Jornal da Ciência
“Nos empenharemos para que este PL não seja aprovado, neste formato, no Plenário da Câmara”, afirma o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira. Por 18 votos a 9, comissão especial da Câmara dos Deputados deu aval ao projeto que modifica a Lei dos Agrotóxicos no Brasil em votação nesta segunda-feira
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) critica a aprovação pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, por 18 votos a 9, do Projeto de Lei (PL) nº 6.299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, que altera a Lei dos Agrotóxicos e flexibiliza a produção e venda dessas substâncias no Brasil. A votação aconteceu nessa segunda-feira, 25, em sessão que restringiu a participação de organizações da sociedade civil.
“Lamentamos o resultado da votação na Comissão Especial da Câmara que analisa uma nova Lei de Agrotóxicos. A SBPC havia enviado um documento a todos os parlamentares da Comissão se manifestando contra a aprovação do Projeto de Lei Nº 6.299/2002, na sua formulação original, e demais projetos apensados. Esta manifestação, que foi apoiada por meia centena de sociedades científicas, alertava para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste PL para a saúde pública e para o meio-ambiente”, declara o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, referindo-se ao manifesto contrário ao PL, divulgado pela entidade no dia 22 de maio.
“Destacamos que seria importante a realização de um debate mais amplo e aprofundado sobre as possíveis consequências deste PL, e com tempo adequado. Claro que a legislação brasileira deve ser modernizada, que a burocracia excessiva deve ser reduzida, assim como os prazos de tramitação de processos, em toda a máquina pública brasileira – e esta é uma das batalhas da SBPC – mas, neste caso, isto está sendo usado como um biombo para a liberação sem controle adequado dos agrotóxicos, uma legislação que pode trazer consequências graves para a saúde da população e para o meio ambiente brasileiro. Esperamos e nos empenharemos para que este PL não seja aprovado, neste formato, no plenário da Câmara”, afirma Moreira.
Segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, este é um debate que deve estar fortemente baseado na ciência. “Essa questão tem que ser tratada com consciência. Qualquer comissão que venha a examinar essa questão deve ter uma representação forte da ciência. Essa é a maneira de sair de uma discussão que envolve grupos de interesse para uma discussão que vai beneficiar diretamente a sociedade brasileira”, observa.
Retrocessos
Um dos pontos previstos no PL é que os agrotóxicos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se órgãos reguladores, como Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tiverem concluído suas análises.
No manifesto contra o PL, a SBPC atestou que o uso excessivo de agrotóxicos ameaça seriamente os ecossistemas além de representar um problema grave para a saúde. A presença desses compostos nos ecossistemas terrestres e aquáticos representa um risco para os organismos, com vários efeitos negativos já reportados e resultantes desta exposição. “Um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. A Anvisa apontou, em 2013, que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos. Registre-se que, em apenas doze anos, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de agrotóxicos no Brasil”, ressaltou a entidade no documento que foi endossado por mais de 50 sociedades científicas de todo o País.
“Essa aprovação é um retrocesso, porque o projeto tem uma lógica de uma agricultura mecanizada, com alto investimento de fertilizantes e de agrotóxicos, que é uma lógica ultrapassada. Essa ideia era do final da Segunda Guerra Mundial. É uma agricultura que afeta a saúde da população, e a gente ainda nem tem ideia de quanto isso prejudica de fato. Afeta os ecossistemas, o solo, a água. Estamos em outro momento. Não podemos esquecer que há um movimento de legislações contrárias a isso nos Estados Unidos e Europa”, ressalta Christina Helena da Mota Barboza, presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), uma das entidades que endossaram o manifesto da SBPC. “Ainda cabe uma mobilização da população contra, mas para isso, as pessoas precisam estar devidamente informadas”, acrescenta.
Engavetada por 14 anos, a proposta foi ressuscitada pelo ministro Blairo Maggi, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, autor original do PL, quando era senador, em 2002. Seguindo a votação pela comissão especial nessa segunda-feira, a matéria agora deve ser discutida e votada em Plenário, em período ainda a ser definido, para ser levada à votação no Senado e, por fim, por sanção do presidente da República.
“É um crime. O que fizeram na Comissão Especial é um crime contra a saúde humana. O povo mais pobre pagará com sua própria vida ao se alimentar com comida recheada de veneno, agrotóxicos dos mais terríveis. E tudo isso para beneficiar produtos industriais de empresas estrangeiras que só querem saber do lucro. O Plenário da Câmara precisa vetar o PL 6299/2002”, declarou ao Jornal da Ciência a deputada Jandira Fegahli, única mulher entre os nove parlamentares que se manifestaram contrários à aprovação do PL.
Na sessão de ontem, os parlamentares contrários à votação do PL destacaram as manifestações e notas técnicas com críticas contundentes ao projeto apresentadas por entidades reconhecidas nacional e internacionalmente, como a SBPC, a Anvisa, a Defensoria Pública da União, o Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz, o Ibama, o Instituto Nacional do Câncer, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, além de mais de 300 organizações da sociedade civil.
“As notas técnicas foram muito claras no sentido de demonstrar que seria um grave retrocesso a aprovação deste projeto e, no entanto, a comissão insistiu no erro e aprovou aquele absurdo. Foi um resultado péssimo para o Brasil, porque demonstrou o desprezo da maioria da comissão pela ciência brasileira”, afirma o deputado Alessandro Molon.
O deputado diz que a estratégia agora é redobrar a mobilização com a sociedade civil e o contato com as entidades científicas para alertar a população do que isso representa em termos de risco e evitar que esse projeto vá para o Plenário da Câmara dos Deputados. “Eu não acredito que o presidente da Câmara coloque a matéria em votação no Plenário antes das eleições. Portanto, as chances de aprovação ou reprovação desse projeto depende muito de qual Congresso teremos depois das eleições de outubro e de quem vencerá as eleições presidenciais. Essas eleições podem favorecer ou dificultar a aprovação de um projeto como esse”, observa.
Molon foi o deputado escolhido para presidir a comissão especial que analisará o projeto que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA (PL 6670/2016). “A PNARA é importante para mostrar que existe um outro caminho que permite produzir com lucratividade protegendo, ao mesmo, o meio ambiente e a vida humana. Há alternativas ao veneno e é isso que mostraremos na Comissão desse projeto”, diz.
Uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir a PNARA está marcada para esta terça-feira, 26, com a presença de entidades como Fiocruz, USP, Terra de Direitos, Ibama, Instituto Nacional do Câncer e Anvisa – que não foram ouvidas na comissão do PL 6299/2002 de ontem. A sessão tem transmissão ao vivo neste link.
Confira abaixo quem votou a favor e contra o PL 6.299/2002:
.Os 18 deputados que votaram a favor do “Pacote do Veneno” são os seguintes:
Adilton Sachetti(PRB-MT),
Alberto Fraga(DEM-DF),
Alceu Moreira(MDB-RS),
Celso Maldaner(MDB-SC),
César Halum(PRB-TO),
Covatti Filho(PP-RS),
Fábio Garcia(DEM-MT),
Geraldo Rezende(PSDB-MS),
Junji Abe(MDB-SP),
Luís Carlos Heinze(PP-RS),
Luiz Nishimori(PR-PR),
Marcos Montes(PSD-MG),
Nilson Leitão(PSDB-MT),
Victorio Galli(PSL-MT),
Sérgio Souza(MDB-PR),
Tereza Cristina(DEM-MS),
Valdir Colatto(MDB-SC) e
Zé Silva(SD-MG).
Alberto Fraga(DEM-DF),
Alceu Moreira(MDB-RS),
Celso Maldaner(MDB-SC),
César Halum(PRB-TO),
Covatti Filho(PP-RS),
Fábio Garcia(DEM-MT),
Geraldo Rezende(PSDB-MS),
Junji Abe(MDB-SP),
Luís Carlos Heinze(PP-RS),
Luiz Nishimori(PR-PR),
Marcos Montes(PSD-MG),
Nilson Leitão(PSDB-MT),
Victorio Galli(PSL-MT),
Sérgio Souza(MDB-PR),
Tereza Cristina(DEM-MS),
Valdir Colatto(MDB-SC) e
Zé Silva(SD-MG).
Os nove deputados que votaram contra a aprovação do Pacote do Veneno são:
Alessando Molon (PSB-RJ),
Bohn Gass(PT-RS),
Edmilson Rodrigues(PSOL-PA),
Ivan Valente(PSOL-SP),
Jandira Feghali(PCdoB-RJ),
Júlio Delgado(PSB-MG),
Nilto Tatto (PT-SP),
Padre João(PT-MG) e
Subtenente Gonzaga(PDT-MG).
Bohn Gass(PT-RS),
Edmilson Rodrigues(PSOL-PA),
Ivan Valente(PSOL-SP),
Jandira Feghali(PCdoB-RJ),
Júlio Delgado(PSB-MG),
Nilto Tatto (PT-SP),
Padre João(PT-MG) e
Subtenente Gonzaga(PDT-MG).
Por Daniela Klebis e Vivan Costa – Jornal da Ciência/ SBPC
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/06/2018
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