“Estamos cansados da pobreza e da falta de energia e precisamos atender os dois problemas de uma vez. Para enfrentar o primeiro precisamos de energia que alimente a indústria”, afirmou o presidente de Ruanda, Paul Kagame.
Por FridayPhiri, da IPS –
Pemba, Zâmbia, 20/6/2016 – Moses Kasoka, de 51 anos e com dificuldades de movimento por causa de uma má-formação de nascença, tem apenas a alternativa de mendigar para sobreviver. Mas acredita que sua vida seria diferente se pudesse ter energia elétrica em sua choça neste povoado de Zâmbia. “Com eletricidade poderia criar aves para ganhar dinheiro”, explicou, convidando a IPS a entrar em sua humilde casa.
“Como vê, durmo com um fogareiro que serve tanto para iluminar como de calefação durante a noite”, disse Kasoka, um dos 645 milhões de africanos que carecem de serviço elétrico, o que o impede de realizar atividades econômicas.Porém, a um quilômetro dali, PhineliaHamangaba, diretora do centro de coleta de leite do distrito de Pemba, já está acostumada a ter um plano alternativo quando tem sua energia cortada, porque a cooperativa não tem um gerador de reserva.
Phinelia tem que garantir que os 1.060 litros de leite entregues por centenas de produtores não fermentem antes de serem recolhidos pela Parmalat Zâmbia, empresa com a qual a cooperativa tem contrato. “A eletricidade é nosso principal desafio, mas, na maioria dos casos, nos avisam antes de um corte de energia e então nos preparamos”, contou a jovem empresária. “Mas, quando acontece o pior, os produtores entendem que nos negócios há perdas e ganhos”, indicou.
A cooperativa é um dos muitos empreendimentos pequenos que têm sua situação complicada pelo racionamento de energia. Falta água para que funcionem as usinas hidráulicas, devido à escassez de chuvas há duas temporadas. O déficit de energia pode demorar anos para ser corrigido, especialmente na usina de Kariba norte, de 1.080 megawatts (MW), porque as centrais dos dois lados do rio Zambezi, em Zâmbia e no Zimbábue, teriam consumido um volume muito superior ao estabelecido em 2015 e começo deste ano, segundo um informe da Unidade de Inteligência econômica.
O documento diz que em fevereiro a represa de Kariba ficou apenas 1,5 metro acima do nível necessário para fechar totalmente a usina.As últimas e reduzidas chuvas elevaram um pouco o nível do lago, mas seu volume de água foi de apenas 17% de sua capacidade em março, bem abaixo dos 49% registrados em 2015. Para enchê-lo, é necessária uma série de boas estações chuvosas, somada a uma produção de energia moderada da central, requisitos que não podem ser garantidos.
A angústia, pelas variações da mudança climática e pela necessidade de energia para manter as ambições econômicas das pessoas mais pobres, poderia levar a África a tomar um caminho fácil, recorrendo ao carvão.“Estamos cansados da pobreza e da falta de energia e precisamos atender os dois problemas de uma vez. Para enfrentar o primeiro precisamos de energia que alimente a indústria”, afirmou o presidente de Ruanda, Paul Kagame, durante as reuniões anuais do Banco de Desenvolvimento Africano, realizadas em Lusaka, capital de Zâmbia.
Segundo Kagame, as fontes renováveis só podem cobrir parte da demanda.Mas o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, acredita que o continente pode seguir outro caminho. “As nações africanas não precisam se ater às velhas tecnologias movidas a carvão. Podemos ampliar nossa geração elétrica e conseguir acesso universal dando um salto para as novas tecnologias que transformam os sistemas energéticos do mundo”, destacou.
“A África se beneficiará do desenvolvimento de uma energia que consuma pouco carvão, assim como o mundo se beneficiará se esse continente evitar um grande consumo de carvão, seguido dos países mais ricos e dos mercados emergentes”, enfatizou Annan, que preside o Painel para o Progresso da África (APP). Em seu informe Energia, Pessoas, Planeta: Aproveitando as Oportunidades Climáticas e Energéticas da África, o APP destaca a alternativa para esse continente sem que recorra a sistemas que fazem uso intensivo do carvão, que atualmente impulsiona o crescimento econômico e que levou o mundo ao atual ponto de inflexão.
O documento recomenda aos governantes africanos que usem a mudança climática como um incentivo para implantar as demoradas políticas e demonstrem sua liderança em escala internacional.Como disse o ex-presidente da Tanzânia, JakayaKikwete: “Para a África é um desafio e uma oportunidade. Se concentrar-se nas opções inteligentes, poderá conseguir investimentos para o desenvolvimento com baixas emissões contaminantes e resiliente ao clima nas próximas décadas”.
A atual arquitetura de financiamento não cobre a demanda, afirma o APP, ressaltando que o chamado à liderança africana não nega o papel da cooperação internacional, à qual há anos os governantes reclamam fundos e tecnologia confiável. A Aliança Pan-Africana de Justiça Climática (PACJA) lamenta a difusa redação do Acordo de Paris no tocante à transferência de tecnologia para o continente africano.
Há estimativas que sugerem que 138 milhões de famílias pobres gastam US$ 10 bilhões ao ano em produtos relacionados com a energia, como carvão, velas, querosene e lenha. O Banco Africano de Desenvolvimento acredita que, com um aumento marginal dos investimentos, se resolve o problema.“A África registra US$ 545 bilhões ao ano com tributos. Se destinar 10% dessa quantia à eletricidade resolve o problema”, afirmou o presidente do grupo do Banco Africano de Desenvolvimento, AkinwumiAdesina.
“Além disso, a proporção do produto interno bruto destinada ao setor energético na África é de 0,49%. Se for elevada para 3,4%, poderá gerar US$ 51 bilhões diretamente”, pontuouAdesina.“Os países africanos têm que dar o exemplo e investir em energia”, concluiu, mencionando a importância de pôr fim ao fluxo financeiro ilegal, que custa a este continente cerca de US$ 600 bilhões por ano.
O programa Scaling Solar, que procura diversificar as fontes de energia, pode ser exatamente o que Kasoka precisa para ter eletricidade em sua choça em um povoado de Zâmbia e concretizar seu sonho de criar aves. Segundo o presidente zambiano, Edgar Lungu, seu país pretende cobrir a falta de energia com uma usina solar de 600 megawatts (MW); as instalações para gerar 100 MW já estão em construção.
Desmond Tutu, sul-africano prêmio Nobel no informe do APP de 2015, resumiu o que está em jogo: “Não podemos mais nos distrair das questões de fundo. Não podemos continuar alimentando nosso vício pelos combustíveis fósseis como se não houvesse um amanhã, porque poderá não haver. Temos que começar urgentemente uma transição global para uma nova economia baseada em energias limpas. Isso requer, fundamentalmente, repensar nossos sistemas econômicos para colocá-los em um caminho sustentável e mais equitativo”.Envolverde/IPS
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