Por Valéria Dias da Agência USP –
O Aquífero Guarani é um reservatório de águas doces subterrâneas que ocupa parte dos territórios do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Entre 2002 e 2010, durante as negociações com esses países para a assinatura do acordo que regula a utilização dessas águas, o Brasil atuou de modo soberanista e não exerceu o papel de líder das negociações.
“A maior preocupação do Brasil foi garantir que não haveria interferência dos outros três países. As autoridades brasileiras buscaram preservar a soberania nacional para que o acordo não permitisse nenhuma interferência no território subterrâneo nacional e em seus recursos naturais. Porém, foi uma atuação reticente, com a intenção de que o envolvimento fosse o menor possível”, aponta a jornalista Cínthia Leone Silva dos Santos, autora da dissertação de mestrado Atuação do Brasil na negociação do acordo sobre o aquífero guarani, apresentada em 14 de dezembro de 2015 ao Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP.
A pesquisa, realizada sob a orientação do professor Wagner Costa Ribeiro, mostra que o Uruguai foi o país que mais se mobilizou pela assinatura do acordo. “Os diplomatas uruguaios se movimentaram e iam pessoalmente para as discussões”, conta a jornalista. O Brasil foi o país que mais interrompeu as negociações. Apesar disso, a reunião de assinatura do acordo, na Argentina, em 2010, ocorreu por iniciativa brasileira.
Após a descoberta do Aquífero Guarani, em 1996, era necessário regulamentar o uso das águas. Porém, existiam poucas informações técnicas a respeito. Entre 2002 e 2009, foi realizado, com recursos do Banco Mundial, um projeto de pesquisa sobre o aquífero.
“Havia um grande temor de que a realização de alguma obra para a utilização das águas no território brasileiro pudesse causar repercussão negativa para os outros países”, informa a pesquisadora, lembrando que as pesquisas mostraram que essa interferência não existe.
Segundo a jornalista, outra preocupação, principalmente do governo uruguaio, era de que a Organização das Nações Unidas (ONU) considerasse as águas do aquífero como internacionais, abrindo assim a possibilidade de exploração por outros países além de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
A primeira proposta para o acordo foi em 2004, mas não houve consenso devido a existência de divergências. Segundo Cinthia, foram feitas cinco versões do mesmo acordo até a assinatura, em 2010.
Além de analisar esses cinco textos, a pesquisadora investigou também as propostas de cada país e as trocas de correspondências entre o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e os outros países, além de documentos do Ministério do Meio Ambiente brasileiro. Ela também entrevistou especialistas ligados ao aquífero.
Uma das propostas da Argentina era a criação de um órgão de solução de controvérsias e também a necessidade de consulta prévia para a realização de obras de aproveitamento das águas. “O Brasil se posicionou contra essas duas propostas. Está previsto que haverá um órgão próprio de solução de controvérsias, mas sem nenhum molde definido e sem usar nada do que estava contido na proposta argentina. O acordo final exclui a necessidade de consulta prévia, ou seja, ficou como o Brasil queria”, diz.
Uma das propostas da Argentina era a criação de um órgão de solução de controvérsias e também a necessidade de consulta prévia para a realização de obras de aproveitamento das águas. “O Brasil se posicionou contra essas duas propostas. Está previsto que haverá um órgão próprio de solução de controvérsias, mas sem nenhum molde definido e sem usar nada do que estava contido na proposta argentina. O acordo final exclui a necessidade de consulta prévia, ou seja, ficou como o Brasil queria”, diz.
Caminho pacífico embasado pela ciência
“O acordo sobre o Aquífero Guarani se tornou o primeiro sobre águas transfronteiriças [cujos limites vão para além das fronteiras dos países] a ser assinado de modo pacífico. Isso é algo novo na diplomacia”, diz a pesquisadora. Outro ponto positivo foi que o documento assinado teve como embasamento as pesquisas científicas realizadas durante o projeto do Banco Mundial. “Isso mostra a influência daquilo que estava sendo produzido no campo científico”, destaca. Sobre a gestão do aquífero, ela é realizada de modo independente pelos quatro países, sem que um interfira nas decisões do outro.
A pesquisadora lembra que Argentina e Uruguai já ratificaram o acordo, ao contrário do Brasil e do Paraguai. “Com a não ratificação, os países deixam de criar alguns órgãos propostos no acordo”, explica. No caso do Paraguai, a proposta é a criação de uma escola de formação para capacitação técnica. No Brasil, é a existência de um órgão técnico para monitoramento dos poços que utilizam as águas do aquífero.
Para o Uruguai, a criação de um órgão de análise das características físico-químicas da água, pensando nos corredores termais existentes naquele país. Para a Argentina, não havia especificações, mas o país forneceria dados sobre a utilização dessas águas.
Outros aquíferos
Ao ser descoberto, o Aquífero Guarani foi considerado como a maior reserva de água doce subterrânea do mundo. “Posteriormente, foram descobertos dois outros aquíferos: o Alter do Chão, que abrange os estados do Pará, Amazonas e Amapá, no Brasil; e a Grande Bacia Artesiana, na Austrália. Ambos desbancaram o Guarani e hoje são os maiores do mundo”, esclarece a pesquisadora.
A maior parte do Aquífero Guarani está localizada em território brasileiro, sob os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Mais de 90% de toda a água retirada do aquífero é usada pelo Brasil. Encontrei dados na literatura apontando que de 70 a 80% dessa retirada de água é feita pelo Estado de São Paulo. E a maior cidade abastecida exclusivamente pelo Guarani é Ribeirão Preto, com mais de 600 mil habitantes”, finaliza. (Agência USP/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Agência USP.
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