitido no dia 10 de julho de 2020, com a entrevista da professora Bonato, que falou sobre os projetos de pesquisas de seu grupo e sua contribuição científica para o controle da pandemia do novo coronavírus.
O episódio é o primeiro de uma série que traz cientistas participantes em pesquisas sobre a COVID-19. Além de temas de pesquisa, os episódios tratam da trajetória de cada pesquisadora, do estímulo da ciência entre jovens mulheres e também do balanço da vida profissional e pessoal dessas profissionais de sucesso acadêmico.
Os programas e a divulgação dos trabalhos das “Virgínias da Ciência” têm espaço especial para as sugestões dos ouvintes, que podem entrar em contato com as cientistas e sugerir temas clicando em “Sugestões” no site do projeto.
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sábado, 25 de julho de 2020
Cientistas brasileiros se unem em defesa do INPE e da Amazônia
Por ClimaInfo –
Um grupo de pesquisadores brasileiros se uniu para criar o movimento Cientistas Engajados com o objetivo de dar mais representatividade política à ciência no Brasil e defender o trabalho do INPE no monitoramento do desmatamento da Amazônia.
Em um manifesto publicado no blog Darwin e Deus, na Folha, eles criticam o processo de reestruturação do Instituto, que vem sendo tocado por seu diretor interino, Darcton Policarpo Damião, e está enfraquecendo a capacidade de gestão e pesquisa do órgão, o que pode trazer riscos para o esforço de combate ao desmatamento na floresta.
“Toda essa movimentação extemporânea, intempestiva, açodada e amadora corrobora com a percepção de que pode estar em curso uma tentativa de impedir que o INPE continue desempenhando seu papel de vigilância sobre o desmatamento da Amazônia”, acusa o manifesto.
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Por que se fala tanto em Amazônia agora?
Por, Cinthia Leone, ClimaInfo –
O meio ambiente invadiu o debate econômico e político global, colocando a Amazônia no centro do palco
Não é de hoje que a pauta ambiental se descolou dos setores mais ligados à ecologia e à ciência para se tornar assunto de investidores e criadores de políticas públicas, mas nada se compara ao recente protagonismo que o tema ganhou nos últimos meses. Isso se deve a uma conjunção de fatores que tem dois eixos principais: a emergência de novo ciclo econômico mundial baseado na adoção de tecnologias “verdes”; e a percepção cada vez mais clara de que nenhum país pode isoladamente resolver a emergência climática, mas alguns podem sozinhos piorar bastante o cenário – e o Brasil é um deles.
As mudanças climáticas ocorrem como consequência do aumento da temperatura média da Terra. Esse aquecimento tem origem nas emissões de gases causadores do efeito estufa, e o dióxido de carbono (CO2) é um dos principais deles. Se por um lado florestas são capazes de absorver esses gases – o chamado sequestro de carbono – e contribuem para estabilizar o clima em todo o mundo, o reverso também é verdadeiro: o desmatamento transforma as matas em fontes de emissão. Como a Floresta Amazônica representa 10% de toda a biomassa do planeta, sua destruição contribui mais para o aquecimento global do que a derrubada de qualquer outro bioma. Quanto menos Amazônia, mais mudança climática. Mesmo quando pensamos apenas no Brasil: a maior fatia das emissões brasileiras é a derrubada da vegetação nativa – 44%, segundo dados de 2019.
E muitos andam se perguntando por que o foco na Amazônia quando há tantos outros problemas ambientais?
Contaminação do solo, descarte irregular de lixo, pesca predatória, poluição do ar são problemas ambientais também, mas a maioria deles ocorre em escala local ou regional e podem ser resolvidos nessas instâncias. O desmatamento da Amazônia é um problema grande demais para os municípios resolverem. Ele envolve a gestão de uma fatia imensa do território brasileiro e um volume considerável do comércio internacional de proteína animal, grãos, madeira, minérios e outras commodities. É por isso que, diferentemente de outras preocupações ambientais, o desmatamento da Amazônia ocupa mais espaço nas agendas política e econômica internacionais e, por consequência, na imprensa.
Nas grandes cidades, há quem pense que a Amazônia não é problema seu. Os “rios voadores”, evapotranspiração da floresta que leva umidade para a porção mais ao sul da América do Sul e influencia todo o regime de chuvas da região, está longe de ser o único elo entre a Amazônia e as águas do mundo. O Rio Amazonas, que nasce das geleiras dos Andes, e é o maior rio do planeta em volume de água, é responsável por quase um quinto de toda a água doce levada aos oceanos. Ele carrega em seu trajeto até o mar uma quantidade extraordinária de nutrientes e organismos que farão parte da cadeia alimentar marinha.
Mas, se nem toda essa interconexão for suficiente para convencer o leitor da importância dessa floresta para a vida de todos, ainda resta lembrar que é a elevada umidade que faz da Amazônia a região com a maior biodiversidade por metro quadrado da Terra. A perda da floresta significará o desaparecimento em massa de espécies e a desertificação de algumas partes do planeta, como o Sudeste brasileiro.
Assim como existem problemas que só podem ser resolvidos com o trabalho conjunto de municípios, estados e do governo federal, outros exigem a união de todos os países. Esse é o caso da maioria das crises ambientais, incluindo a climática. E nas últimas décadas, o consumo começou a ser identificado como o principal vetor para a degradação ambiental. Empresas do mundo inteiro serão cada vez mais cobradas a apresentar compromissos de sustentabilidade e a agir para que seus negócios não contribuam para o agravamento da crise climática. Ao mesmo tempo, nas democracias liberais, a população passa a exigir de seus governos o cumprimento de metas para a estabilização do clima, com a emergência de jovens lideranças ambientais. Consumidores e eleitores estão cada vez mais preocupados com o tema.
A crise de COVID-19 fez com que as principais economias do mundo acelerassem uma transição verde que já estava em curso, e pacotes bilionários dedicam agora atenção especial à redução de emissões. Esse movimento potencializa a corrida tecnológica pela descarbonização. A emergência sanitária também deu protagonismo à cooperação científica internacional, e o discurso anticiência, próprio dos negacionistas do clima, passa a ser visto como um perigo para a humanidade e não como uma mera questão de opinião.
É nesse contexto que surgem também lideranças antiambientais, como o presidente Jair Bolsonaro. E o Brasil, que já disputou o protagonismo ambiental no mundo, se tornou uma dor de cabeça para esses novos consumidores e eleitores. Também pesa para a imagem negativa do país a retórica bolsonarista contra indígenas, quilombolas e outras Comunidades Tradicionais – pessoas que desenvolveram um modo de vida compatível com a natureza e por isso são reconhecidos mundialmente como os Guardiões da Floresta. Fotos de satélite divulgadas em 2019 mostrando a magnitude das queimadas na Amazônia acenderam o alerta que faltava para que o mundo entendesse que a destruição da maior floresta tropical do planeta é um problema de todos.
O governo brasileiro tem desacreditado a ciência do clima, mentido sobre dados de desmatamento produzidos por órgãos do próprio governo e apelado para o velho mito das “disputas geopolíticas em torno da Amazônia”. Uma rede de fake news cada vez mais exposta dissemina essas ideias, afastando uma parte da opinião pública brasileira de um dos seus mais belos patrimônios.
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Florestas tropicais abrigam epidemias potenciais
Por Jornal da Ciência –
Regiões tropicais com a presença de florestas e alta biodiversidade de fauna silvestre são o tipo de ambiente propício para o surgimento de novas pandemias.
E o Brasil está nessa rota, alertam especialistas. É o que aponta um amplo estudo publicado em 2017 que mapeou os locais onde podem brotar os próximos surtos, as chamadas doenças epidêmicas emergentes (EID, na sigla em inglês).
Resultado de um trabalho conjunto de nove pesquisadores de universidades em Nova York, Londres, Roma e Queensland (Austrália), o estudo é intitulado “Global hotspots and correlates of emerging zoonotic diseases” (Pontos de acesso globais e correlatos de doenças zoonóticas emergentes, em tradução aproximada – Allen et al, 2017).
Mapa do risco de doenças epidêmicas emergentes (EID) – os valores indicam a probabilidade, quanto mais altos (amarelado), mais elevada. Fonte: Allen et al, 2017 (DOI: 10.1038/s41467-017-00923-8)
Mais recentemente, no início de julho, um novo estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do Instituto Internacional de Pesquisa Pecuária
(ILRI), confirmou o diagnóstico. Intitulado “Preventing the next pandemic” o documento afirma que se os países não tomarem medidas drásticas para conter a disseminação de zoonoses, surtos globais como a covid-19 vão se repetir e se tornar cada vez mais comuns.
Surgida na China, a covid-19 é resultado de uma zoonose, um vírus que se hospeda em animais e de alguma forma é transposto para os humanos. É um ciclo que vem se repetindo há milênios, impulsionado pela domesticação dos animais. Da Peste Antonina (165-180 d.C.), a mais antiga que se tem notícia, até a covid-19, milhões de seres humanos perderam a vida por epidemias e pandemias em diferentes partes do planeta em contextos diversos, mas todos tinham em comum o fato de terem sido causados por zoonoses.
A partir de um modelo computacional que processa dados como densidade e crescimento populacional humano, latitude, precipitação de chuvas e presença de espécies selvagens, entre outros, os autores daquele estudo desenvolveram um índice que aponta o risco de EID zoonóticas. E a conclusão é que o risco é mais elevado em regiões tropicais que passam por mudanças no uso da terra e onde a biodiversidade da fauna silvestre é alta.
O mapa (ilustração acima) mostra os locais onde essa combinação resulta positivo para a possibilidade de surgimento de EID. “As zoonoses emergentes são consideradas ameaça crescente, como essa que estamos vivendo, não só para a saúde mundial, mas também os enormes prejuízos econômicos, algo que vem se acentuando nos últimos 20 anos”, afirma a ecóloga Mercedes Bustamante que é cientista, professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo ela, o Brasil pode ser um foco do surgimento de novas zoonoses em função da fauna muito diversa e o maior contato de seres humanos com sistemas naturais, provocado pelo desmatamento.
Morcegos e mosquitos
Enquanto a ciência já tem certeza sobre a periculosidade e o avanço das zoonoses, a forma como a transmissão passa dos animais para os humanos não é tão clara em muitos casos, especialmente no da covid-19. O médico virologista Pedro Fernandes da Costa Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, hoje aposentado do Instituto Evandro Chagas (IEC), dedicou toda a sua vida profissional a este tema e participou diretamente na caracterização de mais de 10 mil isolados virais e identificação taxonômica de mais de 100 vírus novos para a ciência.
Segundo ele, ao mesmo tempo em que não há dúvidas hoje sobre a procedência chinesa da covid-19, ainda é um mistério a forma como o Sars-CoV-2 emergiu dos morcegos para se tornar o responsável por uma das maiores pandemias da história, atrás apenas da Gripe Espanhola, causada pelo H1N1, espécie do vírus Influenza.
“Há uma série de teorias, desde a liberação proposital, o que seria uma coisa maluca de se pensar, até um acidente de laboratório, que não deixa de ser possível, pois havia dois laboratórios em Wuhan trabalhando com o coronavírus”, avalia Vasconcelos. “Poderia ter havido contaminação de pessoas que estavam trabalhando no Instituto de Virologia de Wuhan, desenvolveram um quadro gripal e aí o vírus Sars-CoV-2 causador da covid-19 se disseminou.”
A contaminação através do morcego explica boa parte da história, mas não toda. Vasconcelos diz que a alimentação com estes animais não é problema, se eles forem cozidos ou assados. O problema é a manipulação do animal vivo. “O morcego tem um viroma espetacular”, diz o médico. “Eles são animais ecléticos, se deslocam muito facilmente voando, vivem em colônias e grupos altamente povoados e, portanto, se existir um vírus na colônia, a transmissão, seja respiratória, seja por brigas, mordedura, lambidas para se higienizar, é muito fácil.” Ele explica que estes animais têm uma enorme capacidade de albergar vírus e são eles também os hospedeiros primários do ebola na África.
Fica ainda a dúvida sobre como um vírus antigo e amplamente conhecido como o coronavírus se transformou em uma ameaça planetária para o ser humano. Vasconcelos responde: “Às vezes, mesmo vírus conhecidos emergem de repente, devido a condições ecológicas, epidemiológicas, ambientais favoráveis. Veja o que ocorreu com chikungunya e zika, vírus que foram isolados no final da década de 40, início de 50, que causavam poucas infecções quando surgiram, depois explodiram com extensas epidemias pelas condições favoráveis”.
Longe do olhar humano, no meio da mata fechada, os vírus circulam apenas entre os animais, mantendo-se dentro da cadeia natural. Quando grandes extensões de floresta são derrubadas, ação muitas vezes acompanhada de queimadas, muitos animais e insetos morrem, especialmente os que não têm agilidade na locomoção. Sobram as aves, os morcegos e alguns mamíferos. Os vírus então se adaptam a novos hospedeiros e migram para outras áreas dentro deles, chegando, muitas vezes dessa forma, aos humanos.
O médico acrescenta os riscos criados com o tráfico de animais silvestres que existe em todo o País. “O tráfico de animais provavelmente é uma forma de transporte e dispersão de vírus”, afirma.
Arbovírus
Embora propício a zoonoses, o meio ambiente no Brasil não oferece mais riscos para um novo vírus que cause doenças respiratórias graves, como o Sars-CoV-2, do que outros países, dizem estes especialistas. Aqui é território dos chamados arbovírus – vírus transmitidos a humanos por artrópodes – cujo potencial de transmissão é menor que os transmitidos por vias respiratórias.
As investigações sobre arbovírus na região amazônica se iniciaram em 1954, por um convênio entre o governo, através do Instituto Evandro Chagas e a Fundação Rockefeller. Nestes mais de 60 anos, segundo Pedro Vasconcelos – que iniciou seu trabalho no IEC nos anos 1980 –, foram isolados 220 tipos de arbovírus. Deste total, 175 foram isolados pela primeira vez no Brasil e 115 eram completamente novos para a ciência, enquanto 37 já foram associados a doenças em humanos em geral.
Onze daqueles vírus estão associados a epidemias no Brasil: chikungunya, dengue (tipos 1 a 4), mayaro, oropouche, rocio, encefalite Saint Louis, febre amarela e zika. Eles ocorrem em mais de uma área na região Norte, têm os mosquitos como principais transmissores, alguns têm primatas e outros as aves como principais hospedeiros.
O total de vírus identificados pelo IEC se soma a outros cerca de 30 isolados pelo Instituto Adolfo Lutz (SP), o que significa perto de 250 vírus diferentes. Na visão de Vasconcelos é muito pouco, considerando a biodiversidade, não só da Amazônia, mas de todo os ecossistemas brasileiros incluindo Pantanal, Cerrado, Pampas, Mata Atlântica e Caatinga. No mundo todo são conhecidos aproximadamente sete mil vírus.
Com base em suas pesquisas, ele acredita que os riscos são maiores para doenças transmitidas pelos mosquitos, especialmente o Aedes aegypti que já provou ser o maior transmissor de doenças no Brasil e em outros países de clima tropical.
Se tivesse que fazer alguma aposta, Vasconcelos aponta o mayaro e o oropouche como os de maior probabilidade de se transformar em epidemias emergentes. O mayaro é transmitido por um mosquito silvestre chamado Haemagogus janthinomys, enquanto o transmissor do oropouche é um pequeno inseto chamado Culicoides paraensis, vulgarmente conhecido como maruim, que tem preferência por sangue humano.
Governança ambiental
Na visão de Mercedes Bustamante, o Brasil poderia reduzir os riscos potenciais inerentes para as zoonoses e a geração de epidemias. Mas, para isso, é necessário intensificar da fiscalização sobre o desmatamento ilegal e as orientações no sentido de que o setor financeiro, por exemplo, não apoie projetos que ameacem esses ecossistemas.
Para Bustamante, a pressão pela preservação da saúde e do meio ambiente precisa vir da sociedade, dos consumidores, do setor empresarial nacional e internacional.
“O Brasil já demonstrou no passado recente que é capaz de implementar políticas públicas e coordenar diferentes setores da sociedade para conter o desmatamento. Uma boa governança ambiental é chave para isso. Infelizmente, o que vemos hoje é um retrocesso desolador na condução de políticas públicas na área ambiental”, lamenta.
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Ferramenta mostra aumento de 530% em queimadas no Pantanal em 2020
Por ICV –
O Pantanal mato-grossense teve um aumento de 530% nos registros de queimadas no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Os focos de calor em alta durante o período chuvoso no bioma alertam para um cenário crítico com a chegada da seca em todo o estado, época mais suscetível às queimadas.
Os dados foram obtidos a partir de uma ferramenta interativa lançada nesta quinta-feira (23) pelo Instituto Centro de Vida (ICV) para o monitoramento dos focos de calor no estado durante o período de proibição de queimadas.
A ferramenta também mostra que a antecipação do período proibitivo pelo governo do Estado não impediu um aumento de 12% no registro de focos de calor em comparação aos primeiros 15 dias de julho de 2019, quando a prática ainda estava liberada.
Aberta para consulta na página da entidade, a plataforma permite visualizar a quantidade e localização de focos de calor de 2018 a 2020, com filtros e categorização por mês, municípios, biomas e categorias fundiárias das ocorrências no estado.
O painel será atualizado quinzenalmente com dados do satélite de referência disponibilizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) até o fim do período proibitivo, em 30 de setembro.
PRIMEIRO SEMESTRE
De janeiro a junho de 2020, foram registrados 6.747 focos de calor no estado, um aumento de quase 300 focos em relação a 2019 (com 6.450) e que contabilizou um acréscimo significativo em relação a 2018, com 4.383 ocorrências.
As queimadas no primeiro semestre foram lideradas pela Amazônia, com 60,93%, seguida do Cerrado, com 30,95%, e do Pantanal com 8,12%.
“O período seguiu o mesmo ritmo alarmante do ano passado, com um pequeno aumento, e as áreas queimadas no Pantanal contribuíram para isso”, avalia Vinícius Silgueiro, engenheiro florestal e coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV, setor responsável pelo desenvolvimento do painel.
PANTANAL EM RISCO
O painel mostra que o bioma Pantanal em Mato Grosso registrou um aumento de 530% nos focos de calor em relação ao mesmo período do ano anterior.
De janeiro a junho, foram contabilizados 548 focos de calor no bioma. No mesmo período em 2019, foram contabilizados 87.
Dados do Inpe mostraram que o volume de chuvas em todo o bioma ficou 50% abaixo do normal no período de janeiro a maio, o que também colaborou para deixar o bioma mais suscetível aos incêndios.
Um destaque foi o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, que passou de três para 99 ocorrências e figurou como a unidade de conservação com o maior índice de focos de calor no estado no semestre.
Vinícius explica a importância do monitoramento em unidades de conservação nacionais e terras indígenas. “São áreas protegidas de responsabilidade federal e como os órgãos ambientais dessa instância vêm sendo enfraquecidos, esse monitoramento ajuda a alertar e orientar onde devem ser direcionados esforços emergenciais. É importante que as operações federais e as estaduais se articulem e somem em campo, não se sobreponham, então esses dados podem contribuir também para isso”, afirma.
O parque está localizado em Poconé, município do estado que lidera as queimadas no período, seguido por Nova Maringá, Feliz Natal, Paranatinga e Brasnorte.
Os imóveis privados com inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda respondem por 75% das ocorrências.
“Ver que um número significativo dos focos de calor está acontecendo em imóveis privados já inscritos no CAR é um indicativo de que é possível a identificação do proprietário e a responsabilização, bem como do desmatamento muitas vezes associado a essa queimada”, diz o engenheiro. Em geral, o corte raso da vegetação nativa é seguido do uso de fogo para o preparo do terreno para atividades agropecuárias.
AUMENTO MESMO COM PROIBIÇÃO
Com o aumento de focos de calor registrados até o mês de maio, o Governo do Estado de Mato Grosso adiantou o período proibitivo, iniciado no dia 15 de julho nos anos anteriores, para o dia primeiro de julho e o estendeu até 30 de setembro.
A legislação estadual vigente prevê o uso do fogo para limpeza e manejo de solo na área rural mediante a autorização de queimada controlada emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema/MT).
A proibição da prática entre os meses de julho e setembro visa evitar incêndios florestais causados pela vegetação mais vulnerável durante a estação da seca e evitar danos à saúde por problemas respiratórios, em 2020 de maior risco devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Paralelamente, no dia 16 de julho o Governo Federal decretou a proibição das queimadas no país inteiro pelo período de 120 dias para conter danos ambientais e de saúde.
No entanto, nos quinze primeiros dias do mês em Mato Grosso, já com a proibição em vigor, foi detectado um aumento de 12% em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 754 focos de calor registrados, um aumento de 80 focos em relação a 2019, que somou 674 focos.
Os dados detectam uma tendência de aumento para o período das queimadas, o especialista alerta, visto que estamos iniciando o auge do período de estiagem. “Com a antecipação do período proibitivo esperava-se um número menor nessa primeira quinzena”, diz.
Dos focos, 393 foram em imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR), seguido de 188 em terras indígenas. Os municípios que comandam a lista são Cáceres, Nova Maringá, Tangará da Serra e Luciara.
Vinícius explica que a iniciativa visa retratar a situação das queimadas de forma célere para que medidas efetivas possam ser tomadas para contenção. “Caracterizamos a ocorrência e isso fornece uma melhor compreensão da situação enquanto ela está acontecendo e assim, podem ser decididos direcionamento de esforços para uma região ou outra”, ressalta.
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