Posted: 29 Jan 2017
Reportagem do Sul 21 / Stela Pastore
Foto: MST |
“Até bem pouco tempo, grande parte da esquerda e direita estiveram alinhadas na destruição ambiental. Embora o movimento ambientalista tenha uma posição clara, e histórica, de rejeição da noção de crescimento a qualquer preço e se caracterize por posições de esquerda, ele, até aqui, não vinha sendo incorporado pelos programas da esquerda. Apenas recentemente, com a enorme crise ambiental e climática, a esquerda vem tomando, de forma majoritária, consciência da necessidade de incorporar a equação ecológica na discussão do desenvolvimento, e surgem abordagens e discursos importantes como o do ecossocialismo e do decrescimento. Já do lado da direita o que prevalece é uma crença arraigada de que a natureza não vale nada”. A avaliação é de Leonardo Melgarejo, presidente da Associação Gaúcha de Proteção Natural (Agapan), que participou de um debate, no Fórum Social das Resistências, sobre os retrocessos ambientais em curso no Brasil e a ignorância generalizada dos gestores sobre o tema.
Melgarejo foi um dos debatedores do seminário “Desmonte Ambiental e Resistências”, realizado pelo Clube de Cultura com apoio do Coletivo A Cidade que Queremos. A extinção da Fundação Zoobotânica (FZB) promovida pelo governo Sartori e as flexibilizações da legislação ambiental para atender à especulação imobiliária em várias esferas governamentais também foram tratadas nas discussões.
“Essas pessoas que se apropriaram do poder no país e que também estão na condução do município e do Estado são ignorantes do ponto de vista das questões ambientais. Não têm idéia do que significa a Fundação Zoobotânica, a ponto de atacar uma das fundações mais importantes da área ambiental por estar num espaço que a especulação imobiliária deseja ocupar. Se a FZB estivesse numa área menos valorizada do ponto de vista da especulação imobiliária possivelmente ela sobreviveria”, aposta.
Melgarejo observa que é uma aberração e um equívoco acreditar que é possível contratar empresas privadas para substituir o trabalho das fundações como a Zoobotânica, a Cientec, FEE, entre outras que integraram o pacote de extinções. “Há nisso uma arrogância assustadora, agem como se uma leitura rápida, superficial, baseada em aspectos de contabilidade, pudesse dar conta da abrangência dessas organizações. Uma presunção de conhecimento e uma ignorância do que significa avaliar uma organização deste tipo”, reitera.
A ruptura da solidariedade e a síndrome de Pilatos
Para o presidente da Agapan, o avanço da extrema direita e a fragilização dos movimentos sociais e governos progressistas estão fortemente ligados ao crescimento do individualismo. “A ruptura da democracia é consequência da ruptura da solidariedade. Essa ruptura da solidariedade parece ser consequência de uma espécie de Síndrome de Pilatos. A complexidade das situações em que temos que decidir, onde é necessário assumir responsabilidades, cresceu muito. Isso assusta, assim como assusta a impotência em que nos percebemos. Por isso a população está cada vez mais desejosa de se desresponsabilizar da solidariedade que deve ter, para com os outros, com as outras gerações, com o bem-estar social da coletividade. Querem lavar as mãos”, analisa.
Para o ativista, esse comportamento facilita a sedução por discursos populistas do que chamou de ‘salvadores da pátria’. “É um discurso perverso, apoiado pelas campanhas de marketing, onde alguém simplesmente diz ‘deixa que eu resolvo’, “deixa comigo'”… e a população engole, mesmo sem perceber a dimensão do drama em que se coloca na medida que aquelas pessoas estão destruindo o Estado. Estão levando a sociedade a abrir mão da proteção do Estado. A desistir de conquistas como o INSS, o SUS, as liberdades individuais, o 13º salário, todo um conjunto de avanços consolidados, constitucionais. “Essas pessoas hoje estão encarnadas tanto Temer, que não foi eleito, como pelo Sartori e pelo Marchezan, pelos que ocupam pelo voto ou pelo golpe uma posição que devia ser responsável pela construção de solidariedade mas que estão ajudando a acabar com ela”.
Somar forças em redes de resistência
Para Melgarejo, a conclusão é de que é preciso reconstruir os processos de solidariedade entre as pessoas e as organizações sociais, unindo forças. E exemplifica em nível local: somar o Coletivo a Cidade que Queremos, com o Movimento Preserva Arado, o grupo do Cais Mauá de Todos, da Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros, de Porto Alegre, os movimentos das mais diversas ocupações incluindo moradia, de hortas urbanas, feiras e alimentação saudável, as associações ambientalistas, entidades profissionais, acadêmicas e tantos outros.
“Temos que reunir esses grupos, aglutinar os projetos de cada um num projeto de todos, para a reconstrução da solidariedade. Dos vários projetos tirar um projeto: o da cidade que queremos. E queremos uma cidade com espaço para o protagonismo das organizações que aqui existem. Queremos isso também para o Estado e para o Pais. Queremos um projeto de Brasil, com o fim do governo golpista e com a retomada da participação social, em todos os níveis da vida pública”, conclui.
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