coluna 300x300 Fantasias de economistas, pesadelos do planeta
St. Augustine, Estados Unidos, julho/2013 – Há pouco participei de um debate sobre a negociação de alta frequência e ouvi os mesmos e conhecidos argumentos de que contribui para a liquidez e a determinação de preços nos mercados.
Estas afirmações sobre liquidez são difíceis de justificar depois do flash crash de 6 de maio de 2010, quando a falsa liquidez das negociações de alta frequência desapareceu, num momento em que eram necessárias, e as tradicionais obrigações dos formadores de mercado estavam ausentes.
A negociação de alta frequência implica intenso uso de ferramentas tecnológicas sofisticadas para obter informação do mercado financeiro e, em função da mesma, o intercâmbio de valores como ativos ou opções.
A determinação de preços é uma função dos graus de informação e conhecimento dos atores do mercado e do próprio mercado (tanto físico quanto eletrônico) no qual operam.
Os operadores de negociações de alta frequência contribuem pouco, e o modelo marker-taker que empregam – um desconto por transação aos formadores de mercado que asseguram liquidez e uma comissão por transação aos clientes que tomam liquidez do mercado – junto com os mercados eletrônicos de hoje, distorcem a fixação de preços de vários modos, mediante estratégias de colocação e “latência” (por exemplo, a velocidade de seus computadores), que são uma forma de investimento oportunista.
Na maioria dos mercados mundiais de hoje, a determinação de preços não sabe de fronteiras planetárias nem dos descobrimentos via satélites que mostram como funciona a Terra em relação à chuva diária de fótons de nosso Sol.
A maioria dos mercados e seus jogadores não entendem que a vida sobre a Terra depende dessa chuva de fótons e de como as plantas verdes os aproveitam, por meio da fotossíntese, para criar os alimentos que os seres humanos consomem.
A fixação de preços é uma atividade humana que depende não só de nossos níveis de conhecimento como também de nossos condicionamentos culturais e nosso comportamento de manada, tudo isto amplamente estudado por psicólogos, antropólogos, neurocientistas e endocrinologistas.
Na verdade, são muitos os que estudam hoje os corretores da bolsa como uma população clínica, e revelam até que ponto sua conduta está controlada por suas funções hormonais, como descreveu John Coates em seu livro The Hour Between Dog and Wolf (A Hora Entre o Cão e o Lobo, 2012).
Coates descreve que os jogos de azar e o uso excessivo da alavancagem financeira estão governados por um excesso de testosterona e induzem a multiplicar os riscos, como ocorreu a Jon Corzine ao desaparecer o MF Global. Coates mostra que as quedas do mercado de valores disparam o pânico quando o hormônio cortisol se torna dominante e o corretor da bolsa fica como um veado alucinado.
Esses processos hormonais causam diarreia e corridas ao banheiro para vomitar. Scott Patterson, em seu livro Dark Pools, relata que os corretores de bolsa que se dedicam aos negócios de alta frequência bebem menos líquidos para não terem que urinar, e alguns, inclusive, têm baldes junto ao computador caso precisem vomitar.
Uma atividade tão antiga como o ser humano pode tornar-se uma obsessão e um vício semelhante ao dos jogos de azar.
A determinação de preços que estes corretores dos mercados globais de hoje operam é claramente pouco confiável.
Então, devemos considerar a onipresença de externalidades, como os US$ 500 bilhões de subsídios anuais aos combustíveis fósseis, bem como milhares de outros subsídios, lacunas e falta de regulamentação na maioria dos setores industriais. Tudo isso distorce ainda mais os preços.
Por isso as afirmações de que a economia é uma ciência são absurdas, e por isso o advogado Peter Nobel e outros membros de sua ilustre família repudiam o fato de o Banco da Suécia entregar o Prêmio em Ciências Econômicas “em memória de Alfred Nobel”.
A economia é deficiente não só nestes aspectos de comportamento, mas em suas pretensões de precisão matemática e em suas muitas ilusões devidas à abstração.
Com assinalei em The Politics of the Solar Age (A Política da Era Solar, 1981, 1988), o interesse complexo é uma fantasia das matemáticas, aplicada à sociedade por poderosos interesses financeiros, como nas políticas “de austeridade”.
A economia tampouco admite as leis da termodinâmica, desde que a profissão proclamou, há um século, sua rejeição ao químico Frederick Soddy, que propôs que o Sol era a fonte de toda a vida. A crítica a Soddy foi republicada em 2012 em Cartesian Economics (Economia Cartesiana, Cosimo Books).
E poderia continuar. A economia é uma profissão útil, como a contabilidade, para nos ajudar a assentar transações e manejar livros e balanços. A macroeconomia se tornou uma aberração ao pretender uma precisão matemática e uma ilusão de equilíbrio geral em sociedades vivas, dinâmicas e em evolução.
Os seres humanos se negam a se comportar como bolas de golfe, mas os governos, a academia e os atores do mercado ainda se baseiam nestes modelos de equilíbrio geral.
As fantasias dos economistas Kenneth Arrow e Gerard Debreu sobre o “mercado completo” se converteram nos pesadelos da negociação de alta frequência, nas crises financeiras recorrentes e no fechamento das terras tradicionais dos povos indígenas.
Agora, o fundamentalismo do mercado ameaça liquidar os últimos vestígios de florestas virgens do planeta e causar novas extinções de espécies em habitat cada vez mais reduzidos.
Isto me faz recordar o senador Robert Kennedy, quando dizia que o produto interno bruto mede tudo, menos o que nos orgulha de sermos norte-americanos, e as famosas palavras de Oscar Wilde: podemos “conhecer o preço de tudo e o valor de nada”. Envolverde/IPS
* Hazel Henderson é presidente do Ethical Markets Media (Estados Unidos e Brasil) e criadora do Green Transition Scoreboard.
(IPS)