Soja alimenta industrialização paraguaia
Unidade industrial sem uso de combustível fóssil e praticamente sem dejetos de sua matéria-prima reflete a transição que vive o Paraguai para a industrialização.
Por Mario Osava, da IPS –
Villeta, Paraguai, 24/3/2016 – O Complexo Agroindustrial Angostura SA (Caiasa), maior planta produtora de farinha e óleo, em um país cuja economia dependia quase exclusivamente de exportações agrícolas, principalmente soja e carne bovina, recentemente passou a processar suas oleaginosas em grande escala e a exportar seus derivados, além de estimular outras indústrias.
Com o Caiasa, em operação desde maio de 2013, às margens do rio Paraguai, um dos principais da América do Sul, a moagem de soja no país se aproxima de metade de toda sua colheita, que deve atingir 8,8 milhões de toneladas este ano, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Além de produzir farinha de soja e óleo, de maior valor agregado, essa agroindústria beneficia os agricultores ao garantir a demanda de grãos durante todo o ano, o que “reduz a sazonalidade e estabiliza os preços”, destacou à IPS o gerente-geral do Caiasa, Diego Puente.
O Paraguai é o quarto exportador e sexto produtor mundial de soja. Mas é o primeiro entre os países de pequena dimensão, superado apenas por gigantes como Estados Unidos, Brasil, Argentina, China e Índia, dos dois últimos somente em produção. Assim, se destaca a importância econômica dessa oleaginosa para os 6,78 milhões de paraguaios, número estimado pela Direção Geral de Estatísticas em 2013. Seu processamento também oferece empregos qualificados, com capacitação realizada na Argentinapara algumas funções produtivas doCaiasa.
Os modernos equipamentos, com tecnologia de última geração na indústria do óleo, não exigem muita mão de obra: apenas 200 pessoas de forma direta. Mas os empregos indiretos são numerosos, cerca de 2.500, principalmente em transporte e serviços de manutenção, destacou Puente. Aproximadamente dois mil caminhões abastecem de soja a unidade, onde chegam em número de 500, em média a cada dia, no período de safra, explicou à IPS o gerente industrial, Norberto Vuyk.
“O Caiasa é uma benção. Aqui a recepção é rápida, demora no máximo 24 horas, enquanto nos portos mais desorganizados perdemos quatro ou cinco dias até descarregar”, contou à IPS o caminhoneiro Vitor Villamayor, apoiado por seu colega Martin Echauri. Ambos possuem veículos com grande capacidade, que podem transportar até 30 toneladas de soja, estacionados na “praia de caminhões” da empresa, não tão repleta como no auge da colheita, em janeiro e fevereiro. É que em março as cargas começam a ficar mais espaçadas, explicaram.
Outra singularidade do Caiasa é a de juntar grandes rivais do setor. “Uniram-se para criá-la fortes competidores no mercado agrícola mundial, como a Bunge (corporação norte-americana) e (o grupo francês) Louis Dreyfus, buscando economias de escala e redução de custos”, apontou Puente.A unidade custou US$ 200 milhões, em parte financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com a contribuição do fundo Opep de Desenvolvimento Internacional. Tem capacidade para processar 4.500 toneladas diárias de soja e opera 330 dias do ano, dedicando um mês para operações de manutenção.
Outras gigantes transnacionais do setor, as norte-americanas Cargill e ADM, também instalaram suas unidades industriais no Paraguai, embora com menor capacidade de moagem, o que ampliou o desenvolvimento agroindustrial nesse pequeno país do Cone Sul americano.
O Complexo ocupa um terço da área de 136 hectares no parque industrial da Municipalidade de Villeta, a 45 quilômetros de Assunção, no departamento de Central, e nasceu com possibilidade de expansão, embora enfrente um “risco latente”. “A Argentina, que tem capacidade ociosa em sua indústria, pode adotar um regime de admissão temporária para importar soja do Paraguai e exportar derivados”, pontuou Puente.
Essa disputa poderia agravar a escassez da matéria-prima em anos de baixa produção, alertou o gerente-geral. “A soja paraguaia contém mais proteína, por ter melhor terra pela fotossíntese ampliada pelo tempo de sol mais prolongado do que na Argentina”, despertando o interesse do vizinho, disse Puente. Comprar soja da Bolívia e do oeste do Brasil, cultivada nas margens do rio Paraguai que serve de fronteira entre esses dois países, é uma alternativa futura, afirmou.
“O Caiasa possui localização estratégica, a 250 quilômetros dos cultivos paraguaios, em média, e com hidrovia que pode trazer soja do norte a fretes baratos”, observou Puente. O nome Angostura foi adotado porque é o nome da localidade rural de sua sede, bem onde o rio Paraguai fica mais estreito e, portanto, mais profundo. Desde ali, podem navegar grandes barcaças rio abaixo, até o porto argentino de Rosário, 1.200 quilômetros ao sul, onde chegam navios oceânicos. Rio acima, rumo ao Brasil e à Bolívia, é diferente. A navegação é mais difícil na estiagem, obrigando a limitar o peso das cargas.
Melhorar essa via fluvial exigiria dragagens e eliminação de rochas, intervenções que teriam “fortes impactos” em mangues, reduzindo-os ao aumentar a velocidade do rio, advertiu à IPS o coordenador-geral da organização ambientalista Sobrevivência, Elías Díaz Peña. Essas questões afetam o Caiasa, mas enfrentá-las cabe aos seus proprietários internacionais, que respondem pela compra de matérias-primas e exportação dos produtos finais.
As tarefas da empresa industrial começam na recepção dos caminhões transportando soja e terminam quando as barcaças atracadas no cais são carregadas com farinha e óleo de soja, disse Vuyk. Entre as duas pontas, a soja percorre mais de um quilômetro passando pelo controle de qualidade, armazenamento, preparação e moagem, sendo transformada nos produtos de exportação que são levados por tubulações até o dique.
O complexo tem capacidade para armazenar 300 mil toneladas em seus prédios e mais um terço em silos provisórios a céu aberto, em forma de imensas bolsas impermeáveis.Da soja, 72% é convertida em farinha, 20% em óleo e 5,5% em pellets de casca e o restante é água, detalhou o gerente industrial. O pellets servem de alimento para o gado, mas Caiasa decidiu usá-lo como combustíveis na caldeira de vapor, adicionando lascas de madeira comprada de uma empresa certificada contra o desmatamento.
Dessa forma o processo exclui os derivados de petróleo que costumam ser usados em agroindústrias semelhantes, tornando o Complexo Angostura um modelo de novas tecnologias e de desenvolvimento limpo. O cuidado ambiental, indo além das normas legais do Paraguai, busca “manter a imagem de nossas empresas e cumprir as exigências do BID”, explicou Vuyk, que é engenheiro químico.
Além da energia limpa, a produtora de óleo pratica o sistema de efluente zero (ZED, em inglês) de recirculação para recuperação de águas residuais.“O Caiasa é uma das melhores, entre as 73 empresas industriais implantadas em Villeta, a maioria nos últimos cinco anos”, disse à IPS seu prefeito, Teodosio Gómez. O município, situado no leste do país, com 975 quilômetros quadrados e 70 quilômetros de margens do rio Paraguai, está se afirmando como “o polo mais importante de desenvolvimento industrial do país”, acrescentou, entusiasmado.
Além de várias empresas da agroindústria incluindo a ADM, estão presentes companhias químicas e o Estaleiro TsuneishiParaguay, de capital japonês, que constrói as barcaças que mobilizam a grande produção nacional. Os paraguaios se orgulham de ter a terceira maior frota de barcaças do mundo.
Uma política de garantia dos investimentos é fundamental na atração de empresas para Villeta, afirmou o prefeito. Gómez também citou outros fatores, como “o rio navegável todo o tempo e sem contratempos”, boas estradas, proximidade de Assunção e a abundante energia elétrica fornecida pela binacional Itaipu, a gigantesca central hidrelétrica brasileiro-paraguaia. Envolverde/IPS
*Este é o primeiro de dois artigos sobre a indústria da soja no Paraguai.
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