Por Renata Moehlecke, da Agência Fiocruz de Notícias/AFN.
Quatro meses depois do rompimento da barragem em Mariana, a Fundação Oswaldo Cruz segue monitorando as ações de remediação e o acordo anunciado entre a Samarco, o governo federal e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, diretamente envolvidos na tragédia. Além das pesquisas iniciais, referentes à qualidade da água e ao impacto do desastre no meio ambiente, a Fiocruz também foi convidada pelo Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) a participar do desenvolvimento de estudos epidemiológicos na região. O objetivo é desenhar um termo de cooperação para o acompanhamento, por dez a vinte anos, da saúde de toda a população que vive na bacia do Rio Doce.
Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), o pesquisador da Fiocruz Minas e relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre água e saneamento, Leo Heller, fala sobre os riscos da tragédia para o meio ambiente e à saúde das populações. Heller também comentou o que as análises do lamaçal revelaram até o momento.
AFN: A tragédia afetou o abastecimento de água na região. Como está a situação atualmente?
Leo Heller: A tragédia teve um profundo impacto na qualidade da água dos cursos de água a jusante da barragem, com importantes impactos no abastecimento de água, tanto de pequenos núcleos de populações ribeirinhas, quanto de cidades de médio porte, como Governador Valadares e Colatina. O abastecimento nessas cidades foi retomado, mas a qualidade da água do rio Doce não retornou a seu estado original e ainda inspira cuidados.
AFN: O que revelaram as análises de água após o rompimento da barragem?
Heller: Os resultados foram controvertidos em termos de aferição da toxicidade. Em todas as análise, uma intensa elevação nos teores de turbidez e de cor foi constatada. Em algumas, foram identificadas concentrações de metais muito acima das permitidas pela legislação sobre potabilidade da água. Ou seja, um quadro não completamente claro mas, se aplicarmos o princípio da precaução, inteiramente apropriado para casos como este, um quadro que requer muitos cuidados e muita atenção pelas autoridades públicas e prestadores de serviço de abastecimento de água.
AFN: Quatro meses após o desastre, como isso ainda afeta o meio ambiente, o consumo de água e o saneamento básico?
Heller: Eu diria que estamos em uma situação melhor do que aquele imediatamente após a tragédia, mas ainda muito distante da ideal, ou mesmo da anterior a ela.
AFN: Quais são os principais problemas e riscos enfrentados pela população local?
Heller: Existem diferente impactos nas comunidades. Uma situação é a da população que foi desalojada, e que hoje vive em diferentes locais em Mariana. Esta tem passado por um conjunto de problemas, próprios da perda da identidade social, cultural e histórica, bem como da desagregação do tecido social original. Outra refere-se a comunidades que dependiam dos rios para atividades produtivas, como pesca, agricultura e pecuária, que também está passando por sérios comprometimentos em sua vida, incluindo renda. Adicionalmente, temos as populações que dependem do rio, sobretudo o rio Doce, para abastecimento. Nesse último caso, o abastecimento foi reativado, mas mostra-se necessária uma vigilância, da qualidade da água e epidemiológica, muito mais intensa e específica que a rotineira.
AFN: Quais os riscos para o meio ambiente?
Heller: O ambiente aquático e das margens foi severamente afetado e levará muito tempo para se recompor, havendo efeitos na qualidade da água e nas espécies.
AFN: De que maneira a população pode ajudar a contornar o problema?
Heller: A população deve exigir que todo o processo de tomada de decisão sobre a recuperação do ambiente e das vidas no pós-tragédia seja acompanhado de processos participativos. Isto diz respeito particularmente à população removida e ao processo de reconstrução da localidade de Bento Rodrigues. Sobre isto, o manifesto divulgado por 21 entidades aborda com muita propriedade essa necessidade e as razões para ela.
AFN: O que a Fiocruz tem feito para auxiliar na questão da água?
Heller: A Fiocruz tem iniciado projetos na área e vem dialogando, de forma respeitosa e colaborativa, com as autoridades municipais. Particularmente, um trabalho de assistência aos desalojado em Mariana está sendo acertado com a prefeitura municipal. A Fiocruz colocou-se também à disposição para contribuir com a vigilância das doenças no pós-tragédia, por meio de seus laboratórios e de seus especialistas.
in EcoDebate, 09/03/2016
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