Por Washington Novaes*
Essa questão já foi longe demais, o poder público deve criar novas regras, novos formatos.
Entra ano, sai ano e o panorama não muda. Há poucas semanas foi divulgado o índice de sustentabilidade em limpeza urbana para os municípios brasileiros. E a conclusão é melancólica: o número de aterros sanitários inadequados aumentou 52% no Estado de São Paulo em 2015, na comparação com o ano anterior, segundo a Companhia Ambiental do Estado. O Índice de Qualidade de Aterros de Resíduos mostrou descartes inadequados em 41 municípios paulistas (em 2015 eram 27).
Não se muda. Não se introduz a coleta seletiva, não se transforma, via compostagem, o lixo orgânico em adubo, não se economizam espaços com aterros. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, apenas 3% dos resíduos sólidos urbanos no Brasil são reciclados, de um total de 76,8 milhões de toneladas produzidas – apesar de a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelecer há anos prioridade para esse objetivo. Continua-se a esperar que o poder público municipal destine recursos para a área. Já os governantes querem que os munícipes paguem pela coleta, pela reciclagem e pelo aterramento. Mas os cidadãos não aceitam pagar, acham que o custo dessa tarefa já está embutido nos impostos municipais. E não se avança.
Em todo o mundo só se consegue solução se o gerador do lixo o separar (seco e orgânico) e pagar por coleta, destinação e reciclagem. Por aqui aceitamos que 3 mil municípios dos mais de 5.500 ainda mantenham lixões.
O Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana para os Municípios Brasileiros, que veio a público agora (PWC , Sindicato de Empresas de Limpeza Urbana do Estado de São Paulo e ABLP), afirma que “não há referências quantitativas capazes de sintetizar as metas esperadas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos em um cenário de vinte anos para os municípios brasileiros” – o que dificulta a formulação de políticas, financiamentos, monitoramento da qualidade de serviços, prioridades. Por isso se criou o novo índice, que foi avaliado em 3.500 municípios.
Os problemas mais frequentes não surpreendem: inadimplência de prefeituras no pagamento de serviços contratados; ausência de coleta seletiva; manutenção de lixões; descaso ou ignorância das populações quanto às políticas da área; proliferação de doenças no setor. A Região Sul é a que tem os melhores índices de sustentabilidade, em seus três Estados. Nenhum município de porte maior se classificou entre os 50 com melhores índices. Menos de 50% dos municípios analisados têm arrecadação específica na área de limpeza urbana.
Há capítulos especialmente preocupantes na área. O site meioambiente.mg.gov.br divulga diagnóstico da Fundação Estadual de Meio Ambiente segundo o qual 57,24% do lixo gerado pelos estabelecimentos de saúde de 524 municípios mineiros (19,5 mil toneladas) vão indevidamente para aterro sanitário; o restante, para incineração (8,6 mil toneladas) ou para autoclavagem – 5,9 mil toneladas passaram por tratamento térmico seguido de destinação para aterro sanitários. Nas 524 cidades mineiras incluídas foram produzidas, no período analisado, 34,4 mil toneladas de resíduos de serviços de saúde. Apenas cinco municípios mineiros têm unidade de tratamento e destinação final dos resíduos desses serviços na própria cidade, o restante vai para outras localidades. Mas 95% dos municípios, a maioria de pequeno porte, “preferem enviar parte dos resíduos ou todos para a incineração”.
Área que merece cuidados extremos no Brasil – e da qual pouco se fala – é a dos resíduos eletrônicos, que, segundo órgãos da ONU (retoquejor, 5/7), gerou 1,4 milhão de toneladas de resíduos em 2015. Sem falar em que, segundo associação de empresas de tratamento de resíduos, mais de 500 milhões de aparelhos eletrônicos sem uso permanecem nas residências – podendo até causar problemas de saúde. São Paulo é o Estado que mais produz resíduos eletrônicos (448 mil toneladas anuais), seguido do Rio de Janeiro (165 mil) e de Minas Gerais (127 mil).
Não há ainda um acordo setorial amplo para o setor de resíduos eletrônicos – ao contrário, por exemplo, do setor de pneus. O acordo neste setor fez surgir a ONG Reciclamp, que coleta cerca de mil toneladas de pneus inservíveis em 900 pontos de 26 Estados. Na área de embalagens de óleo o primeiro acordo setorial foi assinado em 2012.
São áreas que merecem muito cuidado, uma vez que continua a desenvolver-se o chamado “colonialismo da imundície”, em que países do Primeiro Mundo exportam para países pobres seus resíduos eletrônicos. No Terceiro Mundo – como na Nigéria, por exemplo – formam-se gigantescos depósitos desses resíduos, que são separados e coletados pela população mais pobre, que os vende a preços ínfimos a empresas transformadoras.
O Brasil não está longe do problema. Várias publicações têm noticiado, por exemplo, que “o maior depósito de lixo a céu aberto da América Latina está no Distrito Federal”, a 15 quilômetros do Palácio do Planalto, e sustenta mais de 2 mil pessoas – é o “lixão da Estrutural”, uma área de 174 hectares. Na época em que foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia no Distrito Federal, o autor destas linhas preparou um plano para dar fim ao lixão, implantar um depósito exemplar onde trabalhassem na separação do lixo, com salários dignos, aquelas 2 mil pessoas; a 500 metros de distância, uma usina de reciclagem moderna, administrada por uma cooperativa de catadores. Foi bombardeado por vários setores que tinham interesse na comercialização do lixo obtido a custos quase negativos. Nada foi para a frente. Não é diferente de muitos outros setores em que prevalece a exploração de trabalho quase escravo.
Mas no lixo as questões já foram longe gemais. É preciso que o poder público crie novas regras, novos formatos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos deveria ter sido implantada até 2010, foi prorrogada e nada adiantou. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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