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terça-feira, 7 de agosto de 2018

Entrevista: Aumenta a Lepra Enquanto o Mundo dá Atenção às Doenças Endêmicas Mais Novas

Por Elisio Muchanga, especial para a IPS – 
Elisio Muchanga, correspondente da IPS, conversou com Yohei Sasakawa, embaixador da Boa Vontade da Organização Mundial de Saúde para a Eliminação da Hanseníase, durante uma recente visita a Moçambique para avaliar o progresso do país no tratamento de pacientes com lepra.
MAPUTO, 30 de julho de 2018 (IPS) – Nos primeiros seis meses deste ano, Moçambique, país do sul da África, já registrou cerca de 951 casos de hanseníase, 300 casos a mais que em todo o ano de 2017. O país, que anteriormente eliminou essa doença crônica em 2008, está recebendo financiamento da Fundação Nippon –organização filantrópica sem fins lucrativos do Japão, que atua em muitos países do mundo para eliminar a hanseníase – para fornecer terapia multidroga (MDT) gratuita aos portadores de lepra. A hanseníase é curável e, se tratada precocemente, deficiências relacionadas à doença podem ser evitadas. Entretanto, o tratamento pode levar de seis a 12 meses.
O presidente da Fundação Nippon e também embaixador da Boa Vontade da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a Eliminação da Hanseníase, Yohei Sasakawa, visitaram Moçambique recentemente para avaliar o progresso do país na identificação e tratamento da lepra.
Sasakawa apontou à IPS que o aumento da atenção das autoridades de saúde às doenças endêmicas relativamente novas, como malária, HIV e tuberculose (TB), pode ter contribuído para o aumento de novos casos de hanseníase no mundo. Isso apesar de o tratamento da doença permanecer livre, pois, desde 1995, a OMS fornece a MDT gratuitamente, graças ao financiamento inicial da Fundação Nippon.
Presidente da Fundação Nippon e embaixador da Boa Vontade da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Eliminação da Hanseníase, Yohei Sasakawa, visitaram recentemente Moçambique para avaliar o progresso do país na identificação e tratamento da lepra. Crédito: Elisio Muchanga
Sasakawa destacou que, embora a OMS tenha indicado que uma taxa de prevalência de um caso de hanseníase para cada dez mil habitantes indica a eliminação da doença, “esse indicador é simplesmente um marco. A erradicação ainda não foi alcançada, por isso devemos continuar trabalhando para a erradicação e eliminação”.
Seguem trechos da entrevista.
INTER PRESS SERVICE (IPS): Houve um declínio maciço na prevalência da hanseníase após a implementação global da MDT, na década de 1980, pela OMS. No entanto, ainda existem mais de 200 mil novos casos da doença registrados a cada ano. E vimos o surgimento da lepra resistente a múltiplos medicamentos nos últimos anos. Como isso afetou a taxa de prevalência?
YOHEI SASAKAWA (YS): Tanto no passado como no presente, a MDT é fornecida pela nossa fundação e distribuída gratuitamente. Embora essa gratuidade continue, há muitos pacientes com HIV, malária e tuberculose, e essas doenças recebem mais atenção dos ministérios da saúde do que a hanseníase. Esse fato aumenta novos casos de lepra. Houve uma complicação causada pela hanseníase multirresistente, o que também contribui para o aumento do número de pacientes, mas é um número muito pequeno, uma porcentagem muito menor.
IPS: Como a hanseníase zero pode ser alcançada?
YS: Começa por falar sobre a doença usando uma abordagem social, porque a hanseníase é um problema social. Assim, os líderes de um país, professores nas escolas, etc., devem trabalhar para disseminar o conhecimento de que a lepra é uma doença curável. Isso é possível com o tratamento correto, que começa com o exame da pele (os sintomas iniciais são manchas que são mais pálidas do que o normal). Se essa mensagem for espalhada exaustivamente, com certeza a hanseníase será zerada.
Um jovem das Filipinas com lepra. A doença crônica é curável e, se for tratada, as incapacidades temporais relacionadas podem ser evitadas. Cortesia: moyerphotos/CC
IPS: Você acha difícil alcançar o nível de lepra zero?
YS: Alcançar a hanseníase zero não é um processo tão difícil. Como já disse, só precisamos de uma divulgação exaustiva da mensagem de que é possível tratar a doença e que a medicação é gratuita nos centros de saúde. Essa é a única maneira de se atingir a lepra zero, porque essa enfermidade não é tão difícil de diagnosticar, é fácil de identificar.
IPS: O tratamento da lepra não custa nada, mas estamos vendo uma mudança em direção à complacência com a doença entre os formuladores de políticas públicas e, portanto, um aumento na sua prevalência em algumas áreas. Isso é um infortúnio. Por que é esse o caso? E como lidar com isso?
YS: A hanseníase não é uma doença médica, mas um problema social. Não tem sintomas como dor, e isso por si só faz com que algumas pessoas optem por não ir ao hospital quando se deparam com manchas na pele, por exemplo. Mas, com o tempo, a deformação acontece e então a pessoa sente vergonha de ir ao hospital por causa da discriminação. Durante muito tempo, a história mostrou que as pessoas com hanseníase eram altamente discriminadas. E essa discriminação ainda é muito forte em quase todas as populações. Tive a oportunidade de ver em Nampula, no norte de Moçambique, que os recuperados da lepra trabalham como voluntários na procura por outras pessoas que precisem de tratamento. Acho que isso é muito bom e seria ainda melhor se estivesse espalhado por todo o país.
IPS: Que ações concretas sua base está realizando, especialmente na África, para eliminar a lepra?
YS: Nos últimos 40 anos, a Fundação tem trabalhado para fornecer assistência necessária às pessoas com hanseníase por intermédio da OMS, e continuaremos propiciando esse auxílio. Na África, especificamente em países com casos de hanseníase, tento falar com o líder principal, o presidente. Eu explico a situação a eles para que ajam. Acho que, ao conversar com os presidentes, fica mais fácil para o ministério da saúde obter um orçamento maior e realizar suas atividades. O número de pessoas com lepra é muito menor do que o de pessoas com HIV, malária e tuberculose. Portanto, é muito difícil para o governo alocar uma quantia maior ao ministério da saúde para combater essa doença, e isso não é prioritário. Então eu vou para esses países e peço ao governo para aumentar o financiamento para o Ministério da Saúde para combater a doença.
IPS: Sua fundação deu apoio a muitos países para eliminar a lepra. Qual é o parecer desses países e qual pode ser tomado como modelo ou caso de sucesso?
YS: O retorno é muito positivo. Estamos experimentando uma redução significativa nos casos de lepra, com países declarando-se livres da enfermidade, embora haja novos casos. A Índia é um grande exemplo: o país tem o maior número de portadores no mundo – cerca de 70% dos casos – e o trabalho desenvolvido ali é positivo. No entanto, um caso concreto de sucesso aconteceu na Indonésia, onde conheci uma mulher que desenvolveu a doença aos 18 anos e foi rejeitada por sua família. Tive a oportunidade de fazer uma refeição com ela, e esse gesto desmistificou a lepra como uma doença amaldiçoada.
IPS: Como parte dos esforços para manter a qualidade dos serviços de tratamento da hanseníase e reduzir a carga dessa doença no mundo, a OMS reconheceu a importante contribuição que as pessoas afetadas podem oferecer. Em que algumas das contribuições que você viu influenciaram positivamente os serviços relativos à hanseníase?
YS: Bem, na Índia, você sabe que esse país tem um grande número de pessoas com lepra, e muitos dos que foram tratados e se recuperaram não têm nada para viver e acabam implorando nas ruas. Falei com o Dalai Lama para ver o que podemos fazer por essas pessoas. Ele escreveu um livro, vendeu e doou o dinheiro da venda para nossa fundação. Mais tarde, criamos uma associação para apoiar as pessoas afetadas, dando-lhes uma pequena pensão. Também fornecemos microcréditos e ensinamos as pessoas a ganhar a vida. Também oferecemos bolsas universitárias para os filhos de pessoas que se recuperaram da lepra, mas esse tipo de apoio, infelizmente, só acontece na Etiópia e na Índia.
IPS: Por que somente nesses países?
YS: Eu não sei. É um pena que seja limitado. Nós queríamos fazer o mesmo na Indonésia. Agora, aqui em Moçambique, pelo que entendi, não existe uma colônia onde apenas pessoas com lepra vivam. Mas, se as pessoas se juntarem e formarem uma associação, talvez possamos oferecer apoio. Eu entendo que aqueles que estão se recuperando querem trabalhar, mas não têm oportunidade. Nós podemos ajudar a criar essa oportunidade.
IPS: A Fundação Nippon conseguiu pressionar as Nações Unidas a aprovar uma resolução para a “eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e suas famílias”. Como você mede o resultado desse lobby hoje em relação ao compromisso e às ações dos Estados membros? ?
YS: É verdade que conseguimos mobilizar países e aprovar essa resolução, mas o que acontece é que essa regra contém seu princípio e sua diretriz, mas não tem penalidade. Alguns países a incluíram em suas políticas, mas infelizmente foram poucos. Recentemente, um relator foi eleito pela Diretoria de Direitos Humanos (no Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU), e terá que visitar os países e ver por que eles não estão cumprindo a recomendação da ONU, de 2010.
IPS: Ainda existe um estigma significativo ligado à doença. E o estigma colocado sobre as pessoas com lepra tem sido considerado uma das maiores injustiças sociais. Em algumas partes da África, as pessoas com hanseníase ainda estão separadas da sociedade, quando a pesquisa e a ciência provam que não é necessário. Como podemos superar isso?
YS: Na verdade, existe discriminação contra os portadores de lepra e isso é difícil de tirar das pessoas. O estigma e a discriminação são antigos e profundamente enraizados. Portanto, não é apenas com meus esforços que vamos acabar com isso. Precisamos contar com a participação de todos trabalhando juntos para mudar essa situação. (IPS/Envolverde)

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