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domingo, 5 de julho de 2020

Precisamos de um novo normal pós pandemia?

por Marcus Nakagawa* – Desde a primeira vez que ouvi o termo “novo normal”, que se refere à realidade que virá ou está vindo após a quarentena, fiquei muito incomodado. Participei de alguns debates online, entrevistas e assisti a estas “pandemias” de lives. Recebi muitas pesquisas, estudos e achados de como será a vida após este tempo que ficamos (quem pode) em casa. Tudo sobre este novo normal. Meus alunos e alunas trouxeram no exercício “Notícias da Semana” várias atividades e ações que empresas, governos e sociedade civil organizada fizeram para ajudar as pessoas e o planeta durante a pandemia da Covid-19. ​A solidariedade foi um ponto chave deste momento em que precisamos trabalhar com as emergências as quais não estávamos, como sociedade, prontos para agir. Para comprovar esta filantropia emergencial, gosto da pesquisa em tempo real que a ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos) faz para a quantidade de doações, o Monitor das Doações Covid-19. Em meados de junho, a plataforma já calculava mais de R$ 5,5 bilhões doados. Empresas, famílias, pessoas físicas, entre outras, somaram mais de 360 mil doadores que puderam ajudar o outro neste momento trágico. O que só reforça a necessidade de uma governança global da saúde e de outras temáticas. Aliás, neste momento, algumas empresas se destacaram por suas atividades de apoio filantrópico à causa. Tiveram até vários índices de marcas mais lembradas durante a pandemia. E estas doaram dinheiro, álcool gel, máscara, alimentos, cestas básicas, construíram hospitais, doaram equipamento entre muitas outras atividades. Algumas pararam a sua fabricação de produtos de higiene e bebidas e passaram a fazer álcool em gel ou paninhos ou, ainda, líquidos especiais para desinfetar e máquinas para hospitais. Vimos empresas, marcas e produtos descendo a famosa pirâmide de Maslow, que mostra a hierarquia das necessidades humanas, vindo lá do pico da realização pessoal ou estima, para as necessidades fisiológicas e de segurança. Priorizando as reais necessidades da população. E é exatamente neste ponto que, durante uma entrevista, me caiu a ficha: como assim o novo normal? O que foi este normal de antes da pandemia? É estranho achar habitual ter mais de um terço dos recursos naturais já retirados do planeta? E ainda com o planeta não tendo tempo de se recompor? Tendo o início do “cheque especial”, o dia do limite da Terra ou o overshoot day, começando dia 29 de julho em 2019? É correto termos esta quantidade de gases de efeito estufa no planeta causando esta emergência climática devido ao nosso estilo de vida “normal”? E se falarmos da trivialidade do aumento do desmatamento no Brasil? É costumeiro que, mesmo com todos os avanços tecnológicos e econômicos no mundo, segundo o Banco Mundial em 2018, quase metade da população mundial (3,4 bilhões de pessoas) ainda luta para satisfazer as necessidades básicas? E um pouco mais de 2.000 bilionários do mundo possuindo mais riqueza do que 60% da população mundial, segundo o relatório da OXFAM em 2019? E ainda, depois deste suposto “normal”, segundo o relatório da Situação Econômica Mundial e Perspectivas das Nações Unidas de 2020, a pandemia fará com que cerca de mais 34 milhões de pessoas aterrissem para baixo da linha de extrema pobreza. Ou sejam, este normal de antes está mais para anormal, atípico, esquisito, insólito, disforme. Porém, não podemos ficar apenas reclamando! Agora temos mais um motivo para buscar o “verdadeiro normal” para todos. Um estudo da Market Analysis “Anticipating the post Covid-19 world: implications for sustainable lifestyles”mostra 12 práticas do dia a dia que foram pesquisadas, apresentando as necessidades e desejos das pessoas. Na questão trabalho, mostra o home office e suas implicações; na questão família, a quantidade de divórcios e violência domésticas que aumentaram durante a pandemia, a revalorização de locais abertos e verdes, além de outros mais; na questão ambiental, conectam os temas das mudanças climáticas com a propagação de doenças e questionam o futuro da mobilidade nas grandes cidades pós pandemia. Já com o movimento “Vidas Negras Importam”, que está rodando o mundo, estamos buscando a igualdade, o antirracismo e o fim da violência, esperamos que estas questões de inclusão sejam explicitadas, debatidas e resolvidas cada dia mais. Para quem não acredita que pode haver mudança pós pandemia, a pesquisa da FSB/CNI mostra que 30% dos brasileiros farão exatamente como antes da pandemia, enquanto 26% pretendem ter uma rotina totalmente diferente, sobrando 44% que preveem futuros alternativos. Outro estudo que também aponta para um “verdadeiro normal” é que dois terços acham mais importante limitar impactos de mudanças climáticas agora e 60% estão fazendo mudanças significativas de estilo de vida para reduzir o impacto no meio ambiente, segundo “O novo consumidor pós Covid”, da McKinsey & Company. E mais ainda, esta pesquisa mostra pessoas buscando marcas que desempenham um papel adicional ao negócio perante a sociedade. Pois é, este “novo normal” ou “verdadeiro normal” que estamos buscando e pesquisando pode ser, efetivamente, construído. E precisará de cada um para isso, mas, principalmente, de novos modelos de negócio e produtos que, efetivamente, atendam às necessidades verdadeiras e talvez básicas do consumidor. Você já está atuando para este normal de verdade? *Artigo Publicado originalmente no Jornal Folha de S. Paulo Nakagawa Marcus Nakagawa é professor da ESPM e coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental (Ceds), é idealizador e diretor da Abraps e palestrante sobre sustentabilidade, empreendedorismo e estilo de vida

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