Não é apenas a tendência de
crescimento nas emissões nacionais de gases de efeito estufa que preocupa sobre
a capacidade do Brasil de cumprir seus compromissos assumidos no Acordo de
Paris. É preciso também equacionar o
hiato entre a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), estabelecida em
2009, quando o Brasil estabeleceu metas voluntárias de redução das emissões dos
gases de efeito estufa, e os compromisso assumidos no âmbito do Acordo de Paris
seis anos mais tarde. Mais preocupante ainda: é preciso implantar diversas
diretrizes previstas na política climática brasileira que já deveriam estar em
funcionamento para apoiar a implementação da Contribuição Nacionalmente
Determinada (NDC) brasileira, com os compromissos assumidos pelo País no âmbito
do Acordo de Paris.
“Há indicativos claros de que a
governança climática do Brasil carece de aperfeiçoamentos”, resume Juliana
Speranza, analista de pesquisa do WRI Brasil, que está lançando o primeiro
estudo abordando esta temática acerca do papel de uma boa governança como
condição para implementação eficaz da política climática brasileira, sob
contexto pós-Acordo de Paris. “Investigar os limites, desafios e também as
lições aprendidas com a primeira política climática brasileira é estratégico
para uma boa implementação da NDC”, completa.
O estudo “Monitoramento da
Implementação da Política Climática Brasileira: Implicações da Contribuição
Nacionalmente Determinada” detectou vários pontos fundamentais da lei de 2009
que carecem de implantação, tais como o
Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), conhecido por mercado de
carbono, e sistema de monitoramento e avaliação dos resultados da política
climática; ambos com criação prevista pelo marco regulatório, mas que ainda não
foram construídos. Os planos setoriais de mitigação e adaptação e o Plano
Nacional sobre Mudança do Clima estão com seus processos de revisão e
publicação atrasados. No caso de instrumentos como financiamento climático
(Fundo Clima e Programa de Crédito para Agricultura de Baixo Carbono), o
montante de recursos destinado ainda é marginal, especialmente se comparado ao
que é alocado para alavancar atividades não orientadas para a descarbonização
da economia. Quanto aos instrumentos participativos (Fórum Brasileiro de
Mudanças Climáticas e processos de consulta pública à
formulação de planos de mitigação e adaptação), destaca-se o desafio de ampliar
a mobilização social em torno da agenda climática, que ainda é baixa, e
garantir maior transparência ao processo decisório acerca de incorporação ou
não das contribuições da sociedade civil aos processos de consulta pública.
“Em decorrência do Acordo de Paris, a avaliação e o monitoramento passam a receber maior relevância, uma vez que o papel de sistemas de mensuração, relato e verificação (MRV) foi fortalecido e estabeleceu-se a necessidade de revisões periódicas das NDCs dos países”, lembra Viviane Romeiro, gerente de clima e também autora do estudo a ser lançado. Speranza reforça: “Ter um sistema eficaz de governança facilita essa comunicação internacional e também a interna, além de permitir identificar o que não está funcionando para que sejam feitos os devidos ajustes. A evidente falta de uma governança efetiva fragiliza o Brasil”.
O estudo chega em um momento
bastante propício: além da conferência climática global que aconteceu em novembro, aqui no Brasil o governo está
reformulando a estrutura de governança para fazer a gestão da política
climática. Sob a batuta da Casa Civil, o governo está envolvendo diversos
ministérios e visa dar maior transparência a
esse processo, abrindo um canal de diálogo sobre o que vem sendo pensado para
esta reformulação.
“Bons arranjos institucionais devem estar também pautados na adequação a
sistemas de monitoramento e avaliação das políticas públicas e de canal de
diálogo e escuta popular com a sociedade, com desenhos que favoreçam a
articulação intersetorial”, ressalta Speranza.
“O cumprimento de objetivos e compromissos de redução das emissões dos
gases de efeito estufa e adaptação às mudanças climáticas estão portanto
condicionados à existência de uma boa governança climática. É a boa governança
que responde por bons resultados”, finaliza.
Informações de referência:
- A NDC
brasileira que consta no Acordo de Paris estabelece uma meta de redução
das emissões de gases de efeito estufa de 37% em 2025 e de 43% em 2030,
ambas tendo 2005 como ano-base e reconhecendo um cenário de emissões “economy-wide”,
ou seja, que reconhece a necessidade de reduções absolutas de GEE em todos
os setores-chave da economia brasileira.
No entanto, no âmbito doméstico, a PNMC, que conta
com compromissos e planos de adaptação e de mitigação já elaborados,
baseia-se em uma meta voluntária de redução de emissões projetadas até
2020 entre 36,1% até 38,9%, tendo como ano-base também 2005 mas
baseando-se em um cenário conhecido por “business as usual’’,
ou seja, consideradas a manutenção das mesmas condições do cenário
habitual.
- A análise do WRI partiu da ferramenta de
monitoramento de
políticas climáticas criada pela rede Open Climate Network (OCN), da qual
o WRI faz parte. Essa
ferramenta é inovadora na medida
em que analisa não somente
o grau de implementação da política climática brasileira, mas também
considera aspectos de governança como condições importantes para a boa
promoção da política. A ferramenta dispõe diretrizes para analisar cinco aspectos
de governança: (i) clareza de papéis e responsabilidades; (ii) capacidade
institucional; (iii) coordenação para a implementação das políticas; (iv)
transparência e (v) engajamento de diferentes atores para a sua
realização.
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